Marit van der Pijl, Corine Verhoeven, Martine Hollander, Ank de Jonge, Elselijn Kingma
Tradução espontânea do artigo
The ethics of consent during labour and birth: episiotomies
Resumo - As episiotomias não consentidas e outros procedimentos durante o trabalho de parto são frequentemente relatados por mulheres em vários países e muitas vezes destacados no ativismo sobre o parto. No entanto, à parte as cesarianas forçadas, a ética do consentimento durante o trabalho de parto tem recebido pouca atenção. Centrando-se nas episiotomias, este artigo aborda se e como deve ser obtido o consentimento durante o trabalho de parto. Fazemos uma breve revisão dos fundamentos do consentimento informado, distinguindo a sua relevância intrínseca e instrumental para o respeito pela autonomia. Destacamos também duas formas não explícitas de dar o consentimento: o consentimento implícito e o consentimento por autoexclusão (opt-out). De seguida, discutimos os desafios e as oportunidades para a obtenção do consentimento no trabalho de parto e nascimento, dada a sua posição única no âmbito da Medicina.
Defendemos que o consentimento para a realização de procedimentos durante o trabalho de parto é sempre necessário, mas este consentimento nem sempre tem de ser totalmente informado ou explícito. Recomendamos uma abordagem individualizada em que o período pré-natal é utilizado para trocar informações e explorar valores e preferências relativamente a procedimentos relevantes. O consentimento explícito deve ser sempre obtido no momento da intervenção, exceto se as mulheres insistirem no período pré-natal no sentido contrário. Advertimos contra o consentimento implícito. No entanto, se a mulher não der uma resposta conclusiva durante o trabalho de parto e se os riscos forem elevados, os prestadores de cuidados de saúde podem passar a um consentimento por autoexclusão claramente comunicado. A nossa discussão centra-se nas episiotomias, mas também constitui um ponto de partida útil para abordar a ética do consentimento para outros procedimentos durante o trabalho de parto, bem como para procedimentos clínicos de caráter urgente em geral.
Introdução
Um tema consistente entre os
ativistas dos direitos do parto1,2 e na investigação sobre
experiências negativas e traumáticas do parto é a invasão dos corpos das
mulheres em trabalho de parto sem o seu consentimento.3-5 O extremo deste espectro é a
cesariana forçada: um fenómeno bem conhecido, mas raro, cuja (il)legitimidade
desencadeou décadas de discussão bioética.6 No entanto, muitos outros
procedimentos são também administrados sem consentimento durante o trabalho de
parto, e com muito mais frequência.
Sabe-se que os procedimentos
não consentidos durante o trabalho de parto e o nascimento são uma questão
mundial, registada em vários países do globo.7 Por exemplo, num estudo
holandês recente, 7% das mulheres referiram exames vaginais não consentidos, 36%-38% monitorização fetal não consentida e 42% episiotomias não consentidas.8 Noutros países, foram
encontrados números igualmente elevados de procedimentos não consentidos. Por
exemplo, na Austrália, 34% das mulheres referiram episiotomias não consentidas. Em Itália, este número
foi de 39%.9,10 Os procedimentos não consentidos aparecem de
forma proeminente entre os casos referidos como “desrespeito e abuso” durante o
trabalho de parto e o parto, ou “violência obstétrica”.11 As mulheres, tanto nos Países
Baixos como no Reino Unido, referem que a informação fornecida e a falta de
escolha relativamente a procedimentos como as episiotomias são mínimas, o que
pode ser vivido como angustiante e desempenha um papel significativo nas
experiências de parto negativas e traumáticas relatadas pelas próprias.12,13 O peso dos procedimentos não
consentidos não se distribui uniformemente entre os grupos,14,15 o que corresponde a provas
generalizadas de disparidades raciais, socioeconómicas e outras nos cuidados de
maternidade.3,16 No entanto, apesar das provas, não há
praticamente qualquer discussão na literatura sobre a ética do consentimento
para procedimentos no trabalho de parto.
Pode considerar-se
desnecessária esta discussão: é claro que todos os procedimentos no parto, tal
como todos os procedimentos médicos, requerem consentimento. Mas a questão pode
ser mais complicada. Os prestadores de cuidados expressam frequentemente a sua
surpresa pelo facto de o consentimento ser necessário.17 Citam, entre outros fatores, a
relação de confiança como fundamento da permissibilidade destes procedimentos e
a menor capacidade ou desejo das mulheres em trabalho de parto de se envolverem
numa comunicação elaborada.17 De facto, existem algumas
provas de que nem todas as mulheres querem dar o seu consentimento para todos
os procedimentos.13,18 Assim, nem a necessidade de consentimento
informado durante o trabalho de parto e o parto nem a sua implementação
processual (se necessária) são tão simples como se poderia esperar. Isto pode
explicar por que razão o desrespeito e o abuso nos cuidados de maternidade são
fenómenos tão complexos e prevalentes.8 Também mostra que este é um
tópico que necessita de investigação urgente.
Neste artigo, uma equipa
multidisciplinar de investigadores (enfermagem obstétrica, obstetrícia,
filosofia/ética) pretende abordar adequadamente questões pouco estudadas sobre
se, quando, como e em que circunstâncias o consentimento deve ser obtido durante
o trabalho de parto. Centramos a nossa discussão no uso da episiotomia: um
procedimento intraparto que envolve uma incisão para alargar o orifício
vaginal. Esta discussão tem uma relevância mais vasta. Em primeiro lugar, pode
aplicar-se a outros procedimentos intraparto para além das episiotomias, em que
o consentimento também falta frequentemente e que são pouco estudados.[i] Em segundo lugar, a nossa discussão é pertinente para procedimentos médicos
fora do âmbito da obstetrícia/enfermagem obstétrica, que são diferentes dos
dois âmbitos em que a literatura sobre o consentimento informado se centra
principalmente: procedimentos de grande dimensão, muito invasivos e
previsíveis, como a cirurgia abdominal, ou a participação em investigação
clínica. Embora acreditemos que os argumentos apresentados neste documento são
aplicáveis em qualquer parte, o foco principal deste documento é em ambientes
com recursos elevados. A pergunta de investigação do presente documento é a
seguinte: o consentimento para a realização de uma episiotomia durante o
trabalho de parto é eticamente necessário e, em caso afirmativo, como deve ser
implementado em termos processuais nos cuidados de maternidade?
