Revista OM - ago/set/out/2023 (atualizado 24.3.2025)
Estará
o prestígio social dos médicos em queda? Eis uma pergunta a que é difícil dar
uma resposta baseada em provas. Pode talvez haver uma perceção geral de que isso
acontece, eventualmente no contexto do gracejo, tantas vezes ouvido, segundo o
qual, “no que diz respeito ao respeito, já não há respeito nenhum”…
Uma
das formas de demonstrar a importância social de alguém é perpetuar a sua memória
numa escultura pública ou, mais simplesmente, numa placa toponímica. Dar um
nome a um arruamento na terra onde essa pessoa nasceu ou onde se notabilizou
tem sido, ao longo dos tempos, utilizado pelas localidades em Portugal, como
noutros países.
Lançámo-nos
à procura de nomes de médicos nas ruas, avenidas, praças e travessas
portuguesas e ficamos com a impressão, não contabilizada, de que a nossa
profissão rivaliza, na toponímia, com os padres e os santos. A nossa amostra
resulta de uma recolha de nomes de médicos feita, entre outras fontes, nos
excelentes blogues “Ruas com história”, da autoria de Manuel
C. Lopes, e “Toponímia de Lisboa”, do Departamento de
Património Cultural da Câmara Municipal de Lisboa, mais a consulta do Código Postal.
Muitos
outros haverá certamente, mas para os efeitos desta reflexão ficámo-nos por um
conjunto de 537 nomes de médicos (apenas 15 são do sexo feminino!) em 281 municípios
do continente e ilhas – ver lista em Toponímica médica).
Tomando o número de
nascidos por décadas parece haver um decréscimo nos tempos mais recentes, mesmo
tendo em conta que há prestigiados médicos nascidos depois de 1923 que estão
entre nós (é sabido que é raro atribuir-se o nome a um arruamento em vida do
homenageado) e que os casos muito antigos tendem a ser esquecidos e por vezes
substituídos. Esta distribuição peca, naturalmente, por englobar períodos
históricos diversos (Monarquia, República, Estado Novo), mas se tivéssemos
escolhido o ano de falecimento dos topónimos o problema manter-se-ia. Por isso,
juntámos os nascidos em três grupos de 50 anos – as duas metades do século XIX e a primeira do século XX –, e encontrámos uma quase
igualdade (43-47%) nos dois últimos grupos, o que parece desmentir o declínio –
ver gráficos.


Da leitura
das notas biográficas disponíveis é possível esboçar dois tipos de prestígio
social que caracterizam a toponímica médica, os quais, podendo não coincidir exatamente
com as épocas escolhidas, talvez se possam admitir que predominam mais numas do
que noutras. Assim, no tempo do “pai dos pobres”, o que levava a muitas
homenagens era a bondade, filantropia, dedicação desinteressada dos topónimos.
Mais tarde, vemos que o reconhecimento público deriva sobretudo da notoriedade dos
lugares ocupados e da competência: autarcas, militares, políticos, escritores
ou académicos de renome.
Embora
não consigamos confirmar que há uma correlação direta entre prestígio e
toponímia, adiantamos uma possível explicação para a perceção referida no
início. Referimo-nos às profundas alterações que têm acontecido na forma como é
exercida a profissão médica. Na verdade, acabou a era do “João Semana”, não há
mais figuras providenciais que obtêm os favores do poder central em benefício
das suas terras, a política já teve melhores dias, as equipas substituíram de
vez os brilhantes cientistas individuais.
Será caso para decretar o
fim do prestígio social dos médicos tal como o conhecemos? Talvez, mas foi por
uma boa causa!