20 maio 2015

Questões de fim de vida na demência avançada


Canadian Family Physician • Le Médecin de famille canadien | Vol 61: april • avril 2015

Questões de fim de vida na demência avançada
Marcel Arcand

1.ª parte: objetivos dos cuidados, processo de decisão e educação da família
End-of-life issues in advanced dementia. Part 1: goals of care, decision-making process, and family education  ver tradução AQUI

2.ª parte: lidar com ingestão alimentar deficiente, desidratação e pneumonia
End-of-life issues in advanced dementia. Part 2: management of poor nutritional intake, dehydration, and pneumonia  ver tradução AQUI

10 maio 2015

Testamento Vital, Corredores e Barreiras

 

Testamento Vital, Corredores e Barreiras 

John G. Carney, MEd, President and CEO, Center for Practical Bioethics

Tradução espontânea de Living Wills, Greyhounds and Goalposts

Durante anos, tive curiosidade em saber se as pessoas não entregavam Diretivas Antecipadas de Vontade e não nomeavam Procuradores de Cuidados de Saúde por mero adiamento de decisão ou por um falso sentimento de confiança de que têm muito tempo para tratar disso mais tarde.

A verdade é que, se só se faz quando tem de ser feito, é provável que não se faça bem. Nomear alguém para nos representar em cima de uma crise pode ser francamente cruel, nomeadamente quando temos de partilhar muita coisa que é realmente importante para nós.

Partilhar o que é importante

Que coisas são essas? Bem, são cruciais e monumentais. Podem ser coisas como saber quão importante é para nós rir, falar, partilhar e mesmo “ser”. Não se consegue chegar lá quando estamos ligados a sondas de alimentação. Pensemos por exemplo no que significa partilhar uma refeição. É um meio para alcançar um fim ou é um fim em si?

Uma vez partilhei uma casa com um amigo solteiro mais velho do que eu e jurei que em casa ele não cozinharia nada que não viesse numa caixa e pudesse ir ao micro-ondas. Pela minha parte, comecei a cozinhar sempre usando cebolas e alho em azeite. A comida tinha, para nós, significados completamente diferentes e isso tornou-se evidente para mim quando conversámos sobre o início precoce do Alzheimer do seu pai e vi como ele passou a encarar o tema das sondas de alimentação quando tal aconteceu no seio da sua família.

Portanto parem de se preocupar com uma sonda em cada orifício! Pensemos antes sobre a partilha do que acima de tudo queremos – mesmo no fim. Não nos preocupemos em preencher uma diretiva antecipada (também conhecida como Testamento Vital) ao ponto de ficarmos paralisados. Em vez disso, dediquemo-nos a partilhar com alguém que nós amamos, que se interessa pelo que é importante para nós e que pensa como nós sobre a vida em geral, nomeadamente em fases finais. Centremo-nos no positivo – os aspetos mais gratificantes da nossa vida. Não se trata de uma “lista fúnebre” de itens mas antes de partilhar valores e convicções. O que significam para nós relações, solidão, fé, natureza, afirmação pessoal, arte, trabalho, música e família?

Quando assim acontecer, peça a essa pessoa para ser o seu Procurador. E então prometa a essa pessoa que voltará a falar-lhe no prazo de um ou dois anos – ou se acontecer algo de muito importante na sua vida – desde o nascimento de uma criança ao diagnóstico de uma doença grave. A vida corre e, enquanto os nossos desejos e sonhos podem modificar-se, contentemo-nos com o facto de que os valores – crenças reais sobre a vida e o amor – permanecem os mesmos. Mas não presuma que mesmo os que nos são muito próximos sabem isso tudo.

Reconhecer Corredores e Barreiras

Ao longo dos anos percebi que há dois síndromos muito importantes com que todos nós lidamos de modo diferente. Um é o chamado “Síndromo dos Corredores Velozes” [greyhounds = galgos]. É o fenómeno em que, por vezes, vivemos a grande liberdade do anonimato de sermos um perfeito desconhecido (num autocarro viajando através do país), partilhando os nossos pensamentos mais profundos mais livremente do que alguma vez fizemos com quem partilhamos tudo ao longo da vida. Os voluntários de lares de idosos podem maravilhar-nos com histórias que ouvem, nunca antes reveladas, de doentes em fim de vida. Não são necessariamente segredos obscuros do nosso passado ou sequer tesouros escondidos nunca verbalizados. Algumas são partilhas valiosas antes da morte; outras são relativas ao funeral. É preciso ver bem o que é o quê.

