02 dezembro 2025

Biomarcadores de Alzheimer

Testes sanguíneos para a doença de Alzheimer - o que fazer com o Santo Graal

Joshua D. Grill, PhD - Instituto de Distúrbios Neurológicos e Deficiências de Memória, Universidade da Califórnia, Irvine

Tradução espontânea do editorial da revista JAMA Neurology publicado em 1.12.2025

Blood Tests for Alzheimer Disease - What to Do With the Holy Grail

https://jamanetwork.com/journals/jamaneurology/fullarticle/2842198

 

Neste número da revista JAMA Neurology, Malek-Ahmadi e colegas1 apresentam uma meta-análise de 17 estudos, realizados nos últimos 5 anos, sobre a capacidade de a proteína tau 217 fosforilada no plasma (p-tau217) distinguir grupos de indivíduos sem comprometimento cognitivo que apresentam resultados positivos nos biomarcadores tradicionais da doença de Alzheimer (DA) daqueles que apresentam resultados negativos. Os autores concluem que a p-tau217 no plasma é uma ferramenta poderosa para diferenciar esses grupos, com efeitos e áreas consistentes, considerando a curva operacional característica do recetor.

   No passado, os testes de biomarcadores sanguíneos (BBM - Blood-Based Biomarkers) eram o Santo Graal para os investigadores da DA e doenças relacionadas, mas agora são uma realidade. Embora não substituam uma avaliação cuidadosa, eles aumentarão o acesso a diagnósticos confiáveis para indivíduos com comprometimento cognitivo, vão reduzir o tempo para o início de novas terapias para alguns e facilitar para muitos outros a transição de uma jornada diagnóstica frequentemente ambígua para uma fase de gestão proativa da doença. Os BBM para a DA são os mais recentes de uma série de notáveis progressos na área, impulsionados por investimentos consistentes em investigação nos Estados Unidos e outros governos. Esses investimentos resultaram em técnicas de imagem molecular clinicamente disponíveis para visualizar placas amiloides e complexos neurofibrilares, análises rigorosas de proteínas do líquido cefalorraquidiano (LCR) para a patologia da doença, BBM recém-aprovados, programas abrangentes de orientação para o tratamento da demência, um primeiro tratamento para sintomas comportamentais e em terapias lecanemab e donanemab orientadas para a DA sintomática precoce. A quantidade e a velocidade do progresso são impressionantes e, desde que os investimentos em investigação sejam mantidos, prenunciam melhorias contínuas na qualidade dos cuidados disponíveis para idosos com comprometimento cognitivo.

   Mas com o rápido progresso vem a necessidade de planos de aplicação bem concebidos, de esforços contínuos para observar os impactos no mundo real e os riscos de uso indevido. O p-tau217 plasmático será uma bênção para o tratamento de indivíduos com comprometimento cognitivo; o uso em indivíduos sem comprometimento cognitivo (a população na meta-análise) é mais complexo. Persistem preocupações sobre a apresentação de diagnósticos ideais, sobre os requisitos e encargos do sistema de saúde, sobre proteções legais inadequadas e, ainda, sobre o estigma da DA.2 Dadas estas preocupações, dois grupos de especialistas mundiais3,4 recomendaram recentemente que não se realizem testes de biomarcadores em populações sem deficiências até que estejam disponíveis tratamentos baseados em provas que retardem os sintomas.

   Os dados apresentados por Malek-Ahmadi et al 1 são, no entanto, convincentes de que, uma vez que estejam disponíveis tratamentos altamente eficazes, o p-tau217 plasmático provavelmente desempenhará um papel central nesta nova prática clínica. Ainda assim, é importante destacar alguns factos importantes.

   Mesmo os padrões de referência para comparação utilizados nos estudos analisados por Malek-Ahmadi et al,1 a tomografia por emissão de positrões (PET) e o LCR, têm limitações e ressalvas. As leituras visuais e quantitativas da PET amiloide podem entrar em conflito,5 os exames positivos com distribuição atípica do sinal podem ser erroneamente rotulados como quantitativamente negativos, uma atrofia cerebral e dificuldades técnicas com tubos, assim como a produção, transporte e administração do marcador podem resultar em variação ou erro.6 Os estudos analisados testaram contra o estado amiloide positivo, mas o p-tau217 não é específico para a amiloide cerebral. Parece fornecer informações sobre placas amiloides e complexos neurofibrilares, como evidenciado pelo facto de que o tratamento com terapia de anticorpos monoclonais, resulta em reduções robustas na PET amiloide que não são completamente captadas por alterações paralelas do p-tau217.7

