28 fevereiro 2022

A ética do consentimento durante o trabalho de parto e o nascimento: as episiotomias

Journal of Medical Ethics 2023;49:611–617

 A ética do consentimento durante o trabalho de parto e o nascimento: as episiotomias

Marit van der Pijl, Corine Verhoeven, Martine Hollander, Ank de Jonge, Elselijn Kingma

Tradução espontânea do artigo

The ethics of consent during labour and birth: episiotomies

Resumo - As episiotomias não consentidas e outros procedimentos durante o trabalho de parto são frequente­mente relatados por mulheres em vários países e muitas vezes destacados no ativismo sobre o parto. No entanto, à parte as cesarianas forçadas, a ética do consentimento durante o trabalho de parto tem recebido pouca atenção. Centrando-se nas episiotomias, este artigo aborda se e como deve ser obtido o consentimento durante o trabalho de parto. Fazemos uma breve revisão dos fundamentos do consenti­mento informado, distinguindo a sua relevância intrínseca e instrumental para o respeito pela autono­mia. Destacamos também duas formas não explícitas de dar o consentimento: o consentimento implí­cito e o consentimento por autoexclusão (opt-out). De seguida, discutimos os desafios e as oportunida­des para a obtenção do consentimento no trabalho de parto e nascimento, dada a sua posição única no âmbito da Medicina.

Defendemos que o consentimento para a realização de procedimentos durante o trabalho de parto é sempre necessário, mas este consentimento nem sempre tem de ser totalmente informado ou explícito. Recomendamos uma abordagem individualizada em que o período pré-natal é utilizado para trocar in­formações e explorar valores e preferências relativamente a procedimentos relevantes. O consenti­mento explícito deve ser sempre obtido no momento da intervenção, exceto se as mulheres insistirem no período pré-natal no sentido contrário. Advertimos contra o consentimento implícito. No entanto, se a mulher não der uma resposta conclusiva durante o trabalho de parto e se os riscos forem elevados, os prestadores de cuidados de saúde podem passar a um consentimento por autoexclusão claramente comunicado. A nossa discussão centra-se nas episiotomias, mas também constitui um ponto de partida útil para abordar a ética do consentimento para outros procedimentos durante o trabalho de parto, bem como para procedimentos clínicos de caráter urgente em geral.

Introdução

Um tema consistente entre os ativistas dos direitos do parto1,2 e na investigação sobre experiên­cias negativas e traumáticas do parto é a invasão dos corpos das mulheres em trabalho de parto sem o seu consentimento.3-5 O extremo deste espectro é a cesariana forçada: um fenómeno bem conhe­cido, mas raro, cuja (il)legitimidade desencadeou décadas de discussão bioética.6 No entanto, muitos outros procedimentos são também administrados sem consentimento durante o trabalho de parto, e com muito mais frequência.

Sabe-se que os procedimentos não consentidos durante o trabalho de parto e o nascimento são uma questão mundial, registada em vários países do globo.7 Por exemplo, num estudo holandês recente, 7% das mulheres referiram exames vaginais não consentidos, 36%-38% monitorização fetal não consentida e 42% episiotomias não consentidas.8 Noutros países, foram encontrados números igualmente elevados de procedimentos não consentidos. Por exemplo, na Austrália, 34% das mulheres referiram episiotomias não consentidas. Em Itália, este número foi de 39%.9,10 Os procedimentos não consentidos aparecem de forma proeminente entre os casos referidos como “desrespeito e abuso” durante o trabalho de parto e o parto, ou “violência obstétrica”.11 As mulheres, tanto nos Países Baixos como no Reino Unido, referem que a informação fornecida e a falta de escolha relativamente a procedimentos como as episiotomias são mínimas, o que pode ser vivido como angustiante e desempenha um papel significativo nas experiências de parto ne­gativas e traumáticas relatadas pelas próprias.12,13 O peso dos procedimentos não consentidos não se distribui uniformemente entre os grupos,14,15 o que corresponde a provas generalizadas de disparidades raciais, socioeconómicas e outras nos cuidados de maternidade.3,16 No entanto, ape­sar das provas, não há praticamente qualquer discussão na literatura sobre a ética do consenti­mento para procedimentos no trabalho de parto.

Pode considerar-se desnecessária esta discussão: é claro que todos os procedimentos no parto, tal como todos os procedimentos médicos, requerem consentimento. Mas a questão pode ser mais complicada. Os prestadores de cuidados expressam frequentemente a sua surpresa pelo facto de o consentimento ser necessário.17 Citam, entre outros fatores, a relação de confiança como fundamento da permissibilidade destes procedimentos e a menor capacidade ou desejo das mulheres em trabalho de parto de se envolverem numa comunicação elaborada.17 De facto, exis­tem algumas provas de que nem todas as mulheres querem dar o seu consentimento para todos os procedimentos.13,18 Assim, nem a necessidade de consentimento informado durante o trabalho de parto e o parto nem a sua implementação processual (se necessária) são tão simples como se poderia esperar. Isto pode explicar por que razão o desrespeito e o abuso nos cuidados de ma­ternidade são fenómenos tão complexos e prevalentes.8 Também mostra que este é um tópico que necessita de investigação urgente.

Neste artigo, uma equipa multidisciplinar de investigadores (enfermagem obstétrica, obstetrícia, filosofia/ética) pretende abordar adequadamente questões pouco estudadas sobre se, quando, como e em que circunstâncias o consentimento deve ser obtido durante o trabalho de parto. Centramos a nossa discussão no uso da episiotomia: um procedimento intraparto que envolve uma incisão para alargar o orifício vaginal. Esta discussão tem uma relevância mais vasta. Em primeiro lugar, pode aplicar-se a outros procedimentos intraparto para além das episiotomias, em que o consentimento também falta frequentemente e que são pouco estudados.[i] Em segundo lugar, a nossa discussão é pertinente para procedimentos médicos fora do âmbito da obstetrí­cia/enfermagem obstétrica, que são diferentes dos dois âmbitos em que a literatura sobre o con­sentimento informado se centra principalmente: procedimentos de grande dimensão, muito in­vasivos e previsíveis, como a cirurgia abdominal, ou a participação em investigação clínica. Em­bora acreditemos que os argumentos apresentados neste documento são aplicáveis em qualquer parte, o foco principal deste documento é em ambientes com recursos elevados. A pergunta de investigação do presente documento é a seguinte: o consentimento para a realização de uma episiotomia durante o trabalho de parto é eticamente necessário e, em caso afirmativo, como deve ser implementado em termos processuais nos cuidados de maternidade?

Em primeiro lugar, explicamos o que é uma episiotomia, bem como a sua utilização e consequên­cias. De seguida, recapitulamos brevemente o requisito ético do consentimento informado, dis­tinguindo o seu papel intrínseco e instrumental no respeito pela autonomia. Também analisamos os meios de dar o consentimento para além do consentimento explícito e plenamente informado, centrando-nos particularmente no consentimento implícito, no consentimento por autoexclusão, no consentimento presumido e no direito de não saber. Na secção seguinte, documentamos os desafios e as oportunidades para a obtenção do consentimento colocados pela natureza particular do trabalho de parto e do nascimento, seguidos dos desafios e oportunidades colocados pela natureza específica do nosso procedimento em foco, a episiotomia. Na última secção, argumen­tamos que os desafios descritos não podem minar a necessidade moral de obter o consentimento, mas complicam a sua implementação procedimental. Recomendamos uma abordagem indivi­dualizada em que o período pré-natal é utilizado para trocar informações e explorar valores e preferências relativamente aos procedimentos relevantes. Algumas mulheres podem querer con­sentir os procedimentos com antecedência; outras podem querer decidir apenas durante o traba­lho de parto e o nascimento; algumas podem querer fazê-lo com base em mais informações do que outras. No entanto, o consentimento explícito deve ser sempre solicitado no momento da intervenção, exceto se as mulheres insistirem no sentido contrário durante o período pré-natal. Alertamos para a necessidade de evitar o consentimento implícito, devido à natureza do trabalho de parto e do nascimento. No entanto, se a mulher não der uma resposta conclusiva e o que estiver em causa for de grande importância, o prestador de cuidados pode passar a um consenti­mento por autoexclusão claramente comunicado.

O que é uma episiotomia?

A episiotomia é uma incisão cirúrgica no pavimento pélvico para alargar o orifício vaginal, feita quando a cabeça do bebé emerge durante a segunda fase do trabalho de parto (“expulsão”). Pode ser realizada para promover a saúde da mãe ou do bebé, ou de ambos. Na maioria das vezes, é realizada para facilitar o nascimento (mais rápido) do bebé em caso de suspeita de sofrimento fetal. A episiotomia também é normalmente utilizada para evitar traumatismos perineais graves, por exemplo, durante um parto vaginal assistido, a fim de proteger a mãe contra lacerações (maiores) através do reto. Outras indicações podem ser antecedentes de lacerações perineais im­portantes, peso fetal estimado elevado, parto pélvico, segunda fase prolongada do trabalho de parto e distocia de ombros.19 A incisão é geralmente efetuada com uma tesoura sob anestesia local e requer reparação por sutura. Existem vários tipos de episiotomias, sendo os dois mais comuns: “mediana/linha média” (uma incisão vertical) e “médio-lateral” (uma incisão angu­lar/diagonal).20 O presente artigo centra-se em qualquer tipo de episiotomia, independentemente do tipo ou do facto de o corte ser grande ou pequeno; todos envolvem uma incisão cirúrgica. O procedimento está associado a um aumento da perda de sangue, inchaço, infeção, dor (no período pós-parto imediato e, por vezes, mais longo) e disfunção sexual.21 É difícil obter números exatos sobre as consequências. A disfunção sexual, por exemplo, ocorre frequentemente em mulheres que deram à luz recentemente, mas a sua relação direta com uma episiotomia é difícil de estimar.

Historicamente, os benefícios percebidos de uma episiotomia levaram à sua utilização de rotina, mas esta tornou-se controversa.20 Com base na literatura existente, a OMS incluiu a seguinte declaração nas suas diretrizes intraparto mais recentes (2018): “O uso rotineiro ou liberal da epi­siotomia não é recomendado para mulheres submetidas a parto vaginal espontâneo”.22 Mesmo assim, continua a ser um procedimento generalizado com grandes variações internacionais na incidência: nos primeiros nascimentos, 6% na Suécia, 7% na Dinamarca, 24% na Islândia, 35% na Noruega, 38% no estado de Hesse, Alemanha, 41% em Malta, 46% nos Países Baixos, 46% na Finlândia, 47% na Irlanda e 68% na Bélgica.23 A ambiguidade das indicações relevantes e o uso variável de intervenções alternativas, como a aplicação de compressas quentes ou a sugestão de outras posições de parto22, podem ser fatores significativos para explicar a grande variação na incidência do procedimento.24

Consentimento Informado

O requisito ético do consentimento informado incorpora o respeito pela autonomia do doente e pela sua integridade física.25 O consentimento é moralmente transformador: muda a natureza de um ato, por exemplo, de uma agressão para um toque ou tratamento permitido. O consentimento deve ser (1) voluntário (ou seja, livre de coação ou pressão) e (2) adequadamente informado. O carácter voluntário exige que os doentes tenham e saibam que têm opções alternativas, incluindo a opção de recusar, e que não haja pressão para consentir. O requisito de informação é discutido em pormenor mais adiante, mas, idealmente, exige o envolvimento do doente durante todo o processo de tomada de decisão através da troca de informações entre o prestador de cuidados e o doente. Este processo deve culminar no consentimento informado voluntário do doente, na sua recusa ou na escolha de uma opção alternativa.26

O pedido de consentimento respeita a autonomia e a integridade corporal do doente, tanto a nível instrumental como intrínseco.27 A nível instrumental, porque a comunicação necessária para o consentimento implica a revelação ao doente dos riscos, benefícios e alternativas das opções de tratamento. A discussão destes aspetos pode revelar as preferências do doente anteriormente desconhecidas pelo prestador de cuidados. Isto assegura que o plano de tratamento está alinhado com os valores do doente. Intrinsecamente, o facto de se pedir autorização antes de se invadir o corpo de outra pessoa dá o reconhecimento explícito de que esse corpo é da outra pessoa para o gerir e controlar. Isto significa que, mesmo que o prestador de cuidados e o doente tenham dis­cutido todos os benefícios, riscos e valores e que seja claro que o doente consentirá, continua a ser importante pedir o consentimento no momento da intervenção.

O consentimento informado não é apenas um requisito ético, mas em muitos países é também um requisito legal. Em teoria, este último concretiza o primeiro. Na prática, pode existir uma tensão entre os dois. O facto de se ‘fazer o visto’ ou de se assinar um formulário pode parecer, do ponto de vista jurídico, uma garantia de consentimento, mas muitas vezes fica aquém do consentimento ético.28,29 Em vez de envolver efetivamente o indivíduo e respeitar a sua autono­mia, que é o principal princípio que sustenta o consentimento informado, pode, pelo contrário, enfraquecê-lo.29 Isto pode levar a que os prestadores de cuidados considerem o consentimento informado como um incómodo legal sem verdadeiro significado. Pode também diminuir (todas as formas d’)a confiança, devido à desconfiança que os documentos legais suscitam entre os doentes.28 Uma vez que a ética deve estar na base da legalidade, neste documento centramo-nos no conceito de consentimento ético.

Como é que um doente pode dar o seu consentimento? A maior parte da literatura sobre o con­sentimento centra-se no ideal do consentimento explícito e informado: o consentimento só é pedido ao doente depois de este estar envolvido no processo de tomada de decisão e de ter recebido e compreendido toda a informação relevante sobre os riscos e benefícios do procedi­mento proposto, bem como sobre as alternativas ao mesmo. O consentimento, se dado, é expli­citamente comunicado: por escrito, verbalmente ou ambos. O contexto relevante é frequente­mente o dos grandes procedimentos terapêuticos previsíveis, como a cirurgia, ou a participação em investigação clínica.30

Mas, na prática, os procedimentos de consentimento ficam quase sempre aquém deste ideal. É amplamente reconhecido que as dificuldades práticas tornam impossível a concretização de um consentimento plenamente informado. Por exemplo, fornecer muita informação nem sempre é melhor, pois pode deixar os doentes sobrecarregados e perdidos. Os doentes também parecem esquecer-se frequentemente ou compreender mal algumas ou todas as informações dadas.31 Por conseguinte, o requisito de informação tem de ser adaptado à capacidade cognitiva e às preferên­cias de cada doente: tem de ser relevante e compreensível.32 Na prática, isto significa que os prestadores de cuidados de saúde têm de percorrer uma linha ténue e individualizada entre dar demasiada ou pouca informação; entre ajudar o doente a decidir e interferir demasiado; e, além disso, julgar o que é ou não relevante tendo em conta a situação, as preferências e os valores desse doente em particular.

