10 março 2015

Decisão Histórica Legaliza Polémico Tratamento da Fertilidade


Notícias em Contexto: No Reino Unido, Decisão Histórica Legaliza Polémico Tratamento da Fertilidade

tradução espontânea de 

Uma controversa técnica de procriação assistida tornou-se legal pela primeira vez no mundo no dia 24 de fevereiro na sequência do voto de ambas as câmaras do parlamento do Reino Unido. Embora a decisão apenas afete por agora o Reino Unido, ela tem implicações internacionais. A técnica, designada transferência do ADN mitocondrial, poderá prevenir a transmissão de certas doenças raras e talvez usar-se em certas causas de infertilidade. É por vezes também designada como “Fertilização in vitro de três pessoas” pois usa o material genético de três pessoas.

O que é? A técnica procura prevenir a transmissão de doenças hereditárias causadas por defeitos no ADN (material genético) das mitocôndrias – estruturas do interior das células [mas fora dos seus núcleos] que convertem os nutrientes em energia que as células utilizam. Esses defeitos, que se transmitem das mães para os filhos, podem causar perda da coordenação muscular, problemas visuais ou auditivos, atraso mental e outros problemas sobretudo no cérebro, coração e músculos. Calcula-se que, todos os anos, entre 1.000 e 4.000 bebés nascem com doenças das mitocôndrias nos EUA, segundo a Fundação Americana das Doenças das Mitocôndrias. Estas doenças têm várias causas, sendo apenas que algumas são causadas por defeitos do ADN mitocondrial. Espera-se que esta tecnologia possa ser usada para prevenir doença mitocondrial em alguns bebés que não têm outro meio de deixarem de ser afetados.

A transferência do ADN mitocondrial é uma técnica que obriga à fertilização in vitro. É retirado um óvulo da mãe e espermatozoides do pai mas, ao contrário da FIV convencional, a técnica utiliza também ADN mitocondrial do óvulo de uma dadora sem defeitos mitocondriais. Numa versão da transferência mitocondrial, o núcleo do óvulo da dadora é substituído pelo núcleo do óvulo da futura mãe. O núcleo contém a maioria da informação genética do óvulo. Este óvulo é então fertilizado pelos espermatozoides do futuro pai. Outro método começa por fertilizar o óvulo da mãe e o óvulo da dadora com os espermatozoides do pai e, de seguida, substitui-se o núcleo da dadora pelo núcleo da mãe. Seja qual for a via, o embrião resultante fica com ADN nuclear dos futuros mãe e pai e com ADN mitocondrial do óvulo dador.

Por que é polémico? Há perguntas por responder sobre a segurança desta tecnologia nas crianças geradas. Entre essas perguntas está a de se saber se a tecnologia por si mesma poderá causa alterações genéticas ou epigenéticas no embrião ou, de algum modo, causar-lhe danos, e a de saber se o ADN das três partes pode ser incompatível.

Estas questões de segurança comportam também dilemas éticos. Como manter o equilíbrio entre diferentes valores – neste caso, por exemplo, proporcionar a uma mulher com defeitos no seu ADN mitocondrial o benefício de ter uma criança geneticamente relacionada consigo face ao possível risco de uma criança gerada deste modo mas lesada pela própria tecnologia?

Contudo, muito do debate ético passa-se fora da esfera da segurança e, pelo contrário, centra-se naquilo que alguns veem como uma linha vermelha que foi ultrapassada. Ao contrário de outras técnicas de reprodução humana medicamente assistida, a transferência do ADN mitocondrial altera a linha germinativa do embrião, significando que o ADN mitocondrial da dadora passa da criança para as subsequentes gerações. Algumas pessoas opõem-se a este tipo de alteração genética acreditando que excede o papel que cabe aos seres humanos na procriação e, afinal, na evolução. Os críticos também se preocupam por esta técnica poder, no futuro, levar à produção de “bebés desenhados” – crianças que não são apenas isentas de doenças genéticas graves mas cujos genes foram alterados para obter determinadas caraterísticas pessoais, como uma certa cor dos olhos ou uma superior inteligência, que possam ser definidas. Outros consideram estas preocupações exageradas. Apesar de tudo, as mitocôndrias da dadora apenas contribuem com 37 genes para a criança, enquanto os pais contribuem com mais de 20.000.

Quais os próximos passos? A histórica decisão do Reino Unido está destinada a ter implicações noutros países que consideram legalizar a transferência de ADN mitocondrial, nomeadamente os EUA. A pergunta está em saber se outros países estão prestes a seguir o rumo do Reino Unido. Desde 1990, no Reino Unido, a lei obriga a que todas as pessoas que pretendem manipular óvulos, espermatozoides e embriões obtenham licença de uma autoridade reguladora.

Agora, essa autoridade será encarregada de emitir licenças a investigadores para desenvolverem estas técnicas e que desejam iniciar ensaios clínicos para avaliar as respetivas segurança e efetividade. A técnica não estará desde já disponível fora do contexto da investigação no Reino Unido.

Nos EUA um processo semelhante está a fazer o seu caminho e a Administração Alimentar e Farmacêutica (FDA) aprecia um pedido de um investigador para iniciar ensaios clínicos sobre a técnica. A FDA fez há um ano uma audição pública na sequência deste pedido e pediu ao Instituto de Medicina (IOM) um relatório sobre as implicações éticas e políticas da tecnologia. A primeira reunião do IOM foi em janeiro deste ano e a próxima reunião será em março.

“As regras no Reino Unido parecem razoáveis”, disse Josephine Johnston, a diretora de investigação de The Hastings Center que estuda as implicações éticas da procriação assistida. “O Reino Unido tem um processo bem desenvolvido, que inclui consultas públicas, para a regulação e supervisão da criação e condução de tecnologias da reprodução. O voto parlamentar sobre as regras propostas é o passo final de um processo que começou há sete anos. Os EUA podem aprender muito com este processo de deliberação aberto e cuidadoso.”

“Teremos ainda de ver se, permitir a manipulação genética do embrião neste caso, abre as portas a outros pedidos de alteração das caraterísticas das futuras crianças”, acrescentou Johnston. “Em vez de assumir que todas as tentativas de manipular os genes de um embrião são problemáticas, a minha esperança é que continuemos a avaliar cuidadosa e criticamente todos os desenvolvimentos da tecnologia reprodutiva, sem esquecer o debate público sobre as suas implicações para as crianças e famílias, assim como para valores tão amplos como a liberdade e a igualdade”. Johnston expôs as suas opiniões numa entrevista em Frontline Medical News.