Em primeiro lugar, explicamos o
que é uma episiotomia, bem como a sua utilização e consequências. De seguida,
recapitulamos brevemente o requisito ético do consentimento informado, distinguindo
o seu papel intrínseco e instrumental no respeito pela autonomia. Também
analisamos os meios de dar o consentimento para além do consentimento explícito
e plenamente informado, centrando-nos particularmente no consentimento
implícito, no consentimento por autoexclusão, no consentimento presumido e no
direito de não saber. Na secção seguinte, documentamos os desafios e as
oportunidades para a obtenção do consentimento colocados pela natureza
particular do trabalho de parto e do nascimento, seguidos dos desafios e
oportunidades colocados pela natureza específica do nosso procedimento em foco,
a episiotomia. Na última secção, argumentamos que os desafios descritos não
podem minar a necessidade moral de obter o consentimento, mas complicam a sua
implementação procedimental. Recomendamos uma abordagem individualizada em que
o período pré-natal é utilizado para trocar informações e explorar valores e
preferências relativamente aos procedimentos relevantes. Algumas mulheres podem
querer consentir os procedimentos com antecedência; outras podem querer
decidir apenas durante o trabalho de parto e o nascimento; algumas podem
querer fazê-lo com base em mais informações do que outras. No entanto, o
consentimento explícito deve ser sempre solicitado no momento da intervenção,
exceto se as mulheres insistirem no sentido contrário durante o período
pré-natal. Alertamos para a necessidade de evitar o consentimento implícito,
devido à natureza do trabalho de parto e do nascimento. No entanto, se a mulher
não der uma resposta conclusiva e o que estiver em causa for de grande
importância, o prestador de cuidados pode passar a um consentimento por
autoexclusão claramente comunicado.
O que é uma episiotomia?
A episiotomia é uma incisão
cirúrgica no pavimento pélvico para alargar o orifício vaginal, feita quando a
cabeça do bebé emerge durante a segunda fase do trabalho de parto (“expulsão”).
Pode ser realizada para promover a saúde da mãe ou do bebé, ou de ambos. Na
maioria das vezes, é realizada para facilitar o nascimento (mais rápido) do
bebé em caso de suspeita de sofrimento fetal. A episiotomia também é
normalmente utilizada para evitar traumatismos perineais graves, por exemplo,
durante um parto vaginal assistido, a fim de proteger a mãe contra lacerações (maiores)
através do reto. Outras indicações podem ser antecedentes de lacerações
perineais importantes, peso fetal estimado elevado, parto pélvico, segunda
fase prolongada do trabalho de parto e distocia de ombros.19 A incisão é geralmente efetuada
com uma tesoura sob anestesia local e requer reparação por sutura. Existem
vários tipos de episiotomias, sendo os dois mais comuns: “mediana/linha média”
(uma incisão vertical) e “médio-lateral” (uma incisão angular/diagonal).20 O presente artigo centra-se em
qualquer tipo de episiotomia, independentemente do tipo ou do facto de o corte
ser grande ou pequeno; todos envolvem uma incisão cirúrgica. O procedimento
está associado a um aumento da perda de sangue, inchaço, infeção, dor (no
período pós-parto imediato e, por vezes, mais longo) e disfunção sexual.21 É difícil obter números exatos
sobre as consequências. A disfunção sexual, por exemplo, ocorre frequentemente
em mulheres que deram à luz recentemente, mas a sua relação direta com uma
episiotomia é difícil de estimar.
Historicamente, os benefícios
percebidos de uma episiotomia levaram à sua utilização de rotina, mas esta
tornou-se controversa.20 Com base na literatura existente, a OMS incluiu
a seguinte declaração nas suas diretrizes intraparto mais recentes (2018): “O uso rotineiro ou liberal
da episiotomia não é recomendado para mulheres submetidas a parto vaginal
espontâneo”.22 Mesmo assim, continua a ser um procedimento
generalizado com grandes variações internacionais na incidência: nos primeiros
nascimentos, 6% na Suécia, 7% na Dinamarca, 24% na Islândia, 35% na Noruega, 38% no estado de Hesse, Alemanha, 41% em Malta, 46% nos Países Baixos, 46% na Finlândia, 47% na Irlanda e 68% na Bélgica.23 A ambiguidade das indicações
relevantes e o uso variável de intervenções alternativas, como a aplicação de
compressas quentes ou a sugestão de outras posições de parto22, podem ser fatores
significativos para explicar a grande variação na incidência do procedimento.24
Consentimento Informado
O requisito ético do
consentimento informado incorpora o respeito pela autonomia do doente e pela
sua integridade física.25 O consentimento é moralmente transformador: muda
a natureza de um ato, por exemplo, de uma agressão para um toque ou tratamento
permitido. O consentimento deve ser (1) voluntário (ou seja, livre de coação ou
pressão) e (2) adequadamente informado. O carácter voluntário exige que os
doentes tenham e saibam que têm opções alternativas, incluindo a opção de
recusar, e que não haja pressão para consentir. O requisito de informação é
discutido em pormenor mais adiante, mas, idealmente, exige o envolvimento do
doente durante todo o processo de tomada de decisão através da troca de
informações entre o prestador de cuidados e o doente. Este processo deve
culminar no consentimento informado voluntário do doente, na sua recusa ou na
escolha de uma opção alternativa.26
O pedido de consentimento
respeita a autonomia e a integridade corporal do doente, tanto a nível
instrumental como intrínseco.27 A nível instrumental, porque a
comunicação necessária para o consentimento implica a revelação ao doente dos
riscos, benefícios e alternativas das opções de tratamento. A discussão destes aspetos
pode revelar as preferências do doente anteriormente desconhecidas pelo
prestador de cuidados. Isto assegura que o plano de tratamento está alinhado
com os valores do doente. Intrinsecamente, o facto de se pedir autorização
antes de se invadir o corpo de outra pessoa dá o reconhecimento explícito de
que esse corpo é da outra pessoa para o gerir e controlar. Isto significa que,
mesmo que o prestador de cuidados e o doente tenham discutido todos os
benefícios, riscos e valores e que seja claro que o doente consentirá, continua
a ser importante pedir o consentimento no momento da intervenção.