Isto significa que os doentes consentem habitualmente em procedimentos com base em pouca ou nenhuma informação. Por isso, alguns autores distinguem separadamente o ‘consentimento simples’: quando os doentes dão o seu consentimento a procedimentos não minimamente ou minimamente invasivos – como uma colheita de sangue ou um exame físico efetuado por um médico de clínica geral – sem (quase) nenhuma informação. Este consentimento pode ainda ser genuíno, porque o procedimento é minimamente arriscado e o conhecimento prévio partilhado constitui grande parte da informação relevante.33 No entanto, não distinguimos formalmente o consentimento simples do consentimento informado, porque consideramos que o primeiro é o extremo do espetro do consentimento – com o ideal regulador do consentimento totalmente informado no outro extremo.

Embora o facto de dar informação seja a norma para obter o consentimento, os doentes podem invocar o direito de não saber. Quando um doente deseja receber pouca ou nenhuma informação sobre um determinado procedimento, esse desejo deve ser respeitado, mas apenas na condição de que ‘não saber’ não seja suscetível de causar danos graves ao próprio ou a terceiros. O direito de não saber só pode ser ativado pelo doente e nunca pode ser presumido.34 O direito de não saber não prejudica o ideal ético do consentimento informado ou da autonomia do doente: quando o doente deseja não saber e consente ou recusa um procedimento, o doente toma uma decisão autónoma voluntária, não com base na informação, mas noutra base, como a confiança total no julgamento benéfico do seu prestador de cuidados.

Em comparação com o requisito de informação, a questão de como o consentimento pode e deve ser comunicado diretamente tem sido pouco discutida na literatura. Distinguimos três for­mas de dar o consentimento, além do consentimento explícito (verbal ou escrito): (1) consenti­mento implícito, (2) consentimento por autoexclusão e (3) consentimento presumido.

O consentimento implícito não envolve um ‘sim’ ou ‘não’ comunicado verbalmente ou não ver­balmente, mas é claramente comunicado através das ações do doente, o que implica a concor­dância com o procedimento.35 Exemplos incluem: arregaçar a manga para uma injeção ou colheita de sangue; começar a preencher um inquérito opcional (o que implica o consentimento para ser inquirido); ou mudar-se voluntariamente para uma determinada posição que é necessária para a realização de um procedimento. Para que as ações constituam um consentimento implícito, têm de estar reunidas várias condições: os doentes têm de saber (aproximadamente) o que vai acon­tecer e têm de estar suficientemente informados e conscientes dos seus direitos para saberem que têm (outras) opções.

No consentimento por autoexclusão, não há qualquer ação ou comunicação ativa, verbal ou não-verbal, que declare ou implique o consentimento; em vez disso, o consentimento é a escolha por defeito e o não consentimento exige uma ação verbal ou não-verbal.36 Por exemplo, nos Países Baixos, os dados perinatais de todas as mulheres grávidas são automaticamente (e anonimamente) armazenados numa base de dados nacional para efeitos de monitorização e investigação. Todas as mulheres grávidas são informadas deste facto no período pré-natal e são informadas de que o seu prestador de cuidados de saúde as anulará se se opuserem. Mais uma vez, existem requisitos rigorosos para que a não autoexclusão constitua um consentimento: os doentes têm de ser infor­mados de que estão a consentir ao não se autoexcluírem; o que estão a consentir ao não se auto­excluírem; e o que têm de fazer para se autoexcluírem. Para além disso, a oportunidade de não participar tem de ser realista e viável (fácil de usar e encontrar).

Assim, tanto o consentimento implícito como o de autoexclusão cumprem os dois requisitos do consentimento: existe um pré-requisito de informação (os doentes devem saber o que estão a consentir e o que constitui o consentimento) e uma condição de escolha voluntária (os doentes devem ter alternativas viáveis ao consentimento, saber que têm essas alternativas e não se senti­rem pressionados a consentir). Salientamos também que todas as formas de consentimento têm um âmbito: arregaçar a manga para receber fluidos intravenosos não implica o consentimento para qualquer outra coisa que seja administrada, e o consentimento para um exame vaginal não significa o consentimento para ações internas adicionais, como a amniocentese. Por último, é importante não confundir consentimento com conformidade, nomeadamente nas suas versões implícita e de autoexclusão. A conformidade significa que um doente se submete passivamente a um procedimento, por exemplo, porque acredita que tem de fazer o que o prestador de cuidados diz; não lhe foi dada informação ou sente-se pressionado; ou porque as alternativas ao consenti­mento são dificultadas. É crucial – especialmente no contexto deste documento – reconhecer a diferença entre consentimento e conformidade.37

Podem ocorrer situações em que os doentes não podem dar o seu consentimento, por exemplo, por estarem inconscientes. Neste caso, o tratamento pode ainda ser permitido se o prestador de cuidados puder legitimamente presumir o consentimento. Mas há requisitos essenciais para que esta exceção ao consentimento informado seja válida: tem de haver uma emergência médica; o procedimento é necessário para evitar danos significativos ao doente; e tem de ser impossível ou impraticável (ou seja, porque implica um atraso inaceitável do ponto de vista médico) obter o consentimento do indivíduo ou de um terceiro que esteja autorizado a consentir em seu nome. Finalmente, não deve haver qualquer razão para suspeitar que a pessoa se teria recusado a dar o seu consentimento.38 Por exemplo, o consentimento pode ser razoavelmente presumido quando uma pessoa é trazida inconsciente para as urgências e os prestadores de cuidados têm de efetuar uma transfusão de sangue que pode salvar a sua vida, mas não se o doente for uma testemunha de Jeová conhecida.

Terminamos a nossa discussão sobre o consentimento salientando o importante papel da con­fiança nos procedimentos éticos de consentimento. A confiança, muito mais do que uma abor­dagem legalista, é relevante e essencial para a capacidade de dar um consentimento informado.39 Num extremo, os doentes podem assumir um pequeno papel no processo de tomada de decisão e consentir porque confiam que o prestador de cuidados ‘fará o que está correto’. Noutro ex­tremo, os doentes podem querer assumir o controlo total do processo de tomada de decisão – mas mesmo assim tendem a confiar, ao consentir, em que não estão a ser manipulados, que o prestador de cuidados dá informações e conselhos honestos, que o prestador de cuidados agirá de acordo com a sua decisão, etc.29 Por sua vez, demonstrar respeito pelo consentimento e pela autonomia demonstra idoneidade e, por conseguinte, gera confiança.

O’Brien et al identificaram três importantes formas inter-relacionadas de confiança durante o trabalho de parto e o nascimento: confiança em si próprio, confiança na relação e confiança no sistema.40 A confiança em si próprio influencia a forma como as mulheres fazem as suas escolhas. As mulheres com uma elevada confiança em si próprias são frequentemente mais seguras e fazem escolhas mais autónomas. Fatores como a idade, a qualidade da relação com o prestador de cui­dados, a confiança na própria intuição e as experiências anteriores de parto influenciam o nível de confiança em si próprio das parturientes, mas também são fortemente influenciados pela se­gunda forma de confiança: a confiança na relação. A confiança na relação abrange a interação entre dois indivíduos; neste caso, a paciente e o prestador de cuidados. A falta de confiança pre­judica a comunicação e o consentimento devido ao medo e à desconfiança; demasiada confiança pode levar a situações em que não se trocam informações importantes para dar o consenti­mento.41 Por exemplo, a paciente pode consentir num procedimento sem conhecer as suas (pos­síveis) consequências, confiando que o prestador de cuidados tenha partilhado essa informação, se for relevante. No entanto, em retrospetiva, o doente pode ter desejado tomar uma decisão diferente se tivesse conhecimento das possíveis consequências. Para criar confiança na relação, é necessário tempo e atenção pessoal. Esta última está intimamente relacionada com a terceira forma de confiança: a confiança no sistema. As mulheres podem desenvolver desconfiança no ambiente de prestação de cuidados devido a várias razões. Os prestadores de cuidados podem enfrentar obstáculos sistémicos, como a falta de recursos e de tempo, para construir e manter relações de confiança com as suas pacientes. Um sistema de cuidados que desvalorize as relações devido a protocolos e diretrizes pode pôr em causa o clima de confiança que, por sua vez, pode corroer a capacidade do sistema para cumprir o requisito ético do consentimento informado.40,42

Temos de estar conscientes de que quanto mais nos afastamos do ideal do consentimento explí­cito e plenamente informado, mais importante parece ser o papel da confiança. O consentimento baseia-se então no pressuposto de que o prestador de cuidados sabe o que é mais importante para o doente e que a comunicação não explícita entre os dois é bem sucedida. Isto é mais fácil de concretizar quando o prestador de cuidados conhece bem o doente, o que sugere que o requi­sito ético do consentimento é um argumento independente a favor da continuidade dos cuida­dos.43 De facto, quando um doente não tem confiança no sistema, pode ainda ser possível cons­truir uma relação de confiança com um determinado prestador de cuidados no período pré-natal, o que pode ser essencial para a concretização de cuidados adequados. No entanto, também acar­reta complicações, porque é difícil garantir que esse prestador de cuidados também estará pre­sente durante o parto.