   Os estudos incluídos descrevem diferenças ao nível do grupo. Efeitos de grande magnitude para demonstrar diferenças entre grupos não são equivalentes à precisão diagnóstica necessária para recomendar um teste para uso clínico. Entre os doentes com comprometimento cognitivo, até 20% dos resultados do teste p-tau217 são «indeterminados», levando a propostas para um sistema-2 de biomarcadores para esses doentes.8 Não se sabe qual a proporção de resultados que serão indeterminados numa população sem comprometimento cognitivo e se esse sistema de biomarcadores seria necessário para garantir a identificação de todos os elegíveis para tratamento. O que se sabe é que uma prevalência geral mais baixa trará taxas mais elevadas de falsos positivos e ao risco de rotular incorretamente os idosos como portadores de DA. Uma eventual prática clínica que inclua o teste BBM em idosos sem comprometimento cognitivo também provavelmente será afetada por fatores externos, como é atualmente o caso do uso clínico do BBM na avaliação de indivíduos com comprometimento cognitivo. A disponibilidade de ensaios e plataformas, bem como as decisões de cobertura das seguradoras, podem resultar em alguns doentes serem testados com opções que não são as ideais.8,9 As preocupações com as taxas de falsos positivos serão particularmente importantes se os testes utilizados tiverem menor precisão ou maior confusão por comorbidades, em comparação com o ambiente controlado da investigação.9

   Determinar os limiares ideais para o p-tau217 para rastrear idosos que necessitam de cuidados continua a ser uma área fundamental de investigação. A carga de complexos neurofibrilares é amplamente considerada como estando mais intimamente associada ao declínio cognitivo, e indivíduos sem comprometimento cognitivo e níveis elevados de amiloide cerebral e algum tau neocortical apresentam o maior risco de progressão a curto prazo para comprometimento cognitivo objetivo.10 Em alternativa, os níveis subliminares de amiloide podem prever um eventual declínio cognitivo.11 Em última análise, pode ser necessária uma calculadora de risco que incorpore BBM e informações clínicas e demográficas adicionais, como é usual noutras áreas da medicina.12

   Por fim, os rápidos avanços tecnológicos levaram à proliferação de empresas que comercializam testes de biomarcadores diretamente ao consumidor (DTC) para DA. Os testes DTC de biomarcadores contornam a avaliação clínica especializada que deveria ser o primeiro passo para qualquer idoso com apreensões cognitivas.13 Há uma escassez de dados de segurança para a divulgação dos resultados dos biomarcadores a idosos sem deficiências, na ausência de consentimento, educação e aconselhamento adequados. Embora algumas empresas DTC ofereçam consultas com um médico para analisar os resultados, poucas parecem oferecer educação ou aconselhamento antes do teste. Esse aconselhamento faz com que, pelo menos, algumas pessoas optem por não prosseguir com o teste14; igualmente importantes são a preparação psicológica para os resultados, a educação sobre os riscos médico-legais e as ações para prevenir os piores cenários.

   Em vez disso, os sites das empresas enfatizam a facilidade dos testes e a oportunidade de saber sobre uma DA 10 a 20 anos antes do início da demência. Alguns sites das empresas referem-se ao acompanhamento de um médico, mas a maioria não. As ofertas de algumas empresas incluem não apenas os resultados do p-tau217 no plasma, mas também testes da cadeia leve do neurofilamento e da proteína ácida fibrilar glial, para os quais há menos dados disponíveis e menos convincentes. Os sites que oferecem os testes variam na linguagem de marketing e na precisão com que descrevem o estado atual da ciência. Muitas vezes, são opacos sobre os testes específicos utilizados e, geralmente, não divulgam os limites em que se baseia a atribuição dos resultados. Alguns também vendem tratamentos, inclusive por meio de serviços de assinatura, que carecem de comprovação, para a redução do risco de DA ou o atraso no início dos sintomas. Alguns afirmam que estas abordagens são «validadas» e enfatizam que o risco de DA pode ser reduzido em até 60% ou que 1 em cada 2 casos de demência pode ser prevenido. Os esforços para atrair indivíduos para os testes sob o pretexto de intervenções preventivas eficazes amplificam as preocupações sobre a falta de transparência, particularmente no que diz respeito à definição de limites.

   Os médicos provavelmente verão um influxo de doentes adultos mais velhos, sem deficiências, levando os resultados dos testes DTC BBM à consulta, perguntando sobre interpretação, prognóstico e oportunidades de tratamento. Isso pode sobrecarregar os especialistas disponíveis, atrasar o acesso ao diagnóstico e tratamento para doentes com deficiências e colocar muitos clínicos não especialistas em posições difíceis para as quais não têm formação.8

   A crescente indústria de BBM precisa de regulamentação. Os consumidores precisam de proteção contra testes de baixa qualidade, terapias não comprovadas e os riscos que acompanham o rótulo de DA.

   Esta área tem um enorme potencial, mas necessita de um plano sólido para a introdução eficaz e responsável dos BBM como ferramenta de rastreio em indivíduos sem deficiência cognitiva.15 É provável que isso comece com especialistas e, em seguida, passe necessariamente para os cuidados primários, a fim de lidar com o número crescente de indivíduos afetados por condições relacionadas com a idade que causam demência.8 Será necessário um investimento contínuo em investigação para sustentar o ritmo atual de progresso na cruzada para lidar com a saúde pública da DA e doenças relacionadas. Vários marcos importantes estão claramente a chegar e serão essenciais para a implementação ética de novas e poderosas ferramentas. <

Referências
1. Malek-Ahmadi M, Sharma S, Stipho F, et al. Plasma phosphorylated tau 217 and amyloid burden in older adults without cognitive impairment: a meta-analysis.  JAMA Neurol. Published online December 1, 2025. doi:10.1001/jamaneurol.2025.4721
2. Karlawish J. Addressing the ethical, policy, and social challenges of preclinical Alzheimer disease. Neurology. 2011;77(15):1487-1493. doi:10.1212/WNL.0b013e318232ac1a
3. Jack CR Jr, Andrews JS, Beach TG, et al. Revised criteria for diagnosis and staging of Alzheimer’s disease: Alzheimer’s Association Workgroup.  Alzheimers Dement. 2024;20(8):5143-5169. doi:10.1002/alz.13859
4. Dubois B, Villain N, Schneider L, et al. Alzheimer disease as a clinical-biological construct: an international working group recommendation. JAMA Neurol. 2024;81(12):1304-1311. doi:10.1001/jamaneurol.2024.3770
5. Zeltzer E, Schonhaut DR, Mundada NS, et al. Concordance between amyloid-PET quantification and real-world visual reads.  JAMA Neurol. 2025;82(9):952-962. doi:10.1001/jamaneurol.2025.2218
6. Leuzy A, Bollack A, Pellegrino D, et al. Considerations in the clinical use of amyloid PET and CSF biomarkers for Alzheimer’s disease. Alzheimers Dement. 2025;21(3):e14528. doi:10.1002/alz.14528
7. Sims JR, Zimmer JA, Evans CD, et al; TRAILBLAZER-ALZ 2 Investigators. Donanemab in early symptomatic Alzheimer disease: the TRAILBLAZER-ALZ 2 randomized clinical trial.  JAMA. 2023;330(6):512-527. doi:10.1001/jama.2023.13239
8. Palmqvist S, Whitson HE, Allen LA, et al. Alzheimer’s Association Clinical Practice Guideline on the use of blood-based biomarkers in the diagnostic workup of suspected Alzheimer’s disease within specialized care settings. Alzheimers Dement. 2025;21(7):e70535. doi:10.1002/alz.70535
9. Schöll M, Verberk IMW, Del Campo M, et al. Challenges in the practical implementation of blood biomarkers for Alzheimer’s disease. Lancet Healthy Longev. 2024;5(10):100630. doi:10.1016/j.lanhl.2024.07.013
10. Ossenkoppele R, Pichet Binette A, Groot C, et al. Amyloid and tau PET-positive cognitively unimpaired individuals are at high risk for future cognitive decline. Nat Med. 2022;28(11):2381-2387. doi:10.1038/s41591-022-02049-x
11. Leal SL, Lockhart SN, Maass A, Bell RK, Jagust WJ. Subthreshold amyloid predicts tau deposition in aging. J Neurosci. 2018;38(19):4482-4489. doi:10.1523/JNEUROSCI.0485-18.2018
12. Wong ND, Budoff MJ, Ferdinand K, et al. Atherosclerotic cardiovascular disease risk assessment: an American Society for Preventive Cardiology clinical practice statement. Am J Prev Cardiol. 2022;10:100335. doi:10.1016/j.ajpc.2022.100335
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