O consentimento informado não é
apenas um requisito ético, mas em muitos países é também um requisito legal. Em
teoria, este último concretiza o primeiro. Na prática, pode existir uma tensão
entre os dois. O facto de se ‘fazer o visto’ ou de se assinar um formulário
pode parecer, do ponto de vista jurídico, uma garantia de consentimento, mas
muitas vezes fica aquém do consentimento ético.28,29 Em vez de envolver
efetivamente o indivíduo e respeitar a sua autonomia, que é o principal
princípio que sustenta o consentimento informado, pode, pelo contrário,
enfraquecê-lo.29 Isto pode levar a que os prestadores de cuidados
considerem o consentimento informado como um incómodo legal sem verdadeiro
significado. Pode também diminuir (todas as formas d’)a confiança, devido à
desconfiança que os documentos legais suscitam entre os doentes.28 Uma vez que a ética deve estar
na base da legalidade, neste documento centramo-nos no conceito de
consentimento ético.
Como é que um doente pode dar o
seu consentimento? A maior parte da literatura sobre o consentimento centra-se
no ideal do consentimento explícito e informado: o consentimento só é pedido ao
doente depois de este estar envolvido no processo de tomada de decisão e de ter
recebido e compreendido toda a informação relevante sobre os riscos e benefícios
do procedimento proposto, bem como sobre as alternativas ao mesmo. O
consentimento, se dado, é explicitamente comunicado: por escrito, verbalmente
ou ambos. O contexto relevante é frequentemente o dos grandes procedimentos
terapêuticos previsíveis, como a cirurgia, ou a participação em investigação
clínica.30
Mas, na prática, os
procedimentos de consentimento ficam quase sempre aquém deste ideal. É
amplamente reconhecido que as dificuldades práticas tornam impossível a
concretização de um consentimento plenamente informado. Por exemplo, fornecer
muita informação nem sempre é melhor, pois pode deixar os doentes
sobrecarregados e perdidos. Os doentes também parecem esquecer-se
frequentemente ou compreender mal algumas ou todas as informações dadas.31 Por conseguinte, o requisito
de informação tem de ser adaptado à capacidade cognitiva e às preferências de
cada doente: tem de ser relevante e compreensível.32 Na prática, isto significa que
os prestadores de cuidados de saúde têm de percorrer uma linha ténue e
individualizada entre dar demasiada ou pouca informação; entre ajudar o doente
a decidir e interferir demasiado; e, além disso, julgar o que é ou não
relevante tendo em conta a situação, as preferências e os valores desse doente
em particular.
Isto significa que os doentes
consentem habitualmente em procedimentos com base em pouca ou nenhuma
informação. Por isso, alguns autores distinguem separadamente o ‘consentimento
simples’: quando os doentes dão o seu consentimento a procedimentos não
minimamente ou minimamente invasivos – como uma colheita de sangue ou um exame
físico efetuado por um médico de clínica geral – sem (quase) nenhuma
informação. Este consentimento pode ainda ser genuíno, porque o procedimento é
minimamente arriscado e o conhecimento prévio partilhado constitui grande parte
da informação relevante.33 No entanto, não distinguimos formalmente o
consentimento simples do consentimento informado, porque consideramos que o
primeiro é o extremo do espetro do consentimento – com o ideal regulador do
consentimento totalmente informado no outro extremo.
Embora o facto de dar
informação seja a norma para obter o consentimento, os doentes podem invocar o
direito de não saber. Quando um doente deseja receber pouca ou nenhuma
informação sobre um determinado procedimento, esse desejo deve ser respeitado,
mas apenas na condição de que ‘não saber’ não seja suscetível de causar danos
graves ao próprio ou a terceiros. O direito de não saber só pode ser ativado
pelo doente e nunca pode ser presumido.34 O direito de não saber não
prejudica o ideal ético do consentimento informado ou da autonomia do doente:
quando o doente deseja não saber e consente ou recusa um procedimento, o doente
toma uma decisão autónoma voluntária, não com base na informação, mas noutra
base, como a confiança total no julgamento benéfico do seu prestador de
cuidados.
Em comparação com o requisito
de informação, a questão de como o consentimento pode e deve ser comunicado
diretamente tem sido pouco discutida na literatura. Distinguimos três formas
de dar o consentimento, além do consentimento explícito (verbal ou escrito):
(1) consentimento implícito, (2) consentimento por autoexclusão e (3)
consentimento presumido.
O consentimento implícito não
envolve um ‘sim’ ou ‘não’ comunicado verbalmente ou não verbalmente, mas é
claramente comunicado através das ações do doente, o que implica a concordância
com o procedimento.35 Exemplos incluem: arregaçar a manga para uma
injeção ou colheita de sangue; começar a preencher um inquérito opcional (o que
implica o consentimento para ser inquirido); ou mudar-se voluntariamente para
uma determinada posição que é necessária para a realização de um procedimento.
Para que as ações constituam um consentimento implícito, têm de estar reunidas
várias condições: os doentes têm de saber (aproximadamente) o que vai acontecer
e têm de estar suficientemente informados e conscientes dos seus direitos para
saberem que têm (outras) opções.