A natureza do trabalho de parto e do nascimento

O contexto do trabalho de parto e do nascimento é, em vários aspetos, diferente do contexto habitual dos cuidados de saúde. Este facto não só impõe desafios, como também apresenta opor­tunidades, para a obtenção do consentimento informado.

Em primeiro lugar, e de forma única, durante o trabalho de parto e o nascimento, estão em causa a saúde e os interesses de dois (futuros) indivíduos: a mãe e o filho. Mas há apenas uma pessoa que é o sujeito direto dos procedimentos propostos e que pode consentir ou recusar. Mesmo que um procedimento se centre apenas no futuro bebé, a mãe mantém a autoridade final para con­sentir, recusar ou procurar uma alternativa, porque é no seu corpo que se interfere.6 [ii]

Em segundo lugar, os cuidados de maternidade são uma das poucas áreas da medicina em que os tratamentos que envolvem (risco de) danos são regularmente efetuados num indivíduo (a mãe) com o único objetivo de beneficiar a saúde de outro (a futura criança). Noutras áreas da medicina em que os indivíduos são tratados e/ou prejudicados para benefício de outros, ou seja, na doação de órgãos ou no contexto da investigação, existem requisitos rigorosos de consentimento.44 Os cuidados de maternidade não devem ser diferentes.45

Em terceiro lugar, nos cuidados de maternidade, o trabalho dos prestadores de cuidados envolve as partes do corpo mais íntimas e socialmente sensíveis das suas pacientes. Os exames a estas partes do corpo podem ser vividos como particularmente complicados e invasivos; talvez muito mais do que se apercebe o prestador de cuidados, para quem estes exames são rotina. Além disso, o significado social destas partes do corpo deixa uma margem de erro muito pequena, porque a invasão destas partes do corpo sem consentimento é, infelizmente, um fenómeno social relativa­mente generalizado e bem conhecido, com um significado específico degradante, humilhante e desumanizante. O contexto médico não pode escapar totalmente a esta conotação.45 Isto também significa que é necessário um cuidado extra para garantir que só se toca e invade estas partes do corpo com consentimento.

Em quarto lugar, a natureza do trabalho de parto significa que o tempo e a capacidade de discus­são e disponibilização de informação podem ser limitados; tanto porque algumas decisões são urgentes, como porque a mulher pode estar preocupada, cansada e/ou com dores. Alguns estu­dos mostram que as mulheres não são capazes de recordar informações e procedimentos de consentimento após o parto devido à intensidade do trabalho de parto.46 Este facto é frequente­mente utilizado para sugerir ou argumentar que as mulheres não têm capacidade de tomada de decisão durante o trabalho de parto.47 No entanto, tal sugestão é ilegítima, tanto de acordo com a literatura48,49 como com o sistema judicial46; as mulheres em trabalho de parto devem ser con­sideradas capazes de tomar decisões, mesmo quando estão com dores ou altamente medicadas. Tal como outros doentes que se encontram frequentemente sobrecarregados, cansados e com dores são normalmente considerados capazes. Só em situações raras, por exemplo, em caso de défice cognitivo grave ou de estado de inconsciência, é que os doentes, e as parturientes, podem ser considerados incapazes de tomar uma decisão. No entanto, é legítimo pensar que a natureza do trabalho de parto apresenta, por vezes, desafios para a prestação de informações e outras comunicações relevantes para o consentimento. Por vezes, e não sempre, porque há uma grande variação entre as mulheres e os seus trabalhos de parto; nem tudo é crítico em termos de tempo e nem todas as mulheres estão exaustas ou ‘no auge do trabalho de parto’; algumas estão bem descansadas; outras estão entre contrações; há uma grande variação na forma como as mulheres gerem, enfrentam e sentem a dor.

Em quinto lugar, durante o trabalho de parto e o nascimento, a parturiente não interage primor­dialmente com o sistema de saúde por estar a ser submetida passivamente a um procedimento – como uma cirurgia – mas porque está ativamente a fazer algo: está a dar à luz. Este facto pode comprometer a disponibilidade das mulheres para comunicar. Algumas mulheres acreditam que a interferência e os pedidos de comunicação são, eles próprios, intervenções que afetam negati­vamente o processo de trabalho de parto. Por isso, algumas indicam não querer saber ou ser incomodadas durante o trabalho de parto e o nascimento, nem mesmo para obterem o consen­timento informado.18 De facto, se a comunicação induzir medo ou ansiedade nas mulheres, isso é diretamente contraproducente para o fluxo hormonal do trabalho de parto.50 Esta pode ser uma das razões pelas quais os prestadores de cuidados de saúde têm relutância em preocupar as mulheres com discussões e informações (extensas). Especialmente se acreditarem que a mulher, se lhe for perguntado, consentiria na mesma. No entanto, a perturbação, o medo e a ansiedade podem ser induzidos não só por palavras, mas também por outras interferências, como um toque ou uma intervenção inesperados. A investigação sobre experiências de parto negativas e traumá­ticas também indica que as mulheres podem sofrer em resultado de não terem sido envolvidas na tomada de decisões.12 Encontrar o equilíbrio certo entre não perturbar desnecessariamente nem deixar de respeitar a autonomia e a integridade corporal é, portanto, um desafio prático fundamental, talvez único no trabalho de parto e nascimento.

Em sexto e último lugar, o trabalho de parto é também relativamente único no contexto dos cuidados de saúde porque, embora os seus exatos momentos e decursos sejam imprevisíveis, o facto de que irá ocorrer é quase sempre conhecido com muitos meses de antecedência. Além disso, as mulheres têm muitas consultas de cuidados planeadas durante este período: a OMS recomenda pelo menos oito contactos pré-natais; em locais com recursos elevados, as mulheres têm frequentemente entre 11 e 14.51 Isto deixa bastante tempo e oportunidade para a preparação, discussão e troca de informações antes do momento potencialmente crítico e desafiante do parto.

A natureza do procedimento

Além dos desafios e oportunidades relacionados com a natureza do trabalho de parto e do nas­cimento, que são pertinentes para todas as tomadas de decisão durante o trabalho de parto, tam­bém identificamos desafios e oportunidades específicos para (procedimentos como) a episioto­mia.