O outro síndromo é chamado das “Barreiras” [goalposts = traves de baliza]. Este fenómeno acontece quando algumas condições ou estados de saúde futuros podem parecer inaceitáveis numa dada altura da nossa vida e muito mais aceitáveis noutras ocasiões. É por isso que preencher quadradinhos e listas em formulários de Testamento Vital não funciona bem para pessoas em relativa boa saúde. Contudo os pensamentos, valores e convicções funcionam sempre.

Ter uma conversa sobre cuidados hoje

Decida-se e partilhe as suas histórias com alguém que ama. E, no dia 16 de abril, no Dia Nacional das Decisões Sobre Cuidados de Saúde, tenha uma conversa sobre cuidados. Escolha um Procurador. Comece por falar sobre o que mais lhe interessa e não transforme a discussão em algo deprimente e triste. Pense nisso como uma dádiva para quem ama, que leve à paz de espírito para eles e para si. Porque provavelmente assim será – certamente mais provável do que se deixar as coisas correrem ao acaso. Perto de 85% de nós há de confiar em alguém que torne conhecidas as nossas vontades.

Pense bem e torne o que lhe parecia macabro e mórbido num momento maravilhoso e glorioso. Pode mesmo descobrir qualquer coisa sobre um ente querido que ajude ambos agora e para sempre.

01 maio 2015

Sedação paliativa


Sedação paliativa
Tradução espontânea de 2 textos encontrados em Gènétique1ersite d’actualité bioéthique, de 2015.

Em Portugal a Sedação paliativa está prevista na Lei n.º 31/2018, de 18 de julho, que a define como um dos «direitos das pessoas em contexto de doença avançada e em fim de vida»

A SEDAÇÃO "É UMA PARALISIA, NÃO UM SONO" 
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Sylvain Pourchet, antigo diretor da Unidade de Cuidados Paliativos do Hospital Paul-Brousse em Villejuif, foi entrevistado pelo Ouest-France sobre o novo direito à sedação profunda e contínua criado pela proposta de lei Leonetti-Claeys. Sylvain Pourchet começa por limitar o debate ao precisar que o fim de vida não é sinónimo de sofrimento e que "a agonia não é forçosamente dolorosa". Recordou igualmente que "é natural morrer" e que morrer não é, em si, uma doença. À pergunta de se saber se a sedação é uma boa solução para evitar que o doente sofra no fim de vida, responde: "Não pensem que o fim de vida é doloroso e que o seu tratamento é a sedação. As coisas não são assim", pois a sedação "é uma paralisia, não um sono". A sedação pode ser utilizada quando se esgotaram "todas as outras formas de tratamento – suficientes na maioria das situações". Sylvain Pourchet especifica que a sedação nada consegue contra os sofrimentos existenciais, pelo contrário. "A sedação interrompe a relação. Ora, a relação é o melhor tratamento da angústia." A sedação como resposta única vira-se contra os doentes em fim de vida. "Quando pensamos resolver tudo apenas com um medicamento, impedimos a procura de soluções melhores, as mais adequadas ao doente e à sua situação."

Na proposta de lei Leonetti-Claeys está também prevista a criação de um direito a diretivas antecipadas exequíveis. A associação destes dois novos direitos tem por consequência tornar possível a prescrição de um tratamento (sedação) sem "bases médicas" (na vontade do doente). Para Sylvain Pourchet, se cabe ao médico "ratificar" um direito do doente e não é precisa a competência médica, "por que terá o médico de ser chamado?" A entrevista conclui com um apelo cheio de sabedoria: "O direito fundamental do doente não é o de prescrever o seu medicamento mas o de ser tratado o melhor possível em quaisquer circunstâncias".


