Apelo a uma
liderança moral
“Sou um homem invisível. Não, não
sou um fantasma como os de Edgar Allen Poe, nem sequer um desses ectoplasmas de
Hollywood. Sou um homem com substância, de carne e osso, fibra e líquidos – e
devo dizer que também penso. Sou invisível apenas porque as pessoas se recusam
a ver-me” – Ralph Ellison
O famoso
romance de Ralph Ellison, O
Homem Invisível, começa
com esta passagem que me faz lembrar o problema da dor crónica. O relatório do Institute of Medicine (IOM), “Combater a Dor na América”, documentou
que mais de 100 milhões de americanos (quase 1 em cada 3 e, certamente, alguém
que conheces ou de quem gostas) sofre de dor crónica, com um custo económico de
6 mil milhões de dólares e custos psicológicos incalculáveis. Chamamos “doença”
à dor por causa dos seus profundos efeitos no cérebro e da sua intromissão em múltiplos
domínios da qualidade de vida dos afetados. A comissão identificou a dor crónica
como um problema de saúde pública, tendo em conta os números absolutos citados e
as possibilidades de evitar que a dor aguda se transforme em dor crónica.
Contudo, o relatório já tem quatro anos e, é justo dizer, não mudou o rumo das
coisas como ali era pedido – “mudar o modo como se considera, vê e lida com a
dor”. Por que é assim?
Porque a
dor é subjetiva – e isso dificulta ser medida por testes médicos habituais –
ela é frequentemente posta em dúvida. Como disse alguém, a minha dor é real e
da tua duvido. Igualmente, vivemos uma grande ambivalência cultural sobre a
dor. Os ícones culturais como Júlio César e Albert Schweitzer são citados por terem
dito que a dor é pior do que a morte, mas há também um etos em que “o que arde, cura”. As intervenções médicas,
nomeadamente os poderosos fármacos opioides como a morfina e a oxicodona, embora
essenciais para lidar com a dor aguda e persistente, acarretam o custo de
muitos efeitos colaterais e podem induzir dependência psicológica em algumas
pessoas. As pessoas com dores e os seus médicos temem a dependência dos
opioides embora não saibamos verdadeiramente qual o risco dessa dependência em
pessoas que não tenham abusado de drogas ilícitas ou recreativas. Por essas e
outras razões, tanto individualmente como na sociedade, preferimos ignorar o
problema da dor crónica… exceto quando nos confrontamos com ela nas nossas
vidas pessoais.
Então, como
compaginar o imperativo moral de combater a dor e o sofrimento na nossa prática
médica contemporânea, como nos dizem os códigos éticos e os juramentos
profissionais? Como trazer para a luz o sofrimento invisível de tantos e como
trabalhar para o aliviar? Penso que nos devemos empenhar em cinco grandes
objetivos:
1. Defendemos mais e melhor ciência para
compreender a neurociência subjacente à origem e variabilidade da dor. Isto
exige pressão sobre o Ministério da Saúde e outras agências nacionais para que
financiem justamente estudos relacionados com os mecanismos da dor e ensaios clínicos
de tratamentos da dor.
2. Defendemos mais e melhor progresso farmacêutico,
incluindo a criação de formulações dissuasoras de abuso de opioides e de novos
analgésicos não-opioides. Isto exige pressão para que haja parcerias público-privadas
eficazes entre a indústria farmacêutica, as universidades e as agências
oficiais.
3. