Uma aposta sobre a consciência feita há 25 anos foi finalmente decidida
Um cientista do cérebro e um filósofo resolveram uma aposta sobre a consciência que foi feita quando Bill Clinton era presidente
John Horgan *
A 25-Year-Old Bet about Consciousness Has Finally Been Settled 8,
publicado em 26.06.2023
Um
neurocientista vestido de dourado e vermelho e um filósofo vestido de preto
subiram ao palco perante um auditório lotado e murmurante na Universidade de
Nova Iorque, na noite da passada sexta-feira. Os dois homens estavam a sorrir,
especialmente o filósofo. Estavam aqui para decidir uma aposta feita no final
dos anos 90 sobre uma das maiores questões da ciência: como é que um cérebro,
um pedaço de matéria, gera estados subjetivos conscientes como esta mistura de
expetativa e nostalgia que senti ao ver estes tipos?
Antes de
revelar a conclusão da aposta, deixem-me levar-vos através da sua história
sinuosa, que mostra por que razão a consciência continua a ser um tópico de
tanto fascínio e frustração para qualquer pessoa com um mínimo de inclinação
intelectual. A primeira vez que vi Christof Koch, o neurocientista, e David
Chalmers, o filósofo, a entrarem em confronto foi em 1994, numa conferência
agora lendária em Tucson, Arizona, chamada Toward a Scientific Basis for
Consciousness. Koch foi a estrela do encontro. Juntamente com o biofísico
Francis Crick, tinha vindo a proclamar na Scientific American e noutros media
que a consciência, com que os filósofos se têm debatido há milénios, era
cientificamente abordável.
Tal como Crick e o geneticista James Watson resolveram o problema da
hereditariedade descodificando a dupla hélice do ADN, os cientistas iriam
desvendar a consciência descobrindo os seus desdobramentos neurais, ou “correlatos”.
Era mais ou menos isso que Crick e Koch afirmavam. Chegaram mesmo a identificar
uma possível base para a consciência: células cerebrais a disparar em sincronia
40 vezes por segundo.
Nem toda a gente em Tucson ficou convencida. Chalmers, mais jovem e, na
altura, muito menos conhecido do que Koch, argumentou que nem as oscilações de
40 hertz nem qualquer outro processo estritamente físico podiam explicar a
razão pela qual as perceções são acompanhadas por sensações conscientes, como o
tédio esmagador evocado por uma palestra rebuscada. Tenho uma memória viva da
audiência a animar-se quando Chalmers chamou à consciência “o problema difícil”.
Foi a primeira vez que ouvi essa frase agora famosa.
Chalmers sugeriu que o problema difícil poderia ser resolvido assumindo que
a “informação” é uma propriedade fundamental da realidade. Esta hipótese, ao
contrário do modelo de 40 hertz de Crick e Koch, poderia explicar a consciência
em qualquer sistema, não apenas num sistema com cérebro. Mesmo um termóstato,
que processa um pouco de informação, poderia ser um pouco consciente, especulou
Chalmers.
Pouco
satisfeito, Koch confrontou Chalmers num intervalo e denunciou a sua hipótese
da informação como não verificável e, portanto, inútil. “Porque é que não diz
que quando temos um cérebro, o Espírito Santo desce e torna-nos conscientes?”
ironizou Koch.
Chalmers
respondeu com frieza que a hipótese do Espírito Santo entrava em conflito com a
sua própria experiência subjetiva. “Mas como é que eu sei que a sua experiência
subjetiva é a mesma que a minha?” exclamou Koch. “Como é que posso saber que
estás consciente?” Koch estava implicitamente a levantar aquilo a que chamo o
problema do solipsismo, ao qual voltarei.
Sublinhei o
confronto entre Koch e Chalmers num artigo de 1994 para a Scientific
American, “Can Science Explain Consciousness?“. Desde
então, tenho acompanhado as suas carreiras. Os seus pontos de vista não tinham
mudado muito quando, em 1998, fizeram a sua aposta na reunião anual da Associação para o Estudo Científico
da Consciência, que ajudaram a fundar. Koch apostou com Chalmers uma caixa de vinho
afirmando que dentro de 25 anos – ou seja, até 2023 – os investigadores
descobririam um padrão neural “claro” subjacente à consciência.
No entanto, na
década seguinte, a posição de Koch mudou drasticamente, ao abraçar um modelo
ambicioso baseado na informação, inventado pelo neurocientista Giulio Tononi.
Chamado teoria da informação integrada, ou IIT, o modelo é muito mais
pormenorizado do que aquele que Chalmers esboçou em Tucson. A IIT defende que a
consciência surge em qualquer sistema cujos componentes trocam informação de
uma certa forma definida matematicamente.
Em 2009, Koch expôs as implicações surpreendentes
da teoria na revista Scientific American. Um único protão, que consiste em
três quarks em interação, pode possuir um vislumbre de consciência, conjeturou.
A IIT parecia corroborar a antiga doutrina metafísica do pampsiquismo, que
sustenta que a consciência está presente em tudo.
Perplexo com
estas afirmações, em 2015, participei num workshop sobre teoria da
informação integrada na Universidade de Nova Iorque. Os oradores incluíam
Tononi, o inventor da IIT, Koch, agora diretor do Instituto Allen para a
Ciência do Cérebro, e Chalmers, codiretor do Centro para a Mente, Cérebro e
Consciência da Universidade de Nova Iorque.
Embora a maioria dos oradores do seminário tenha tratado a IIT com
delicadeza, o especialista em computação quântica Scott Aaronson arrasou-a. De acordo com a definição
matemática de informação da IIT, Aaronson salientou que um leitor de discos
compactos com códigos de correção de erros poderia ser muito mais consciente do
que um ser humano.
