Tradução espontânea do texto
When residents call out “fake sick”
publicado em 09.06.2024 na página Sensible Medicine
Afinal de contas, “é apenas um
emprego”
Recentemente, ouvi falar de um
programa de internato onde há o hábito de invocar “falsas doenças”. Por outras
palavras, se um interno tiver um dia particularmente longo ou difícil, se
sentir que precisa de descansar – mesmo na ausência de febre, arrepios, suores
noturnos ou vómitos – diz que está “doente”. É interessante constatar que os
falsos dias de baixa são geralmente ao fim de semana ou em dias adjacentes
(segundas e sextas-feiras), e que este facto é muito mais frequente do que em
anos anteriores.
É incrível como os tempos mudaram.
Fiz a minha formação em medicina interna no Northwestern Medical Center,
em Chicago, entre 2009 e 2012. Se alguma vez invocasse “falsa” doença, o meu diretor
dava-me uma “valente sova”.
A doença “falsa” é algo sobre que,
reconhecidamente, não temos dados públicos, mas é do conhecimento geral. Seria
fácil deduzir os falsos dias de baixa analisando as taxas de doença por dia de
calendário – como sugerido. A doença real não discrimina entre quarta-feira e
sábado, mas a doença falsa sim. Os diretores de programas – especialmente de
grandes programas – deveriam fazer esta análise nas suas equipas. Suspeito que
muitos já o fizeram. Aposto que os programas onde este é problema cultural têm
diretores que estão menos dispostos a estudá-lo.
Outros programas não têm uma
cultura de doença “falsa”, mas têm dias de “saúde mental”. Um dia de saúde
mental pode ser gozado por qualquer motivo e em qualquer altura e, como tal, é
semelhante a um dia de doença “falsa” – uma diferença sem distinção.
No Reddit, há muitos postais
interessantes em que os internos debatem esta prática.
Qual é o sentimento geral em relação a tirar um “dia pessoal” ou de “saúde mental”? Qual é a melhor forma de o fazer? Ou não deve ser feito de todo?
Entre as
respostas que me chamaram a atenção:
isto.é.apenas.um.emprego. Talvez o meu velho e cansado coiro já não se importe, mas, por amor de Deus, parem de se martirizar porque “o trabalho tem de ser feito” ou porque “alguém tem de fazer o que é preciso”
Se os vossos superiores estão a tentar fazer-vos isso, então é óbvio que já é uma coisa estabelecida.
O vosso bem-estar não é menos do que quaisquer deveres para com os doentes. Que se dane essa infeliz mentalidade.
Teria curiosidade em ler a
candidatura dessa pessoa à faculdade de medicina. Esses textos contêm
normalmente frases como “a medicina é uma vocação”, “uma profissão”, “as
pessoas põem as suas vidas nas nossas mãos”, “é uma arte antiga e de confiança”.
Pergunto-me como é que esse sentimento se transforma em “isto é apenas um emprego”.
Outra resposta chamou-me a atenção:
Nos últimos 5 anos da minha
carreira, nunca vi tantos estagiários a terem de ir ao dentista – uma epidemia
de cáries que têm de ser resolvidas durante as visitas à enfermaria ou as
consultas. Não é uma piada, é uma verdade: fui ao dentista antes de começar a
faculdade de medicina e quando me tornei professor.
Um dos desafios da minha área de
trabalho (oncologia) é o facto de experimentarmos toda a gama de emoções
humanas numa única manhã. O primeiro doente é alguém com mieloma múltiplo, cujo
cancro cresceu apesar de todas as terapias e agora vai certamente morrer. Temos
de aconselhar essa mulher e a sua filha sobre esta notícia e sobre o que
esperar. Depois, entramos numa sala e, 30 segundos mais tarde, temos de entrar
no quarto de alguém com linfoma de Burkitt no abdómen, que jurávamos que ia
morrer, mas que atingiu uma remissão completa e pode até estar curado.
Da agonia ao êxtase em menos de um
minuto, e ambos os doentes precisam que eu esteja lá para eles – totalmente
presente – emocionalmente disponível. Não há nenhum dia de saúde mental no
meio, nem depois. Porque amanhã está agendado outro doente com leucemia
recidivante, cuja doença está a explodir e não tem mais terapias disponíveis, e
que quer falar comigo, e não com qualquer médico.
Tenho pena do estagiário que acaba
o internato médico a pensar “isto é apenas um emprego” – algures pelo caminho
não lhe mostrámos porque é que não é.
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