No consentimento por
autoexclusão, não há qualquer ação ou comunicação ativa, verbal ou não-verbal,
que declare ou implique o consentimento; em vez disso, o consentimento é a
escolha por defeito e o não consentimento exige uma ação verbal ou não-verbal.36 Por exemplo, nos Países
Baixos, os dados perinatais de todas as mulheres grávidas são automaticamente
(e anonimamente) armazenados numa base de dados nacional para efeitos de
monitorização e investigação. Todas as mulheres grávidas são informadas deste facto
no período pré-natal e são informadas de que o seu prestador de cuidados de
saúde as anulará se se opuserem. Mais uma vez, existem requisitos rigorosos
para que a não autoexclusão constitua um consentimento: os doentes têm de ser
informados de que estão a consentir ao não se autoexcluírem; o que estão a
consentir ao não se autoexcluírem; e o que têm de fazer para se autoexcluírem.
Para além disso, a oportunidade de não participar tem de ser realista e viável
(fácil de usar e encontrar).
Assim, tanto o consentimento
implícito como o de autoexclusão cumprem os dois requisitos do consentimento:
existe um pré-requisito de informação (os doentes devem saber o que estão a
consentir e o que constitui o consentimento) e uma condição de escolha voluntária
(os doentes devem ter alternativas viáveis ao consentimento, saber que têm
essas alternativas e não se sentirem pressionados a consentir). Salientamos
também que todas as formas de consentimento têm um âmbito: arregaçar a manga
para receber fluidos intravenosos não implica o consentimento para qualquer
outra coisa que seja administrada, e o consentimento para um exame vaginal não
significa o consentimento para ações internas adicionais, como a amniocentese.
Por último, é importante não confundir consentimento com conformidade,
nomeadamente nas suas versões implícita e de autoexclusão. A conformidade
significa que um doente se submete passivamente a um procedimento, por exemplo,
porque acredita que tem de fazer o que o prestador de cuidados diz; não lhe foi
dada informação ou sente-se pressionado; ou porque as alternativas ao consentimento
são dificultadas. É crucial – especialmente no contexto deste documento –
reconhecer a diferença entre consentimento e conformidade.37
Podem ocorrer situações em que
os doentes não podem dar o seu consentimento, por exemplo, por estarem
inconscientes. Neste caso, o tratamento pode ainda ser permitido se o prestador
de cuidados puder legitimamente presumir o consentimento. Mas há requisitos
essenciais para que esta exceção ao consentimento informado seja válida: tem de
haver uma emergência médica; o procedimento é necessário para evitar danos
significativos ao doente; e tem de ser impossível ou impraticável (ou seja,
porque implica um atraso inaceitável do ponto de vista médico) obter o
consentimento do indivíduo ou de um terceiro que esteja autorizado a consentir
em seu nome. Finalmente, não deve haver qualquer razão para suspeitar que a
pessoa se teria recusado a dar o seu consentimento.38 Por exemplo, o consentimento
pode ser razoavelmente presumido quando uma pessoa é trazida inconsciente para
as urgências e os prestadores de cuidados têm de efetuar uma transfusão de
sangue que pode salvar a sua vida, mas não se o doente for uma testemunha de
Jeová conhecida.
Terminamos a nossa discussão
sobre o consentimento salientando o importante papel da confiança nos procedimentos
éticos de consentimento. A confiança, muito mais do que uma abordagem
legalista, é relevante e essencial para a capacidade de dar um consentimento
informado.39 Num extremo, os doentes podem assumir um pequeno
papel no processo de tomada de decisão e consentir porque confiam que o
prestador de cuidados ‘fará o que está correto’. Noutro extremo, os doentes
podem querer assumir o controlo total do processo de tomada de decisão – mas
mesmo assim tendem a confiar, ao consentir, em que não estão a ser manipulados,
que o prestador de cuidados dá informações e conselhos honestos, que o
prestador de cuidados agirá de acordo com a sua decisão, etc.29 Por sua vez, demonstrar
respeito pelo consentimento e pela autonomia demonstra idoneidade e, por
conseguinte, gera confiança.
O’Brien et al
identificaram três importantes formas inter-relacionadas de confiança durante o
trabalho de parto e o nascimento: confiança em si próprio, confiança na relação
e confiança no sistema.40 A confiança em si próprio
influencia a forma como as mulheres fazem as suas escolhas. As mulheres com uma
elevada confiança em si próprias são frequentemente mais seguras e fazem
escolhas mais autónomas. Fatores como a idade, a qualidade da relação com o
prestador de cuidados, a confiança na própria intuição e as experiências
anteriores de parto influenciam o nível de confiança em si próprio das
parturientes, mas também são fortemente influenciados pela segunda forma de
confiança: a confiança na relação. A confiança na relação abrange a interação
entre dois indivíduos; neste caso, a paciente e o prestador de cuidados. A
falta de confiança prejudica a comunicação e o consentimento devido ao medo e
à desconfiança; demasiada confiança pode levar a situações em que não se trocam
informações importantes para dar o consentimento.41
Por exemplo, a paciente pode consentir num procedimento sem conhecer as suas
(possíveis) consequências, confiando que o prestador de cuidados tenha
partilhado essa informação, se for relevante. No entanto, em retrospetiva, o
doente pode ter desejado tomar uma decisão diferente se tivesse conhecimento
das possíveis consequências. Para criar confiança na relação, é necessário
tempo e atenção pessoal. Esta última está intimamente relacionada com a
terceira forma de confiança: a confiança no sistema. As mulheres podem
desenvolver desconfiança no ambiente de prestação de cuidados devido a várias
razões. Os prestadores de cuidados podem enfrentar obstáculos sistémicos, como
a falta de recursos e de tempo, para construir e manter relações de confiança
com as suas pacientes. Um sistema de cuidados que desvalorize as relações
devido a protocolos e diretrizes pode pôr em causa o clima de confiança que,
por sua vez, pode corroer a capacidade do sistema para cumprir o requisito
ético do consentimento informado.40,42
Temos de estar conscientes de
que quanto mais nos afastamos do ideal do consentimento explícito e plenamente
informado, mais importante parece ser o papel da confiança. O consentimento
baseia-se então no pressuposto de que o prestador de cuidados sabe o que é mais
importante para o doente e que a comunicação não explícita entre os dois é bem
sucedida. Isto é mais fácil de concretizar quando o prestador de cuidados
conhece bem o doente, o que sugere que o requisito ético do consentimento é um
argumento independente a favor da continuidade dos cuidados.43 De facto, quando um doente não
tem confiança no sistema, pode ainda ser possível construir uma relação de
confiança com um determinado prestador de cuidados no período pré-natal, o que
pode ser essencial para a concretização de cuidados adequados. No entanto,
também acarreta complicações, porque é difícil garantir que esse prestador de
cuidados também estará presente durante o parto.
