Suicídio medicamente ajudado na perspetiva
de um doente
Jeff Sutherland
Médico de Família, Georgetown, Ontario
Tradução espontânea do artigo
«Sou um médico de
família e nos últimos 8 anos tenho vivido com esclerose lateral amiotrófica
(ELA), uma doença neurológica terminal debilitante. Tinha 41 anos e estava no
ativo quando me foi diagnosticada a ELA. Agora, 8 anos depois, não consigo
mexer os meus braços e apenas posso estender levemente as minhas pernas. Não
posso andar, comer, beber ou falar e exploro o mundo à minha volta movendo os
olhos que uso para ativar um dispositivo de comunicação alternativo.
No ano passado, em
agosto, pude escolher entre a morte e vida quando tomei a decisão de deixar
fazer uma traqueostomia e ligarem-me a um ventilador permanente. Escolhi viver
confinado às terríveis restrições da minha doença.
Tenho sorte em ser
capaz de viver com ELA; sorte porque tenho uma esposa amorosa e solidária com
quem passo os dias. Tenho recursos financeiros para sustentar a minha família.
Não tenho dívidas e os meus recursos financeiros permitem-me viver sem recorrer
aos meus parentes. Tenho amigos que me tratam como se não estivesse doente; o
meu círculo social tem o tamanho que escolhi. Não sofro de qualquer doença
mental que as pessoas costumam associar ao meu grau de incapacidade.
É um luxo ter tido,
na minha vida, a oportunidade de escolher viver. Não há muita gente que tenha
essa oportunidade. Outros, que enfrentam doenças degenerativas ou diagnósticos
terminais, têm de ver as suas famílias sofrer as dificuldades devidas à sua
agonia. Embora eu escolha viver, respeito a possibilidade de outros tomarem as
suas próprias decisões relativas à vida ou à morte.
Aplaudo o Supremo
Tribunal do Canadá por revogar a proibição do suicídio medicamente assistido (*).
Agora é a vez de os médicos ajudarem, liderando na elaboração de protocolos que
permitam que o suicídio medicamente assistido seja uma realidade no Canadá. Tem
de ser reconhecida e legitimada a necessidade de proteger os médicos que sejam
moralmente contra.
A proteção dos
mentalmente diminuídos tem de fazer parte de quaisquer protocolos que se
elaborem.
Não vejo que esta
decisão tire legitimidade à minha escolha pela vida.
Acompanhei famílias
em nascimentos e em mortes. Gosto de pensar que a minha participação em
cuidados paliativos ajudou a aliviar o sofrimento dos meus doentes. Se ainda
estivesse a exercer medicina, não sei se seria capaz de participar numa morte
medicamente assistida. Contudo, quando estava no ativo e era saudável, não
teria pensado que podia viver com as limitações em que hoje vivo. Penso que as
posições mudam com a vivência. O juramento de Hipócrates, que recitamos quando
nos formámos, diz-nos para não fazer mal aos nossos doentes. Penso que por
vezes nada fazer, quando um doente está em sofrimento na sua doença terminal, é
fazer mal.
Caso as minhas
circunstâncias mudem, conforta-me saber que agora posso escolher uma morte
suave e humana, rodeada por entes queridos, nos meus próprios termos.»
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(*) Supreme Court strikes down assisted suicide ban,
T. MacCharles, Toronto Star 2015 Feb 6