A falta de consenso sobre as indicações para a realização de episiotomias significa que existem diferenças significativas entre os prestadores de cuidados de saúde no que respeita ao momento e à razão pela qual consideram que uma episiotomia está indicada. Este facto tem resultado em grandes variações (inter)nacionais na incidência da episiotomia.23,52 Quando um bebé parece estar em sofrimento, o monitor do ritmo cardíaco fetal dá informações sobre o estado de saúde do bebé, mas sabe-se que é impreciso.53 Uma episiotomia pode acelerar a expulsão do bebé, mas muitas vezes não se sabe ao certo em que medida e se isso fará uma diferença clínica nos resul­tados a longo prazo. Também existem ações alternativas preventivas e agudas para algumas indi­cações, como a mudança da posição de parto.22 Isto deixa uma margem considerável para que as perspetivas e valores dos próprios prestadores de cuidados, influenciados por fatores contextuais e experiências anteriores, afetem o seu critério. Os prestadores de cuidados podem não estar conscientes dos fatores que influenciam as suas próprias perspetivas e ações, o que torna difícil abordar estes padrões subconscientes.54

Estas questões colocam dois desafios. Em primeiro lugar, embora os prestadores de cuidados possam tentar facultar informações objetivas, há aspetos inevitáveis de subjetividade e de jul­gamento nas informações e recomendações que prestam. Isto significa que, na mesma situação, outro prestador de cuidados poderia ter feito uma avaliação diferente. Em segundo lugar, quando há subjetividade na ponderação dos riscos e dos resultados, o respeito pela autonomia exige que as avaliações e decisões sejam feitas à luz dos valores da doente e não à luz dos valores do pres­tador de cuidados. As mulheres têm opiniões sobre as episiotomias: um estudo que investigou os planos de parto mostrou que a ‘não realização de episiotomia’ é frequentemente mencionada pelas mulheres nos seus planos de parto.55 Na realidade, é improvável que todas estas mulheres nunca desejem uma episiotomia em qualquer circunstância; em vez disso, pode muitas vezes indicar um desejo de uma utilização mais relutante da episiotomia. É questionável até que ponto os prestadores de cuidados de saúde são, na prática, capazes de adaptar as suas recomendações a cada paciente. Para melhorar esta situação, é necessário falar com as mulheres sobre as suas pre­ferências.

Uma proposta construtiva

Passámos em revista (1) os fundamentos do consentimento informado, incluindo os limites prá­ticos do requisito de informação, as diferentes formas de dar o consentimento além da comuni­cação explícita e a sua relação com a confiança; (2) os desafios e as oportunidades para obter o consentimento devido à natureza relativamente única do trabalho de parto e do nascimento; (3) os desafios e as oportunidades decorrentes da natureza específica do procedimento em causa: as episiotomias.

A nossa primeira pergunta foi se o consentimento é necessário para as episiotomias. Pode parecer surpreendente para alguns que tal questão necessite de um empenhamento sério – mas necessita. É difícil imaginar que 43%8 das mulheres que foram submetidas a episiotomia num contexto de grandes recursos referissem não ter consentido explicitamente neste procedimento, se os presta­dores de cuidados estivessem genuinamente convencidos de que o consentimento para este pro­cedimento era (sempre) necessário. De facto, os prestadores de cuidados expressam ativamente dúvidas sobre a necessidade de obter o consentimento e enfrentam desafios na sua obtenção.17,56 No entanto, defendemos que, sim, o consentimento é necessário para todos os tipos de episio­tomias, em todas as circunstâncias, e que todas as mulheres, independentemente das suas carac­terísticas pessoais ou antecedentes culturais, têm direito a ele.

Porque é que os prestadores de cuidados duvidam da necessidade de consentimento? Em pri­meiro lugar, existe um aparente desacordo quanto ao caráter invasivo de uma episiotomia; alguns prestadores de cuidados acreditam que não é, e que, portanto, o consentimento pode ser presu­mido.[iii] Neste caso, discordamos simplesmente: a episiotomia invade os tecidos e deixa uma ferida que necessita de ser suturada. Por conseguinte, é invasiva. Além disso, a natureza sensível das partes do corpo envolvidas, como já foi referido, é tal que mesmo o toque requer consenti­mento. Finalmente, o arbítrio da invasividade para efeitos do requisito de consentimento deve certamente ser a pessoa que experimenta o procedimento e as suas consequências; não a pessoa que o executa.27 Não só uma proporção substancial de mulheres indica ter ficado perturbada por ter sido submetida a uma episiotomia não consentida,8 como também a menciona em narrativas sobre experiências traumáticas de parto.12

Em segundo lugar, alguns prestadores de cuidados acreditam que o consentimento não é neces­sário, porque acreditam que só realizam episiotomias quando realmente necessárias, ou porque sabem que a mulher concordaria de qualquer forma. Isto pressupõe um grau de confiança no julgamento de necessidade dos prestadores de cuidados que é claramente injustificado, dada a grande variação nas taxas de episiotomia e outras evidências que mostram que nem todas as episiotomias consideradas necessárias eram realmente necessárias em retrospetiva.23 Também ignora que a necessidade em si não pode ser determinada independentemente dos valores da paciente.57 Finalmente, mesmo que todas as episiotomias propostas fossem necessárias e congru­entes com os valores da paciente, de tal forma que a paciente concordaria de qualquer maneira, o consentimento ainda seria necessário. Isto deve-se ao valor intrínseco do consentimento como comunicação de respeito pela autonomia. Defendemos que isto é particularmente importante nos cuidados durante o trabalho de parto e o nascimento, dada a combinação da sensibilidade social das partes do corpo envolvidas e a sua violação social demasiado frequente,45 bem como o facto de muitas episiotomias prejudicarem a mãe em benefício da saúde do bebé.

O consentimento é, por conseguinte, necessário para as episiotomias. Dito isto, a necessidade de consentimento não significa automaticamente que todas as mulheres devem dar um consenti­mento explícito e totalmente informado durante o trabalho de parto. Os desafios e oportunidades acima referidos, em especial os, por vezes diminuídos, desejos e capacidades de comunicação, falam contra isso. Além disso, os prestadores de cuidados de saúde podem não estar conscientes de que existem outras formas de dar o consentimento para além do consentimento explícito, plenamente informado, verbal ou escrito. Por isso, fazemos a seguinte proposta construtiva, que tem três aspetos importantes. Em primeiro lugar, recomendamos o uso adequado das oportu­nidades oferecidas pelo período pré-natal para trocar informações, criar confiança e explorar va­lores e preferências. Em segundo lugar, recomendamos a utilização de diferentes formas de dar consentimento, para além do ideal regulador do consentimento explícito e plenamente infor­mado. Em terceiro lugar, recomendamos que a informação, a comunicação e o consentimento sejam adaptados ao indivíduo.

A indicação para uma episiotomia pode ser relativamente crítica em termos de tempo mas o parto, como já foi referido, não é muitas vezes o momento ideal para uma troca de informações elaborada. Por isso, recomendamos que este processo seja iniciado no período pré-natal. A troca de informações antecipada significa que é necessário trocar menos informações durante o parto. Os prestadores de cuidados podem objetar que não querem sobrecarregar as mulheres com in­formações antecipadas ou induzir ansiedade desnecessária. No entanto, as mulheres desejam fre­quentemente ter mais informações sobre o procedimento com antecedência.13 Além disso, os níveis de ansiedade para episiotomias são mais baixos depois de receberem informações sobre episiotomias, em comparação com antes.58 Atualmente, a prestação de informações sobre episio­tomias durante os cuidados pré-natais é muitas vezes considerada inadequada pelas mulheres, embora nem todas as mulheres se importem.13,58 Por isso, esta é uma clara oportunidade para melhorar.

O período pré-natal também deve ser utilizado para explorar eficazmente os valores e preferên­cias das mulheres relativamente às episiotomias, de modo que os prestadores de cuidados possam ajustar melhor as suas recomendações e juízos individuais. Idealmente, a decisão sobre quando é necessária uma episiotomia é feita principalmente à luz dos valores da paciente e não dos valores dos prestadores de cuidados e/ou do sistema em que trabalham, embora muitas mulheres con­cordem com a decisão do prestador de cuidados. A exploração necessária dos valores da paciente não deve certamente ser deixada para o meio do trabalho de parto, tendo em conta as dificuldades de comunicação nessa altura.