Saí do workshop
com objeções mais fundamentadas à IIT. Numa
entrevista em 1990, Claude Shannon, que inventou a teoria da informação nos
anos 40, disse-me que a informação de um sistema é proporcional à sua
capacidade de “surpreender” um observador, o que eu entendo como significando
que a informação requer uma entidade consciente para ser informada. Explicar a
consciência com um conceito que pressupõe a consciência parece-me um raciocínio
circular – uma aldrabice.
Além disso, a
IIT, tal como todas as teorias que permitem a existência de consciência
não-humana, levanta aquilo que acima referi como o problema do solipsismo, segundo qual
nenhum ser humano pode ter a certeza de que qualquer outro ser humano está
consciente, muito menos uma medusa, um termóstato ou um protão. Koch propôs a
construção de um “medidor de consciência” que mediria a consciência em qualquer
objeto da mesma forma que um termómetro mede a temperatura, mas este
dispositivo continua a ser uma experiência mental, uma fantasia.
Em que
ponto estão as coisas atualmente? Graças, em parte, aos esforços de Koch e
Chalmers, há mais investigadores do que nunca a tentar resolver o enigma da
consciência. Estão a sondar o cérebro com optogenética, ressonância magnética
funcional, estimulação magnética transcraniana e elétrodos implantados no
interior do cérebro. E estão a modelar os seus dados com algoritmos cada vez
mais poderosos, reforçados com inteligência artificial.
Estes
esforços foram apresentados na 26ª conferência anual da Associação para o Estudo
Científico da Consciência na Universidade de Nova Iorque,
onde Koch e Chalmers se encontraram para resolver a sua aposta. No encontro de
22 a 25 de junho, dezenas de investigadores de todo o mundo, alguns ainda não
nascidos quando Koch e Chalmers se defrontaram pela primeira vez em Tucson,
apresentaram as suas ideias e os dados mais recentes.
A
diversidade de perspetivas foi vertiginosa. A velha hipótese da oscilação de 40
hertz de Crick e Koch deu lugar a uma série de modelos mais sofisticados de
correlação neural. Para alguns, o córtex pré-frontal é essencial para a
consciência; outros centram-se na atividade em diferentes regiões do cérebro ou
em tipos específicos de neurónios ou modos de comunicação neural. Os oradores
também se debruçaram sobre a consciência dos primatas, das aranhas e das
plantas, sobre o estatuto ontológico da realidade virtual e dos sonhos e sobre
as implicações da demência e de outros estados patológicos.
Um tópico
que esteve notoriamente ausente foi a mecânica quântica, que físicos como John
Wheeler e Roger Penrose associaram à consciência. Recentemente, Chalmers
brincou com um modelo que funde a teoria da informação integrada e a
mecânica quântica. Mas quando perguntei a Chalmers sobre a falta
de teorias quânticas da consciência, informou-me que eram demasiado frágeis
para esta conferência.
Portanto,
as teorias quânticas estavam fora de questão. Mas o que dizer do poster
sobre como a consciência pode ser explicada pela relatividade, que propõe uma
forma de unir os quadros de referência da primeira e da terceira pessoa? O que
dizer da sessão que analisou se as inteligências artificiais como o ChatGPT são
conscientes e, portanto, moralmente responsáveis? E as palestras sobre
experiências místicas induzidas por meditação ou pelos psicadélicos?
Os oradores
manifestaram preocupação com a proliferação de teorias. “O crescimento nem
sempre é benigno”, disse o filósofo Robert Chis-Ciure numa palestra sobre a
falsificação de teorias. “O cancro é um bom exemplo.” Durante o mesmo evento em
que Koch e Chalmers resolveram a sua aposta, os investigadores apresentaram os
resultados de testes rigorosos à teoria da informação integrada e a um modelo
rival, a teoria do ambiente de trabalho global, em que a consciência funciona
como um modo de o cérebro destacar informação crítica.
Os
resultados dos testes foram inconclusivos. Alguns dados favorecem a IIT; outros
favorecem a do ambiente de trabalho global. Esta conclusão não é surpreendente,
dado que o cérebro é tão terrivelmente complexo e a consciência está tão pobremente
definida, como vários oradores reconheceram. Tudo isto para dizer que a
investigação sobre a consciência, longe de convergir para um paradigma
unificador, tornou-se mais fraturante e caótica do que nunca.
Voltemos à
aposta entre Koch e Chalmers: concordaram que, para Koch ganhar, a evidência de
uma assinatura neural da consciência deveria ser “clara”. Essa palavra “clara”
condenou Koch. “É evidente que as coisas não são claras”, disse Chalmers. Koch,
fazendo uma careta, concordou. Saiu do palco e reapareceu com uma caixa de
vinho, enquanto o público ria e aplaudia.
Koch apostou mais uma vez. Daqui a vinte e cinco anos, previu,
quando tiver 91 anos e Chalmers 82, os investigadores da consciência alcançarão
a “clareza” que agora lhes escapa. Chalmers, apertando a mão de Koch, aceitou a
aposta.
“Espero perder”, disse Chalmers, “mas suspeito que vou ganhar”. Eu também suspeito que sim. Aposto que a consciência será ainda mais desconcertante em 2048 do que é atualmente. Espero viver o tempo suficiente para ver Koch dar a Chalmers outra caixa de vinho.
* John Horgan, que escreve para a Scientific American desde 1986, faz comentários sobre ciência na sua revista online gratuita Cross-Check. Também publicou online os seus livros Mind-Body Problems e My Quantum Experiment. Horgan é docente no Stevens Institute of Technology.