A natureza do trabalho de parto e
do nascimento
O contexto do trabalho de parto
e do nascimento é, em vários aspetos, diferente do contexto habitual dos
cuidados de saúde. Este facto não só impõe desafios, como também apresenta oportunidades,
para a obtenção do consentimento informado.
Em primeiro lugar, e de forma única, durante o trabalho de parto e o nascimento, estão em causa a saúde e os interesses de dois (futuros) indivíduos: a mãe e o filho. Mas há apenas uma pessoa que é o sujeito direto dos procedimentos propostos e que pode consentir ou recusar. Mesmo que um procedimento se centre apenas no futuro bebé, a mãe mantém a autoridade final para consentir, recusar ou procurar uma alternativa, porque é no seu corpo que se interfere.6 [ii]
Em segundo lugar, os cuidados
de maternidade são uma das poucas áreas da medicina em que os tratamentos que
envolvem (risco de) danos são regularmente efetuados num indivíduo (a mãe) com
o único objetivo de beneficiar a saúde de outro (a futura criança). Noutras
áreas da medicina em que os indivíduos são tratados e/ou prejudicados para
benefício de outros, ou seja, na doação de órgãos ou no contexto da
investigação, existem requisitos rigorosos de consentimento.44 Os cuidados de maternidade não
devem ser diferentes.45
Em terceiro lugar, nos cuidados
de maternidade, o trabalho dos prestadores de cuidados envolve as partes do
corpo mais íntimas e socialmente sensíveis das suas pacientes. Os exames a
estas partes do corpo podem ser vividos como particularmente complicados e
invasivos; talvez muito mais do que se apercebe o prestador de cuidados, para
quem estes exames são rotina. Além disso, o significado social destas partes do
corpo deixa uma margem de erro muito pequena, porque a invasão destas partes do
corpo sem consentimento é, infelizmente, um fenómeno social relativamente
generalizado e bem conhecido, com um significado específico degradante,
humilhante e desumanizante. O contexto médico não pode escapar totalmente a
esta conotação.45 Isto também significa que é necessário um
cuidado extra para garantir que só se toca e invade estas partes do corpo com
consentimento.
Em quarto lugar, a natureza do
trabalho de parto significa que o tempo e a capacidade de discussão e
disponibilização de informação podem ser limitados; tanto porque algumas
decisões são urgentes, como porque a mulher pode estar preocupada, cansada e/ou
com dores. Alguns estudos mostram que as mulheres não são capazes de recordar
informações e procedimentos de consentimento após o parto devido à intensidade
do trabalho de parto.46 Este facto é frequentemente utilizado para
sugerir ou argumentar que as mulheres não têm capacidade de tomada de decisão
durante o trabalho de parto.47 No entanto, tal sugestão é
ilegítima, tanto de acordo com a literatura48,49 como com o sistema judicial46; as mulheres em trabalho de
parto devem ser consideradas capazes de tomar decisões, mesmo quando estão com
dores ou altamente medicadas. Tal como outros doentes que se encontram
frequentemente sobrecarregados, cansados e com dores são normalmente
considerados capazes. Só em situações raras, por exemplo, em caso de défice
cognitivo grave ou de estado de inconsciência, é que os doentes, e as
parturientes, podem ser considerados incapazes de tomar uma decisão. No
entanto, é legítimo pensar que a natureza do trabalho de parto apresenta, por
vezes, desafios para a prestação de informações e outras comunicações
relevantes para o consentimento. Por vezes, e não sempre, porque há uma grande
variação entre as mulheres e os seus trabalhos de parto; nem tudo é crítico em
termos de tempo e nem todas as mulheres estão exaustas ou ‘no auge do trabalho
de parto’; algumas estão bem descansadas; outras estão entre contrações; há uma
grande variação na forma como as mulheres gerem, enfrentam e sentem a dor.
Em quinto lugar, durante o
trabalho de parto e o nascimento, a parturiente não interage primordialmente
com o sistema de saúde por estar a ser submetida passivamente a um procedimento
– como uma cirurgia – mas porque está ativamente a fazer algo: está a dar à
luz. Este facto pode comprometer a disponibilidade das mulheres para comunicar.
Algumas mulheres acreditam que a interferência e os pedidos de comunicação são,
eles próprios, intervenções que afetam negativamente o processo de trabalho de
parto. Por isso, algumas indicam não querer saber ou ser incomodadas durante o
trabalho de parto e o nascimento, nem mesmo para obterem o consentimento
informado.18 De facto, se a comunicação induzir medo ou
ansiedade nas mulheres, isso é diretamente contraproducente para o fluxo
hormonal do trabalho de parto.50 Esta pode ser uma das razões pelas quais os
prestadores de cuidados de saúde têm relutância em preocupar as mulheres com
discussões e informações (extensas). Especialmente se acreditarem que a mulher,
se lhe for perguntado, consentiria na mesma. No entanto, a perturbação, o medo
e a ansiedade podem ser induzidos não só por palavras, mas também por outras
interferências, como um toque ou uma intervenção inesperados. A investigação
sobre experiências de parto negativas e traumáticas também indica que as
mulheres podem sofrer em resultado de não terem sido envolvidas na tomada de
decisões.12 Encontrar o equilíbrio certo entre não perturbar
desnecessariamente nem deixar de respeitar a autonomia e a integridade corporal
é, portanto, um desafio prático fundamental, talvez único no trabalho de parto
e nascimento.
