20 fevereiro 2016

Morrer com Dignidade?

 

Morrer com Dignidade?
por Tarris Rosell
Tradução espontânea a partir do blogue Practical Bioethics

O que precisam ter em conta as pessoas de Kansas sobre a Proposta de Lei n.º 2150 
(“A Lei do Kansas sobre Morrer com Dignidade”)

Como responderia você à seguinte pergunta numa sondagem Gallup?

Quando uma pessoa tem uma doença que não tem cura e está a sofrer dores graves, pensa que os médicos devem ou não devem ser autorizados por lei a ajudar o doente a cometer suicídio se o doente o pedir?

Em meados de 2015, aproximadamente 7 em 19 americanos responderam “Sim” numa sondagem a esta pergunta, incluindo 48% dos que frequentam semanalmente a igreja. A grande maioria dos americanos e 81% dos jovens adultos com 18-34 anos são atualmente a favor do suicídio medicamente assistido. Estarão certos? Pode esta grande maioria estar errada?

Os legisladores de Kansas, como outros de muitos Estados, tiveram oportunidade de tornar o suicídio medicamente assistido legal. Já é legal, com restrições e regulamentos, em vários outros Estados, nomeadamente em Oregon, Montana, Vermont e Washington e, desde este ano, na Califórnia. Com a legalização na Califórnia temos um assunto que interessa a 1 em cada 10 americanos. A “Lei sobre a Morte com Dignidade” de Oregon, datada de 1994, serviu de modelo à da Califórnia e também da Proposta de Lei n.º 2150 do Kansas, apresentada este ano. Não foram feitas audições.

O Governador Jerry Brown, cristão católico, assinou recentemente a legislação californiana depois de muita hesitação. O Governador Brownback do Kansas, também católico, não parece disposto a assinar o diploma mesmo que passe na comissão e receba apoios suficientes para ser submetido a ambas as Câmaras legislativas do Kansas. É esta uma boa política pública? Ou estamos equivocados aqui no centro dos EUA?

Um dos acontecimentos que se acredita mais influenciou o aumento das percentagens nas sondagens Gallup, especialmente entre jovens, foi o caso da morte medicamente assistida de Brittany Maynard – uma jovem de 29 anos.

Brittany vivia na Califórnia quando lhe foi diagnosticado um glioblastoma multiforme, uma forma agressiva de tumor cerebral terminal. Depois de muitos exames e debates, Brittany decidiu mudar-se com o seu marido e a mãe para o Oregon de modo a poder recorrer ao protocolo “morrer com dignidade”. Depois de fixar residência e de consultar médicos, Brittany recebeu a sua receita letal de fármacos para usar ou não de acordo com a sua vontade. Para ser considerado como destinado a pôr fim à vida, a lei de Oregon especifica que os fármacos têm de ser tomados pela mão de Brittany. Ninguém pode fazê-lo no seu lugar.

Depois de sofrer múltiplas convulsões e dores relacionadas com o tumor, Ms. Maynard decidiu tomar a dose letal da medicação prescrita para aquele propósito e, consequentemente, a sua vida acabou no dia 1 de novembro de 2014. A família próxima e os amigos acompanharam-na no momento da sua partida. Dizem que teve uma morte pacífica. Foi uma “morte com dignidade”?

Num grupo de diálogo em que participo mensalmente, maioritariamente composto de médicos e capelães, discutimos o caso Brittany Maynard depois de vermos o vídeo YouTube de seis minutos posto por Brittany antes de morrer. Também fui facilitador da discussão deste caso com grupos de seminaristas e de estudantes de medicina. De cada vez, pedi uma votação sobre a opinião dos participantes quanto ao suicídio medicamente assistido. Em qualquer dos grupos, as percentagens espelharam as da Gallup. Portanto, no Kansas, deve a maioria prevalecer neste assunto?

Um médico de cuidados continuados [hospice] meu amigo sugeriu que Brittany Maynard devia ter utilizado os cuidados paliativos numa unidade de cuidados continuados. Reconheceu que não podia garantir uma morte sem dores e sofrimento mas que aqueles cuidados representam um papel valioso para a dignidade das pessoas doentes que estão a morrer. De facto, certamente representa e muitas mortes nessas instituições parecem relativamente pacíficas. É isso que eu e a maioria dos bioeticistas que conheço defendemos – mais do que alargar o acesso ao suicídio medicamente assistido. Pode bem ser que a maioria dos americanos esteja iludida e que o melhor caminho para chegar à morte com dignidade seja promover cuidados paliativos e cuidados continuados – especialmente para grupos que não têm acesso a cuidados integrados. Aliás, realmente, para todos nós.

Brittany e pelo menos 859 outros doentes terminais no Oregon escolheram, nos últimos cerca de 15 anos, uma via diferente para as suas mortes. Mesmo no Oregon continua a ser uma hipótese remota, afetando apenas cerca de 3 mortes em 1000. Não os condeno nem os seus médicos assistentes. A condenação não nos leva a nada de bom. Exorto antes a um diálogo ético respeitoso e refletido.

Defendo um melhor planeamento de cuidados avançados, conversas sobre fim de vida mais precoces entre doentes e os seus médicos, assim como debates mais firmes sobre os objetivos dos cuidados em contextos de crises de saúde. Parece que são necessários mais financiamentos públicos de modo a treinar mais médicos de cuidados paliativos e de unidades de cuidados continuados [hospice]. É necessária mais investigação, e mais financiamento para investigação, para se avaliar mais rigorosamente os atuais cuidados prestados a doentes que estão a morrer.

Esta parece-me a melhor via para a morte com dignidade, não só na nossa terra como em qualquer lugar.

E a si, que lhe parece?