Testamento Vital, Corredores e Barreiras
John G. Carney, MEd, President and CEO, Center for Practical Bioethics
Tradução espontânea de Living Wills, Greyhounds and Goalposts
Durante anos, tive curiosidade em saber se as pessoas não entregavam
Diretivas Antecipadas de Vontade e não nomeavam Procuradores de Cuidados de
Saúde por mero adiamento de decisão ou por um falso sentimento de confiança de
que têm muito tempo para tratar disso mais tarde.
A verdade é que, se só se faz quando tem de ser feito, é provável que não
se faça bem. Nomear alguém para nos representar em cima de uma crise pode ser
francamente cruel, nomeadamente quando temos de partilhar muita coisa que é
realmente importante para nós.
Partilhar o que é importante
Que coisas são essas? Bem, são cruciais e monumentais. Podem ser coisas
como saber quão importante é para nós rir, falar, partilhar e mesmo “ser”. Não
se consegue chegar lá quando estamos ligados a sondas de alimentação. Pensemos
por exemplo no que significa partilhar uma refeição. É um meio para alcançar um
fim ou é um fim em si?
Uma vez partilhei uma casa com um amigo solteiro mais velho do que eu e
jurei que em casa ele não cozinharia nada que não viesse numa caixa e pudesse
ir ao micro-ondas. Pela minha parte, comecei a cozinhar sempre usando cebolas e
alho em azeite. A comida tinha, para nós, significados completamente diferentes
e isso tornou-se evidente para mim quando conversámos sobre o início precoce do
Alzheimer do seu pai e vi como ele passou a encarar o tema das sondas de
alimentação quando tal aconteceu no seio da sua família.
Portanto parem de se preocupar com uma sonda em cada orifício! Pensemos
antes sobre a partilha do que acima de tudo queremos – mesmo no fim. Não nos
preocupemos em preencher uma diretiva antecipada (também conhecida como
Testamento Vital) ao ponto de ficarmos paralisados. Em vez disso, dediquemo-nos
a partilhar com alguém que nós amamos, que se interessa pelo que é importante
para nós e que pensa como nós sobre a vida em geral, nomeadamente em fases
finais. Centremo-nos no positivo – os aspetos mais gratificantes da nossa vida.
Não se trata de uma “lista fúnebre” de itens mas antes de partilhar valores e
convicções. O que significam para nós relações, solidão, fé, natureza,
afirmação pessoal, arte, trabalho, música e família?
Quando assim acontecer, peça a essa pessoa para ser o seu Procurador. E
então prometa a essa pessoa que voltará a falar-lhe no prazo de um ou dois anos
– ou se acontecer algo de muito importante na sua vida – desde o nascimento de
uma criança ao diagnóstico de uma doença grave. A vida corre e, enquanto os
nossos desejos e sonhos podem modificar-se, contentemo-nos com o facto de que
os valores – crenças reais sobre a vida e o amor – permanecem os mesmos. Mas
não presuma que mesmo os que nos são muito próximos sabem isso tudo.
Reconhecer Corredores e Barreiras
Ao longo dos anos percebi que há dois síndromos muito importantes com que
todos nós lidamos de modo diferente. Um é o chamado “Síndromo dos Corredores
Velozes” [greyhounds = galgos]. É o fenómeno em que, por vezes, vivemos a grande liberdade do anonimato
de sermos um perfeito desconhecido (num autocarro viajando através do país),
partilhando os nossos pensamentos mais profundos mais livremente do que alguma
vez fizemos com quem partilhamos tudo ao longo da vida. Os voluntários de lares
de idosos podem maravilhar-nos com histórias que ouvem, nunca antes reveladas,
de doentes em fim de vida. Não são necessariamente segredos obscuros do nosso
passado ou sequer tesouros escondidos nunca verbalizados. Algumas são partilhas
valiosas antes da morte; outras são relativas ao funeral. É preciso ver bem o
que é o quê.
O outro síndromo é chamado das “Barreiras” [goalposts = traves
de baliza]. Este fenómeno
acontece quando algumas condições ou estados de saúde futuros podem parecer
inaceitáveis numa dada altura da nossa vida e muito mais aceitáveis noutras
ocasiões. É por isso que preencher quadradinhos e listas em formulários de
Testamento Vital não funciona bem para pessoas em relativa boa saúde. Contudo
os pensamentos, valores e convicções funcionam sempre.
Ter uma conversa sobre cuidados hoje
Decida-se e partilhe as suas histórias com alguém que ama. E, no dia 16 de
abril, no Dia Nacional das Decisões Sobre Cuidados de Saúde, tenha uma conversa
sobre cuidados. Escolha um Procurador. Comece por falar sobre o que mais lhe
interessa e não transforme a discussão em algo deprimente e triste. Pense nisso
como uma dádiva para quem ama, que leve à paz de espírito para eles e para si.
Porque provavelmente assim será – certamente mais provável do que se deixar as
coisas correrem ao acaso. Perto de 85% de nós há de confiar em alguém que torne
conhecidas as nossas vontades.
Pense bem e torne o
que lhe parecia macabro e mórbido num momento maravilhoso e glorioso. Pode
mesmo descobrir qualquer coisa sobre um ente querido que ajude ambos agora e
para sempre.