Em sexto e último lugar, o
trabalho de parto é também relativamente único no contexto dos cuidados de
saúde porque, embora os seus exatos momentos e decursos sejam imprevisíveis, o
facto de que irá ocorrer é quase sempre conhecido com muitos meses de antecedência.
Além disso, as mulheres têm muitas consultas de cuidados planeadas durante este
período: a OMS recomenda pelo menos oito contactos pré-natais; em locais com
recursos elevados, as mulheres têm frequentemente entre 11 e 14.51 Isto deixa bastante tempo e
oportunidade para a preparação, discussão e troca de informações antes do
momento potencialmente crítico e desafiante do parto.
A natureza do procedimento
Além dos desafios e
oportunidades relacionados com a natureza do trabalho de parto e do nascimento,
que são pertinentes para todas as tomadas de decisão durante o trabalho de
parto, também identificamos desafios e oportunidades específicos para
(procedimentos como) a episiotomia.
A falta de consenso sobre as indicações
para a realização de episiotomias significa que existem diferenças
significativas entre os prestadores de cuidados de saúde no que respeita ao
momento e à razão pela qual consideram que uma episiotomia está indicada. Este
facto tem resultado em grandes variações (inter)nacionais na incidência da
episiotomia.23,52 Quando um bebé
parece estar em sofrimento, o monitor do ritmo cardíaco fetal dá informações
sobre o estado de saúde do bebé, mas sabe-se que é impreciso.53
Uma episiotomia pode acelerar a expulsão do bebé, mas muitas vezes não se sabe
ao certo em que medida e se isso fará uma diferença clínica nos resultados a
longo prazo. Também existem ações alternativas preventivas e agudas para
algumas indicações, como a mudança da posição de parto.22
Isto deixa uma margem considerável para que as perspetivas e valores dos
próprios prestadores de cuidados, influenciados por fatores contextuais e
experiências anteriores, afetem o seu critério. Os prestadores de cuidados
podem não estar conscientes dos fatores que influenciam as suas próprias perspetivas
e ações, o que torna difícil abordar estes padrões subconscientes.54
Estas questões colocam dois desafios. Em primeiro
lugar, embora os prestadores de cuidados possam tentar facultar informações objetivas,
há aspetos inevitáveis de subjetividade e de julgamento nas informações e
recomendações que prestam. Isto significa que, na mesma situação, outro
prestador de cuidados poderia ter feito uma avaliação diferente. Em segundo
lugar, quando há subjetividade na ponderação dos riscos e dos resultados, o
respeito pela autonomia exige que as avaliações e decisões sejam feitas à luz
dos valores da doente e não à luz dos valores do prestador de cuidados. As
mulheres têm opiniões sobre as episiotomias: um estudo que investigou os planos
de parto mostrou que a ‘não realização de episiotomia’ é frequentemente
mencionada pelas mulheres nos seus planos de parto.55
Na realidade, é improvável que todas estas mulheres nunca desejem uma
episiotomia em qualquer circunstância; em vez disso, pode muitas vezes indicar
um desejo de uma utilização mais relutante da episiotomia. É questionável até que
ponto os prestadores de cuidados de saúde são, na prática, capazes de adaptar
as suas recomendações a cada paciente. Para melhorar esta situação, é
necessário falar com as mulheres sobre as suas preferências.
Uma proposta construtiva
Passámos em revista (1) os
fundamentos do consentimento informado, incluindo os limites práticos do
requisito de informação, as diferentes formas de dar o consentimento além da
comunicação explícita e a sua relação com a confiança; (2) os desafios e as
oportunidades para obter o consentimento devido à natureza relativamente única
do trabalho de parto e do nascimento; (3) os desafios e as oportunidades
decorrentes da natureza específica do procedimento em causa: as episiotomias.
A nossa primeira pergunta foi
se o consentimento é necessário para as episiotomias. Pode parecer
surpreendente para alguns que tal questão necessite de um empenhamento sério –
mas necessita. É difícil imaginar que 43%8 das mulheres que foram
submetidas a episiotomia num contexto de grandes recursos referissem não ter
consentido explicitamente neste procedimento, se os prestadores de cuidados
estivessem genuinamente convencidos de que o consentimento para este procedimento
era (sempre) necessário. De facto, os prestadores de cuidados expressam
ativamente dúvidas sobre a necessidade de obter o consentimento e enfrentam
desafios na sua obtenção.17,56 No entanto, defendemos que, sim, o consentimento
é necessário para todos os tipos de episiotomias, em todas as circunstâncias,
e que todas as mulheres, independentemente das suas características pessoais
ou antecedentes culturais, têm direito a ele.