As mulheres também podem ter opiniões sobre que tipo e quanta informação desejam receber antes e durante o trabalho de parto, bem como se querem ser ‘interrompidas’ durante o trabalho de parto e em que medida.18 Também neste caso, recomendamos que o período pré-natal seja utilizado de forma eficaz para avaliar se as mulheres têm preferências nesta matéria. Pode ser bom registar estas preferências num plano de parto. Isto permite que o prestador de cuidados adapte a informação fornecida e os procedimentos de consentimento às preferências individuais das mulheres, através da utilização efetiva de diferentes formas de dar o consentimento.

Por exemplo, algumas mulheres podem indicar que pretendem uma conversa e informação (ela­boradas) durante o trabalho de parto e que querem sempre dar o seu consentimento explícito antes de um procedimento. Se assim for, isso deve acontecer. Algumas dessas mulheres podem sobrestimar ou mudar de ideias quanto à sua capacidade e vontade de participar numa comuni­cação alargada durante o trabalho de parto. De seguida, discutiremos o que deve acontecer nesses casos.

Também é possível que o tempo seja limitado numa situação de emergência ou que as mulheres desejem uma interrupção muito limitada durante o trabalho de parto, mas queiram ser alertadas de que um procedimento está prestes a ser realizado. Neste caso, o consentimento simples e explícito funciona bem: o prestador de cuidados esclarece que recomenda uma episiotomia; per­gunta se pode prosseguir; e espera por uma resposta. No período pré-natal, devem ter sido tro­cadas informações de base pertinentes.

Algumas mulheres podem querer dar o seu consentimento antecipadamente: consideram que não querem ser perturbadas durante o trabalho de parto por qualquer tipo de interação e podem nem sequer querer saber que um determinado procedimento está prestes a acontecer. Nesse caso, exercem o seu direito de não saber e tomam a decisão autónoma de deixar todas as decisões para o prestador de cuidados. Tal como foi argumentado, isso não é contra o espírito do consenti­mento ou da falta de autonomia. Mas é importante que, nesses casos, os prestadores de cuidados de saúde prestem às mulheres toda a informação pré-natal que elas estejam dispostas a ouvir e façam o seu melhor para descobrir e atuar à luz da vontade da paciente. Vale a pena ter em conta que esta forma de consentimento depende fortemente da confiança no prestador de cuidados e no sistema. Isto pode ser um problema se não houver continuidade dos cuidados e se o prestador de cuidados de confiança não estiver presente no parto. As mulheres podem e têm o direito de mudar de ideias e de recuperar o poder de decisão em qualquer altura durante a gravidez ou o parto e estas preferências podem mudar, especialmente em caso de transferência entre prestado­res de cuidados. Salientamos que o consentimento prévio é possível, mas não deve ser o objetivo da conversa pré-natal, uma vez que é preferível o consentimento explícito durante o parto. O consentimento prévio só deve ser utilizado a pedido explícito da mulher.

O consentimento presumido só é adequado para episiotomias quando se verificam os requisitos necessários, como, por exemplo, nas raras ocasiões em que a mulher não está consciente, em que nenhum representante (como o parceiro) pode dar o seu consentimento em seu nome, em que se trata de uma emergência e em que se acredita genuinamente que a mulher teria consentido na intervenção.

Consideramos que o consentimento implícito não é adequado para episiotomias. O consenti­mento implícito exige que as mulheres comuniquem claramente através das suas ações – como arregaçar uma manga para uma colheita de sangue – que estão a consentir um procedimento pretendido. Isto exige que sejam informadas sobre o que está a acontecer e que tenham opções claras para comunicar de forma não verbal tanto quando consentem como quando recusam o procedimento – por exemplo, não arregaçando a manga, o que bloqueia o procedimento. Consi­deramos que as circunstâncias práticas do trabalho de parto não deixam margem suficiente para que as mulheres comuniquem claramente o seu consentimento através das suas ações: estão frequentemente em posição supina, com as partes do corpo socialmente sensíveis expostas, não para mostrar que consentem uma episiotomia, mas porque estão em trabalho de parto. Isto co­loca o prestador de cuidados em risco significativo de assumir erradamente que a mulher está a dar o seu consentimento quando, na realidade, não está. Por conseguinte, o consentimento im­plícito não é adequado para as episiotomias.

O mesmo se aplica ao consentimento por autoexclusão: este raramente é apropriado porque o trabalho de parto ativo não é uma circunstância que facilite a ‘abertura’ necessária para que as mulheres optem por não realizar uma episiotomia. No entanto, o que está em jogo no trabalho de parto é elevado: uma episiotomia pode salvar a vida de um bebé durante o trabalho de parto e não é descabido presumir que as mulheres se preocupam muito com isso.45 Além disso, o processo de trabalho de parto pode deixar algumas mulheres pouco ou nada receptivas. Por con­seguinte, existe um lugar limitado e circunscrito para o consentimento por autoexclusão. Só se o consentimento tiver sido explicitamente solicitado, mas a mulher não tiver respondido, e se o prestador de cuidados tiver uma convicção muito clara de que a episiotomia é necessária e con­gruente com os desejos prováveis da mulher, é que se pode passar ao consentimento por auto­exclusão. É claro que as condições para um consentimento válido por autoexclusão têm de ser cumpridas: tem de ser comunicado claramente o que vai acontecer, que a mulher pode autoex­cluir-se e como pode autoexcluir-se. A mulher deve também dispor de tempo suficiente para se autoexcluir. Por exemplo, ‘Acho que é mesmo necessária uma episiotomia, mas não estou a re­ceber uma resposta clara da sua parte. Portanto, a menos que me diga que se opõe, farei a episio­tomia na próxima contração. Se NÃO quiser que eu faça uma episiotomia, por favor diga não, ou dê outro sinal qualquer’.

Conclusão

As episiotomias não consentidas são preocupantemente comuns, tal como foi relatado por 43% das mulheres que foram submetidas a uma episiotomia nos Países Baixos.8 É difícil imaginar que tais frequências ocorreriam se os prestadores de cuidados estivessem cientes da necessidade do consentimento. Os ativistas do parto criticam os procedimentos não consentidos, mas não dão conselhos construtivos sobre como os prestadores de cuidados podem obter o consentimento nas circunstâncias únicas do trabalho de parto. Fizemos uma proposta para melhorar o consen­timento para episiotomias que reconhece os desafios colocados pelo contexto das mulheres em trabalho de parto.

Em primeiro lugar, defendemos que, apesar dos seus desafios, o consentimento informado é necessário para as episiotomias (e muitos outros procedimentos intraparto). Na nossa argumen­tação, damos especial ênfase ao valor intrínseco do consentimento como demonstração de res­peito pela autonomia, o que exige que se peça o consentimento mesmo que o prestador de cui­dados tenha a certeza de que a episiotomia é congruente com os valores da mulher e esteja con­vencido de que a mulher consentiria. Isto é particularmente importante durante o trabalho de parto e o nascimento, dada a combinação da sensibilidade social das partes do corpo em causa e a sua violação social demasiado frequente, bem como o facto de muitas episiotomias prejudica­rem a mãe em benefício da saúde do bebé. Estes mesmos aspetos também significam que o papel da confiança no parto merece uma atenção especial – e demonstrar respeito pela autonomia é um aspeto importante da construção da confiança.

