22 fevereiro 2016

Suicídio medicamente ajudado na perspetiva de um doente


Suicídio medicamente ajudado na perspetiva de um doente
Jeff Sutherland
Médico de Família, Georgetown, Ontario

Tradução espontânea do artigo 

«Sou um médico de família e nos últimos 8 anos tenho vivido com esclerose lateral amiotrófica (ELA), uma doença neurológica terminal debilitante. Tinha 41 anos e estava no ativo quando me foi diagnosticada a ELA. Agora, 8 anos depois, não consigo mexer os meus braços e apenas posso estender levemente as minhas pernas. Não posso andar, comer, beber ou falar e exploro o mundo à minha volta movendo os olhos que uso para ativar um dispositivo de comunicação alternativo.

No ano passado, em agosto, pude escolher entre a morte e vida quando tomei a decisão de deixar fazer uma traqueostomia e ligarem-me a um ventilador permanente. Escolhi viver confinado às terríveis restrições da minha doença.

Tenho sorte em ser capaz de viver com ELA; sorte porque tenho uma esposa amorosa e solidária com quem passo os dias. Tenho recursos financeiros para sustentar a minha família. Não tenho dívidas e os meus recursos financeiros permitem-me viver sem recorrer aos meus parentes. Tenho amigos que me tratam como se não estivesse doente; o meu círculo social tem o tamanho que escolhi. Não sofro de qualquer doença mental que as pessoas costumam associar ao meu grau de incapacidade.

É um luxo ter tido, na minha vida, a oportunidade de escolher viver. Não há muita gente que tenha essa oportunidade. Outros, que enfrentam doenças degenerativas ou diagnósticos terminais, têm de ver as suas famílias sofrer as dificuldades devidas à sua agonia. Embora eu escolha viver, respeito a possibilidade de outros tomarem as suas próprias decisões relativas à vida ou à morte.

Aplaudo o Supremo Tribunal do Canadá por revogar a proibição do suicídio medicamente assistido (*). Agora é a vez de os médicos ajudarem, liderando na elaboração de protocolos que permitam que o suicídio medicamente assistido seja uma realidade no Canadá. Tem de ser reconhecida e legitimada a necessidade de proteger os médicos que sejam moralmente contra.

A proteção dos mentalmente diminuídos tem de fazer parte de quaisquer protocolos que se elaborem.
Não vejo que esta decisão tire legitimidade à minha escolha pela vida.

Acompanhei famílias em nascimentos e em mortes. Gosto de pensar que a minha participação em cuidados paliativos ajudou a aliviar o sofrimento dos meus doentes. Se ainda estivesse a exercer medicina, não sei se seria capaz de participar numa morte medicamente assistida. Contudo, quando estava no ativo e era saudável, não teria pensado que podia viver com as limitações em que hoje vivo. Penso que as posições mudam com a vivência. O juramento de Hipócrates, que recitamos quando nos formámos, diz-nos para não fazer mal aos nossos doentes. Penso que por vezes nada fazer, quando um doente está em sofrimento na sua doença terminal, é fazer mal.

Caso as minhas circunstâncias mudem, conforta-me saber que agora posso escolher uma morte suave e humana, rodeada por entes queridos, nos meus próprios termos.»
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(*)
Supreme Court strikes down assisted suicide ban, T. MacCharles,  Toronto Star 2015 Feb 6