Porque é que os prestadores de
cuidados duvidam da necessidade de consentimento? Em primeiro lugar, existe um
aparente desacordo quanto ao caráter invasivo de uma episiotomia; alguns
prestadores de cuidados acreditam que não é, e que, portanto, o consentimento
pode ser presumido.[iii] Neste caso, discordamos simplesmente: a episiotomia invade os
tecidos e deixa uma ferida que necessita de ser suturada. Por conseguinte, é
invasiva. Além disso, a natureza sensível das partes do corpo envolvidas, como
já foi referido, é tal que mesmo o toque requer consentimento. Finalmente, o
arbítrio da invasividade para efeitos do requisito de consentimento deve
certamente ser a pessoa que experimenta o procedimento e as suas consequências;
não a pessoa que o executa.27 Não
só uma proporção substancial de mulheres indica ter ficado perturbada por ter
sido submetida a uma episiotomia não consentida,8 como também a menciona em
narrativas sobre experiências traumáticas de parto.12
Em segundo lugar, alguns prestadores de cuidados
acreditam que o consentimento não é necessário, porque acreditam que só
realizam episiotomias quando realmente necessárias, ou porque sabem que a
mulher concordaria de qualquer forma. Isto pressupõe um grau de confiança no
julgamento de necessidade dos prestadores de cuidados que é claramente injustificado,
dada a grande variação nas taxas de episiotomia e outras evidências que mostram
que nem todas as episiotomias consideradas necessárias eram realmente necessárias
em retrospetiva.23 Também ignora que a necessidade em si não pode ser determinada
independentemente dos valores da paciente.57
Finalmente, mesmo que todas as episiotomias propostas fossem necessárias e
congruentes com os valores da paciente, de tal forma que a paciente
concordaria de qualquer maneira, o consentimento ainda seria necessário. Isto
deve-se ao valor intrínseco do consentimento como comunicação de respeito pela
autonomia. Defendemos que isto é particularmente importante nos cuidados durante
o trabalho de parto e o nascimento, dada a combinação da sensibilidade social
das partes do corpo envolvidas e a sua violação social demasiado frequente,45
bem como o facto de muitas episiotomias prejudicarem a mãe em benefício da
saúde do bebé.
O consentimento é, por
conseguinte, necessário para as episiotomias. Dito isto, a necessidade de
consentimento não significa automaticamente que todas as mulheres devem dar um consentimento
explícito e totalmente informado durante o trabalho de parto. Os desafios e
oportunidades acima referidos, em especial os, por vezes diminuídos, desejos e
capacidades de comunicação, falam contra isso. Além disso, os prestadores de
cuidados de saúde podem não estar conscientes de que existem outras formas de
dar o consentimento para além do consentimento explícito, plenamente informado,
verbal ou escrito. Por isso, fazemos a seguinte proposta construtiva, que tem
três aspetos importantes. Em primeiro lugar, recomendamos o uso adequado das
oportunidades oferecidas pelo período pré-natal para trocar informações, criar
confiança e explorar valores e preferências. Em segundo lugar, recomendamos a
utilização de diferentes formas de dar consentimento, para além do ideal
regulador do consentimento explícito e plenamente informado. Em terceiro
lugar, recomendamos que a informação, a comunicação e o consentimento sejam
adaptados ao indivíduo.
A indicação para uma
episiotomia pode ser relativamente crítica em termos de tempo mas o parto, como
já foi referido, não é muitas vezes o momento ideal para uma troca de
informações elaborada. Por isso, recomendamos que este processo seja iniciado
no período pré-natal. A troca de informações antecipada significa que é
necessário trocar menos informações durante o parto. Os prestadores de cuidados
podem objetar que não querem sobrecarregar as mulheres com informações
antecipadas ou induzir ansiedade desnecessária. No entanto, as mulheres desejam
frequentemente ter mais informações sobre o procedimento com antecedência.13 Além disso, os níveis de
ansiedade para episiotomias são mais baixos depois de receberem informações
sobre episiotomias, em comparação com antes.58 Atualmente, a prestação de
informações sobre episiotomias durante os cuidados pré-natais é muitas vezes
considerada inadequada pelas mulheres, embora nem todas as mulheres se
importem.13,58 Por isso, esta é uma clara oportunidade para
melhorar.
O período pré-natal também deve
ser utilizado para explorar eficazmente os valores e preferências das mulheres
relativamente às episiotomias, de modo que os prestadores de cuidados possam
ajustar melhor as suas recomendações e juízos individuais. Idealmente, a
decisão sobre quando é necessária uma episiotomia é feita principalmente à luz
dos valores da paciente e não dos valores dos prestadores de cuidados e/ou do
sistema em que trabalham, embora muitas mulheres concordem com a decisão do
prestador de cuidados. A exploração necessária dos valores da paciente não deve
certamente ser deixada para o meio do trabalho de parto, tendo em conta as
dificuldades de comunicação nessa altura.
As mulheres também podem ter
opiniões sobre que tipo e quanta informação desejam receber antes e durante o
trabalho de parto, bem como se querem ser ‘interrompidas’ durante o trabalho de
parto e em que medida.18 Também neste caso, recomendamos que o período
pré-natal seja utilizado de forma eficaz para avaliar se as mulheres têm
preferências nesta matéria. Pode ser bom registar estas preferências num plano
de parto. Isto permite que o prestador de cuidados adapte a informação
fornecida e os procedimentos de consentimento às preferências individuais das
mulheres, através da utilização efetiva de diferentes formas de dar o
consentimento.
Por exemplo, algumas mulheres
podem indicar que pretendem uma conversa e informação (elaboradas) durante o
trabalho de parto e que querem sempre dar o seu consentimento explícito antes
de um procedimento. Se assim for, isso deve acontecer. Algumas dessas mulheres
podem sobrestimar ou mudar de ideias quanto à sua capacidade e vontade de participar
numa comunicação alargada durante o trabalho de parto. De seguida,
discutiremos o que deve acontecer nesses casos.
Também é possível que o tempo
seja limitado numa situação de emergência ou que as mulheres desejem uma
interrupção muito limitada durante o trabalho de parto, mas queiram ser
alertadas de que um procedimento está prestes a ser realizado. Neste caso, o consentimento
simples e explícito funciona bem: o prestador de cuidados esclarece que
recomenda uma episiotomia; pergunta se pode prosseguir; e espera por uma
resposta. No período pré-natal, devem ter sido trocadas informações de base
pertinentes.
Algumas mulheres podem querer
dar o seu consentimento antecipadamente: consideram que não querem ser
perturbadas durante o trabalho de parto por qualquer tipo de interação e podem
nem sequer querer saber que um determinado procedimento está prestes a acontecer.