No entanto, o facto de o consentimento ser necessário não significa que esse consentimento tenha de ser sempre explícito, ou que os requisitos de informação máxima do consentimento ideal tenham de ser sempre cumpridos. O contexto do trabalho de parto e do nascimento coloca inúmeros desafios únicos que tornam a ideia reguladora do consentimento plenamente infor­mado frequentemente inatingível e indesejável. Para melhorar o consentimento para episioto­mias, recomendamos, em primeiro lugar, o uso adequado das oportunidades oferecidas pelo pe­ríodo pré-natal para trocar informações, criar confiança e explorar valores e preferências. Em segundo lugar, a utilização de diferentes formas de dar consentimento, para além do ideal nor­mativo do consentimento explícito e plenamente informado. E, em terceiro lugar, adaptar a in­formação, a comunicação e os procedimentos de consentimento à pessoa em causa.


[i] Por exemplo, consentimento para exame vaginal, epidurais, monitorização fetal, aumento do trabalho de parto.
[ii] Após o nascimento, o bebé ainda não é capaz de dar o seu consentimento. Normalmente, os pais têm de consentir em seu nome. No entanto, ao contrário do que acontecia antes do nascimento, o direito dos pais de decidirem pelo bebé após o nascimento baseia-se nos seus direitos parentais e pode, portanto, ao contrário dos direitos de decisão baseados na autonomia/integridade do corpo materno, ser retirado ou anulado em determinadas circunstâncias.
([iii] A lei neerlandesa sobre o consentimento estabelece que, quando os procedimentos não são invasivos, o consentimento pode ser presumido.

Ver referências e afiliações dos autores no original

20 fevereiro 2022

Prontidão ética

                                                           

PRONTIDÃO ÉTICA

David Archard, professor emérito de Filosofia, Queen’s University Belfast. Presidente do Nuffield Council on Bioethics and vice-presidente da Society for Applied Philosophy.

Tradução espontânea do texto Ethical preparedness.

Muito se disse no início da pandemia sobre como tão bem preparado estava o serviço de saúde do Reino Unido para o surto. Sabemos agora que isto não era verdade, uma década de austeridade tinha provocado um impacto deletério significativo nos nossos serviços públicos. Que as pessoas do SNS conseguiram, no entanto, lidar tão bem como o fizeram é um tributo ao seu empenho e dedicação ao serviço. É também hoje amplamente conhecido que foram realizados antes de 2019 uma série de estudos oficiais que imaginavam vários cenários pandémicos. As suas recomendações só recentemente vieram à luz e é possível ver quantos deles – como no que diz respeito a uma possível crise nos lares de idosos – não foram, por qualquer razão, considerados prioritários.

A opinião fundamentada de Jeremy Farrar e Anjana Ahuja sobre a evolução da pandemia, Spike, é uma narrativa notável e castigadora das oportunidades perdidas, atrasos catastróficos e fracassos de gestão, juntamente com a coragem exemplar e o extraordinário trabalho árduo dos cientistas que deram o seu melhor para encontrar soluções com origem na investigação para a tarefa impossível que os trabalhadores da saúde da linha da frente enfrentam. O seu capítulo final é um resumo soberbo dos vários preparativos que poderíamos fazer para atuar melhor na próxima pandemia. E sabemos que haverá uma.

A certa altura, os autores dizem que "desejavam que as considerações éticas tivessem sido incorporadas na resposta ao coronavírus do Reino Unido desde o início" (p. 229). O Conselho Nuffield de Bioética não podia estar mais de acordo. Desde o início da pandemia que temos denunciado consistentemente a falta de discussão sobre questões éticas na tomada de decisões. Uma e outra vez, ao tomar decisões cruciais – quer sobre como dar prioridade às necessidades de cuidados de saúde COVID e não COVID quando ambas eram comprovadamente igualmente urgentes, se e como impor a vacinação, as regras de prioridade para a aplicação da vacina, a ideia de um nível aceitável de mortes evitáveis – as considerações éticas em jogo raramente têm sido articuladas publicamente ou reconhecidas pelos líderes políticos.

Prontidão ética

Para que estas questões importantes sejam levadas a sério da próxima vez, precisamos daquilo a que nós, com base em trabalho valioso de outros, chamamos "prontidão ética". Isto significa estar preparado como sociedade não apenas para lidar de forma prática e eficaz com uma pandemia, mas para o fazer de uma forma eticamente apropriada e plenamente justificada.

O que significa então a prontidão ética? Há ainda muito trabalho a fazer para explorar todo o alcance de um tal conceito. No entanto, com base nas lições da COVID, sugerimos que os três elementos que se seguem poderão desempenhar um papel importante:

1. Clareza dos princípios e valores morais

Em primeiro lugar, é necessário que haja clareza quanto aos princípios e valores morais que devem estar na base das respostas políticas. Por vezes pensa-se que numa emergência de saúde pública as regras morais normais, por exemplo relacionadas com a justiça ou os direitos humanos, não se aplicam, e que "vale tudo" para preservar vidas a todo o custo. No nosso próprio relatório de Investigação em emergências de saúde global, contudo, argumentamos que a 'bússola moral' permanece consistente; o que pode precisar de mudar são as formas práticas de realização dos seus valores. Assim, por exemplo, o que parecem ser restrições draconianas à livre circulação e à liberdade pessoal podem ser temporariamente justificáveis pela necessidade de controlar uma doença intratável e altamente contagiosa, mas tais medidas trazem consigo deveres para assegurar que todos tenham acesso a bens essenciais (por exemplo, através da garantia de uma compensação adequada para as pessoas impedidas de trabalhar), e que os impactos das restrições não sejam injustamente suportados por aqueles que já são mais desfavorecidos.

Ao longo da pandemia, o Governo parecia subscrever uma regra moral de que o que estava certo era o que produzia o maior benefício global em termos de vidas salvas, assumido no mantra de "proteger o SNS" e "salvar vidas". Contudo, existe um amplo consenso de que, mesmo numa crise, fazer a coisa certa (que nas exigências de qualquer situação particular pode ser simplesmente a coisa menos má) deve ter em conta a justiça. Por exemplo, o Conselho e muitos outros salientaram consistentemente o impacto desproporcionado que a pandemia, e a resposta política que lhe foi dada, teve em certos grupos sociais. Aqueles que já estão em desvantagem e sofrem de uma saúde mais precária devido à sua situação económica, sofreram ainda mais em resultado da COVID. Se nós, como sociedade, estamos genuinamente preocupados com esta situação, então a nossa resposta nacional deve visar não só uma redução global dos danos, mas também a atenuação e redução das desigualdades.

Fazer o que está certo significa também ter em devida conta os direitos individuais – à liberdade, à privacidade e a viver segundo as próprias crenças, reconhecendo ao mesmo tempo que, por vezes, e no menor grau possível, esses direitos podem precisar de ser limitados para a segurança e o bem-estar dos outros. Este difícil equilíbrio de redução de danos, de combate às desigualdades injustas na saúde e de minimização de medidas coercivas ou implementadas sem o consentimento das pessoas, é descrito no "modelo de gestão para a saúde pública" do Conselho. Este foi publicado em 2007 e tem sido amplamente utilizado e adotado desde então.

2. Orientação ética clara e autoconfiante

Um segundo elemento de prontidão ética é assegurar a existência de procedimentos, instituições e regulamentos para que a orientação ética possa ser prestada de forma clara, determinada, confiável e inequívoca.

Nos primeiros meses da pandemia, houve muitas críticas justificadas sobre a confusa pluralidade de orientações oferecidas ao pessoal da linha da frente em matérias como a decisão de quais os pacientes que deveriam ter prioridades no tratamento. Tais orientações vieram de organismos oficiais, organizações profissionais e de académicos, mas não do Governo. A confusão levou aqueles que tomaram as decisões críticas a preocuparem-se com o que deveriam fazer, e, de forma crucial, a preocuparem-se com a possibilidade de serem subsequentemente sujeitos a censura, disciplina ou pior, pelas decisões que tiveram de tomar sob grande pressão.

