Este armazém foi criado para guardar e partilhar textos (e contextos) que tenho escrito ou traduzido, quase todos ao longo da “terceira” metade da minha vida, mas também antes. Até aos 35 anos formei-me e cresci, até aos 70 exerci e aprendi, agora deu-me para isto... 😊
22 fevereiro 2016
Suicídio medicamente ajudado na perspetiva de um doente
20 fevereiro 2016
Morrer com Dignidade?
(“A Lei do Kansas sobre Morrer com Dignidade”)
Como
responderia você à seguinte pergunta numa sondagem Gallup?
Quando uma pessoa tem uma doença que não tem cura e está a sofrer dores graves, pensa que os médicos devem ou não devem ser autorizados por lei a ajudar o doente a cometer suicídio se o doente o pedir?
Em meados de
2015, aproximadamente 7 em 19 americanos responderam “Sim” numa sondagem a esta
pergunta, incluindo 48%
dos que frequentam semanalmente a igreja. A grande maioria dos
americanos e 81% dos
jovens adultos com 18-34 anos são atualmente a favor do suicídio medicamente
assistido. Estarão certos? Pode esta grande maioria estar errada?
Os
legisladores de Kansas, como outros de muitos Estados, tiveram oportunidade de
tornar o suicídio medicamente assistido legal. Já é legal, com restrições e
regulamentos, em vários outros Estados, nomeadamente em Oregon, Montana,
Vermont e Washington e, desde este ano, na Califórnia. Com a legalização na
Califórnia temos um assunto que interessa a 1 em cada 10 americanos. A “Lei
sobre a Morte com Dignidade” de Oregon, datada de 1994, serviu de modelo à da
Califórnia e também da Proposta de Lei n.º 2150 do Kansas, apresentada este ano. Não foram
feitas audições.
O Governador
Jerry Brown, cristão católico, assinou recentemente a legislação californiana depois
de muita hesitação. O Governador Brownback do Kansas, também católico, não
parece disposto a assinar o diploma mesmo que passe na comissão e receba apoios
suficientes para ser submetido a ambas as Câmaras legislativas do Kansas. É
esta uma boa política pública? Ou estamos equivocados aqui no centro dos EUA?
Um dos
acontecimentos que se acredita mais influenciou o aumento das percentagens nas sondagens
Gallup, especialmente entre jovens, foi o caso da morte medicamente assistida
de Brittany Maynard – uma jovem de 29 anos.
Brittany vivia
na Califórnia quando lhe foi diagnosticado um glioblastoma multiforme, uma
forma agressiva de tumor cerebral terminal. Depois de muitos exames e debates,
Brittany decidiu mudar-se com o seu marido e a mãe para o Oregon de modo a
poder recorrer ao protocolo “morrer com dignidade”. Depois de fixar residência
e de consultar médicos, Brittany recebeu a sua receita letal de fármacos para
usar ou não de acordo com a sua vontade. Para ser considerado como destinado a
pôr fim à vida, a
lei de Oregon especifica que
os fármacos têm de ser tomados pela mão de Brittany. Ninguém pode fazê-lo no
seu lugar.
Depois de
sofrer múltiplas convulsões e dores relacionadas com o tumor, Ms. Maynard
decidiu tomar a dose letal da medicação prescrita para aquele propósito e,
consequentemente, a sua vida acabou no dia 1 de novembro de 2014. A família
próxima e os amigos acompanharam-na no momento da sua partida. Dizem que teve
uma morte pacífica. Foi uma “morte com dignidade”?
Num grupo de
diálogo em que participo mensalmente, maioritariamente composto de médicos e
capelães, discutimos o caso Brittany Maynard depois de vermos o vídeo
YouTube de seis minutos posto por Brittany antes de morrer. Também fui facilitador da
discussão deste caso com grupos de seminaristas e de estudantes de medicina. De
cada vez, pedi uma votação sobre a opinião dos participantes quanto ao suicídio
medicamente assistido. Em qualquer dos grupos, as percentagens espelharam as da
Gallup. Portanto, no Kansas, deve a maioria prevalecer neste assunto?
Um médico de
cuidados continuados [hospice] meu amigo sugeriu que Brittany
Maynard devia ter utilizado os cuidados paliativos numa unidade de cuidados
continuados. Reconheceu que não podia garantir uma morte sem dores e sofrimento
mas que aqueles cuidados representam um papel valioso para a dignidade das
pessoas doentes que estão a morrer. De facto, certamente representa e muitas
mortes nessas instituições parecem relativamente pacíficas. É isso que eu e a
maioria dos bioeticistas que conheço defendemos – mais do que alargar o acesso
ao suicídio medicamente assistido. Pode bem ser que a maioria dos americanos
esteja iludida e que o melhor caminho para chegar à morte com dignidade seja
promover cuidados paliativos e cuidados continuados – especialmente para grupos
que não têm acesso a cuidados integrados. Aliás, realmente, para todos nós.
Brittany
e pelo menos 859 outros doentes terminais no Oregon escolheram, nos últimos
cerca de 15 anos, uma via diferente para as suas mortes. Mesmo no Oregon continua a ser
uma hipótese remota, afetando apenas cerca de 3 mortes em 1000. Não os condeno
nem os seus médicos assistentes. A condenação não nos leva a nada de bom.
Exorto antes a um diálogo ético respeitoso e refletido.
Defendo um
melhor planeamento de cuidados avançados, conversas sobre fim de vida mais precoces
entre doentes e os seus médicos, assim como debates mais firmes sobre os
objetivos dos cuidados em contextos de crises de saúde. Parece que são
necessários mais financiamentos públicos de modo a treinar mais médicos de
cuidados paliativos e de unidades de cuidados continuados [hospice]. É necessária mais investigação,
e mais financiamento para investigação, para se avaliar mais rigorosamente os
atuais cuidados prestados a doentes que estão a morrer.
Esta parece-me
a melhor via para a morte com dignidade, não só na nossa terra como em qualquer
lugar.
E a si, que
lhe parece?