Nesse caso, exercem o seu direito de não saber e tomam a decisão autónoma de
deixar todas as decisões para o prestador de cuidados. Tal como foi
argumentado, isso não é contra o espírito do consentimento ou da falta de
autonomia. Mas é importante que, nesses casos, os prestadores de cuidados de
saúde prestem às mulheres toda a informação pré-natal que elas estejam
dispostas a ouvir e façam o seu melhor para descobrir e atuar à luz da vontade
da paciente. Vale a pena ter em conta que esta forma de consentimento depende
fortemente da confiança no prestador de cuidados e no sistema. Isto pode ser um
problema se não houver continuidade dos cuidados e se o prestador de cuidados
de confiança não estiver presente no parto. As mulheres podem e têm o direito de
mudar de ideias e de recuperar o poder de decisão em qualquer altura durante a
gravidez ou o parto e estas preferências podem mudar, especialmente em caso de
transferência entre prestadores de cuidados. Salientamos que o consentimento
prévio é possível, mas não deve ser o objetivo da conversa pré-natal, uma vez
que é preferível o consentimento explícito durante o parto. O consentimento
prévio só deve ser utilizado a pedido explícito da mulher.
O consentimento presumido só é
adequado para episiotomias quando se verificam os requisitos necessários, como,
por exemplo, nas raras ocasiões em que a mulher não está consciente, em que
nenhum representante (como o parceiro) pode dar o seu consentimento em seu
nome, em que se trata de uma emergência e em que se acredita genuinamente que a
mulher teria consentido na intervenção.
Consideramos que o
consentimento implícito não é adequado para episiotomias. O consentimento
implícito exige que as mulheres comuniquem claramente através das suas ações –
como arregaçar uma manga para uma colheita de sangue – que estão a consentir um
procedimento pretendido. Isto exige que sejam informadas sobre o que está a
acontecer e que tenham opções claras para comunicar de forma não verbal tanto
quando consentem como quando recusam o procedimento – por exemplo, não
arregaçando a manga, o que bloqueia o procedimento. Consideramos que as
circunstâncias práticas do trabalho de parto não deixam margem suficiente para
que as mulheres comuniquem claramente o seu consentimento através das suas ações:
estão frequentemente em posição supina, com as partes do corpo socialmente
sensíveis expostas, não para mostrar que consentem uma episiotomia, mas porque
estão em trabalho de parto. Isto coloca o prestador de cuidados em risco
significativo de assumir erradamente que a mulher está a dar o seu
consentimento quando, na realidade, não está. Por conseguinte, o consentimento
implícito não é adequado para as episiotomias.
O mesmo se aplica ao
consentimento por autoexclusão: este raramente é apropriado porque o trabalho
de parto ativo não é uma circunstância que facilite a ‘abertura’ necessária
para que as mulheres optem por não realizar uma episiotomia. No entanto, o que está
em jogo no trabalho de parto é elevado: uma episiotomia pode salvar a vida de
um bebé durante o trabalho de parto e não é descabido presumir que as mulheres
se preocupam muito com isso.45 Além disso, o processo de trabalho de parto pode
deixar algumas mulheres pouco ou nada receptivas. Por conseguinte, existe um
lugar limitado e circunscrito para o consentimento por autoexclusão. Só se o
consentimento tiver sido explicitamente solicitado, mas a mulher não tiver
respondido, e se o prestador de cuidados tiver uma convicção muito clara de que
a episiotomia é necessária e congruente com os desejos prováveis da mulher, é
que se pode passar ao consentimento por autoexclusão. É claro que as condições
para um consentimento válido por autoexclusão têm de ser cumpridas: tem de ser
comunicado claramente o que vai acontecer, que a mulher pode autoexcluir-se e
como pode autoexcluir-se. A mulher deve também dispor de tempo suficiente para
se autoexcluir. Por exemplo, ‘Acho que é mesmo necessária uma episiotomia, mas
não estou a receber uma resposta clara da sua parte. Portanto, a menos que me
diga que se opõe, farei a episiotomia na próxima contração. Se NÃO quiser que
eu faça uma episiotomia, por favor diga não, ou dê outro sinal qualquer’.
Conclusão
As episiotomias não consentidas
são preocupantemente comuns, tal como foi relatado por 43% das mulheres que foram
submetidas a uma episiotomia nos Países Baixos.8 É difícil imaginar que tais
frequências ocorreriam se os prestadores de cuidados estivessem cientes da
necessidade do consentimento. Os ativistas do parto criticam os procedimentos
não consentidos, mas não dão conselhos construtivos sobre como os prestadores
de cuidados podem obter o consentimento nas circunstâncias únicas do trabalho
de parto. Fizemos uma proposta para melhorar o consentimento para episiotomias
que reconhece os desafios colocados pelo contexto das mulheres em trabalho de
parto.
Em primeiro lugar, defendemos
que, apesar dos seus desafios, o consentimento informado é necessário para as
episiotomias (e muitos outros procedimentos intraparto). Na nossa argumentação,
damos especial ênfase ao valor intrínseco do consentimento como demonstração de
respeito pela autonomia, o que exige que se peça o consentimento mesmo que o
prestador de cuidados tenha a certeza de que a episiotomia é congruente com os
valores da mulher e esteja convencido de que a mulher consentiria. Isto é
particularmente importante durante o trabalho de parto e o nascimento, dada a
combinação da sensibilidade social das partes do corpo em causa e a sua
violação social demasiado frequente, bem como o facto de muitas episiotomias
prejudicarem a mãe em benefício da saúde do bebé. Estes mesmos aspetos também
significam que o papel da confiança no parto merece uma atenção especial – e demonstrar
respeito pela autonomia é um aspeto importante da construção da confiança.
[i] Por exemplo, consentimento para exame vaginal, epidurais, monitorização fetal, aumento do trabalho de parto.