É evidente que muito mais precisa de ser feito para aproveitar as muitas e diferentes fontes de conhecimentos e aconselhamentos éticos disponíveis a nível nacional. Temos trabalhado recentemente com o UKRI para compreender melhor o complexo panorama da bioética britânica, e aguardamos com expectativa o envolvimento dos decisores políticos e outras partes interessadas sobre a melhor forma de reunir e disponibilizar este conhecimento especializado diversificado para fundamentar as opções políticas.

3. A construção de uma política ética e o envolvimento público

Um terceiro elemento de prontidão ética é assegurar que o Governo compreenda e articule que as considerações éticas devem ser parte integrante da formulação de políticas, e envolva ativamente o público na apreciação dos valores e interesses concorrentes em jogo. O Governo deve ser visto como fazendo uma política eticamente sólida e o público deve ser envolvido e ver que é isso que está a ser feito. A transparência da elaboração de políticas, incluindo o reconhecimento explícito dos valores que estão a informar as decisões políticas, é a chave essencial para a confiança entre o Governo e o público. No entanto, este governo insistiu que era liderado pela ciência, embora a ciência, apesar de fornecer provas cruciais, não possa ela própria dar uma resposta a questões políticas que dizem respeito a interesses e valores em conflito.

O público é altamente capaz de compreender as questões morais. De facto, são rápidos a criticar um Governo por favorecer interesses próprios face ao bem público. O que é justo ou injusto em contextos particulares e o que significa reconhecer e proteger direitos em conflito são assuntos mais difíceis. No entanto, é por isso que é tão importante criar as condições sobre as quais possa haver discussão pública de questões éticas. O Conselho Nuffield tem sublinhado consistentemente a importância do envolvimento público e da discussão pública de temas-chave da bioética – nomeadamente realçando como isto é ainda mais importante, e não menos, em tempos de emergência.

Condições não-ideais

Um pensamento final. Estar preparado eticamente e estar preparado praticamente para uma pandemia está interligado. Ter de fazer o melhor possível, mesmo que não sejam as decisões ideais em circunstâncias difíceis, não deve implicar que essas circunstâncias – recursos escassos, desvantagem existente, resultados de saúde mais pobres para alguns – são simplesmente factos da natureza. São o resultado de políticas de longa data e da inação oficial que estão abertas ao escrutínio moral. Se fizermos escolhas naquilo a que os filósofos e economistas chamam condições não-ideais, temos de reconhecer porque é que não são melhores e o que pode ser feito agora para assegurar que sejam melhores da próxima vez.

Estar eticamente preparado para a próxima pandemia, ou qualquer outra crise de saúde pública, é uma verdadeira prioridade. Precisamos agora de tomar medidas para reconhecer isto e para assegurar que estamos devidamente preparados para a próxima emergência. Um debate público encomendado através da nossa parceria com o UK Pandemic Ethics Accelerator identificou temas-chave a serem abordados na elaboração de políticas futuras, incluindo:

    • abordar as desigualdades que a COVID tem exposto e exacerbado;
    • criar confiança e transparência nas políticas e ações governamentais; e
    • envolver o público na elaboração de políticas.

Iremos abordar estes temas, entre outros, no trabalho com organismos nacionais de ética em todo o mundo em 2022, e nas nossas contribuições para discussões internacionais, tais como o próximo acordo da OMS sobre a prontidão para pandemias.

Ninguém se congratula com a perspetiva de uma outra pandemia, ou mesmo de uma outra emergência de saúde pública de qualquer tipo. Mas sabemos que a questão é quando, e não se, a próxima irá surgir. No mínimo, devemos assegurar-nos de que estamos preparados para enfrentar os seus desafios éticos.

09 fevereiro 2022

Princípios Europeus para a Ética da Saúde Digital

 
Princípios Europeus para a Ética da Saúde Digital

Tradução espontânea dos Principes Européens Pour L’éthique Du Numérique En Santé

Uma iniciativa da Presidência Francesa do Conselho da União Europeia, #PFU2022 promovida pela eHealth Network


Basear a Saúde Digital em valores humanistas

1. A Saúde Digital complementa e otimiza a prática dos cuidados de saúde presenciais

2. As pessoas são informadas sobre os benefícios e limites da Saúde Digital

3. As pessoas são informadas sobre o funcionamento dos serviços de Saúde Digital e podem facilmente configurar as suas interações com estes

4. Quando é usada inteligência artificial, são feitos todos os esforços razoáveis para a tornar explicável e sem desvios discriminatórios

Capacitar as pessoas para gerirem a sua Saúde Digital e os seus dados de saúde

5. As pessoas são envolvidas ativamente na formação dos enquadramentos europeus e nacionais da Saúde Digital e dos dados de saúde

6. As pessoas podem aceder aos seus dados de saúde de forma fácil e fiável num formato utilizado correntemente

7. As pessoas podem facilmente obter informações sobre como os seus dados de saúde foram ou podem ser consultados e para que finalidade

8. As pessoas podem conceder acesso fácil e fiável aos seus dados de saúde e exercer os seus direitos, incluindo o de contestação quando aplicável

Tornar a Saúde Digital inclusiva

9. Os serviços de Saúde Digital são acessíveis a todos, incluindo as pessoas com deficiência ou com baixos níveis de alfabetização

10. Os serviços de Saúde Digital são intuitivos e fáceis de utilizar

11. As pessoas têm acesso a formação em Saúde Digital

12. Os serviços de saúde digital incluem o apoio da comunicação humana, quando necessário

Concretizar uma Saúde Digital Ecorresponsável

13. Os impactos ambientais da Saúde Digital são identificados e medidos

14. Os serviços de saúde digitais são desenvolvidos em conformidade com as melhores práticas ecológicas

15. A reutilização e reciclagem de equipamento de Saúde Digital são asseguradas

16. Os participantes na Saúde Digital estão empenhados em reduzir a sua pegada ecológica

 

A Saúde Digital deve ser utilizada para proteger a saúde e o bem-estar de toda a humanidade e da biosfera.
Os princípios europeus para a ética da Saúde Digital ajudarão a avançar para este objetivo, de acordo com a nossa tradição e valores humanistas.
O enquadramento proposto inclui princípios organizados em 4 dimensões éticas.
Este enquadramento é a base para a confiança dos cidadãos europeus na Saúde Digital.
Não é um inventário exaustivo mas destaca os principais desafios atuais. Os princípios estão expressos em palavras simples e diretas. Não ficam pela interoperabilidade e os requisitos de segurança. Estão em linha com as intenções dos princípios digitais propostos pela Comissão e são orientados para a Saúde Digital.
Alguns princípios derivam do quadro regulamentar europeu ou nacional existente ou podem influenciar o seu desenvolvimento. Contudo, a sua concretização operacional nem sempre é satisfatória, exigindo uma adaptação às necessidades da Saúde Digital ou uma implementação técnica.
Os princípios europeus para a Saúde Digital serão revistos regularmente ao longo dos próximos anos. Será apresentado um documento detalhado, ligando-os aos regulamentos existentes e ilustrando-os com casos concretos de experiências nacionais.
A Comissão Europeia e os Estados-membros comprometem-se a prosseguir este trabalho, a propor ações que permitam o cumprimento dos princípios éticos europeus da Saúde Digital e a medir os progressos alcançados, revendo-os regularmente.
Os Estados-membros e a Comissão Europeia
26 de janeiro de 2022