O GRANDE MAL-ENTENDIDO DA "MORTE A DORMIR" 
ver original AQUI

O semanário Famille Chrétienne dedica o dossiê desta semana ao fim de vida e à proposta de lei Leonetti-Claeys, que passou na comissão em 17 de fevereiro e será discutida pelos deputados a 10 de março.

Por que é que a "sedação contínua e profunda até ao falecimento" põe problemas?

A proposta de lei Leonetti-Claeys introduz uma nova prática de sedação que põe numerosas questões éticas – a "sedação contínua e profunda até ao falecimento". Se, enquanto for intermitente, "a sedação é um gesto de bom tratamento pois é reavaliada continuadamente", refere o Dr. Pascale Vincent [1], a sedação contínua priva o doente das suas capacidades relacionais e da sua autonomia. Além disso, a sua intenção não é clara. "Estamos na fronteira da eutanásia", comentou a Dr.ª Blanchet [2]. E o Dr. Gomas [3] confirmou que "muitos doentes veem já o seu fim de vida acelerado por sobredosagens". "Para uma grande parte das equipas de cuidados intensivos, a proposta de lei Leonetti-Claeys contribui para a confusão entre sedação e eutanásia", segundo a análise do semanário. Sendo certo que a prática da sedação é mais controlada em serviços especializados do que em equipas móveis e em serviços sobrecarregados, o risco de sedações excessivas e da sua generalização é bem real.

A "morte a dormir" é um bem?

Adormecer um doente não causa morte imediata. O Dr. Gomas chama a atenção para o que a proposta de lei não tem em conta: "mesmo quando se interrompem todos os tratamentos, inclusive a alimentação e a hidratação, se o doente não se deixa ir, este pode sobreviver dias e dias". [4] "No final de contas, quem adormecemos com este novo direito? O doente? A morte? Os que pedem eutanásia? As suas famílias? Ou será toda a sociedade?" pergunta o jornal. Segundo a Dr.ª Blanchet, "fazer crer que a morte ideal é uma morte a dormir é um fantasma". Fazer crer ao doente que ele pode dominar a sua morte com uma última "automedicação" é um engano, dada a situação de fragilidade psicológica no limiar da sua vida.

Jean Leonetti ficou aprisionado neste "novo direito"?

Em fevereiro de 2012, Jean Leonetti afirmou que "hoje em dia, na França, a lei sobre o fim de vida define os limites até onde se pode ir sem conceder voluntariamente a morte". Ir além da lei de 2005 seria "ultrapassar a linha vermelha". Então o que se passou para JeanLeonetti aceitar redigir uma proposta de lei com Alain Claeys? Diz-se que está atormentado pelo caso Hervé Pierra, o jovem que faleceu em 2006. Jean Leonetti reconhece que a sedação pode ser "ambígua" e que " pode ser estreita a fronteira" com a eutanásia. Fez saber que se o teor da sua proposta de lei for alterada pela maioria, não quererá mais ser seu relator e que depois essa lei "ficará sem mim". Alguns deputados deram a entender que Jean Leonetti está condicionado pelo governo. "Foi bem jogado", reconheceu Philippe Gosselin (UMP, Manche) pois Jean Leonetti chamou a atenção da Assembleia para o facto de a sua precedente lei ter sido votada por unanimidade. Para Jean-Frédéric Poisson (UMP, Yvelines) "tentar encontrar um compromisso é entrar na lógica da maioria", pois "sabemos que se a esquerda se distanciar do seu pensamento, ele votará contra, segundo me disse". Por outro lado, Véronique Besse (Vendée), com cerca de 80 deputados, apresentou uma proposta de lei para o desenvolvimento de cuidados paliativos que recusa "o adormecimento definitivo como única solução".

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[1] O Dr. Pascale Vincent é responsável da equipa de cuidados paliativos do hospital Cochin.
[2] A Dr.ª Véronique Blanchet é especialista em dor e cuidados paliativos dos Hospitais universitários Est Parisien-Saint-Antoine.
[3] O Dr. Jean-Marie Gomas é médico coordenador da unidade funcional "dores crónicas – cuidados paliativos" no hospital Sainte-Périne (Paris).
[4] Cf. Vincent Lambert que sobreviveu 31 dias à primeira tentativa de eutanásia da sua equipa médica em maio de 2013.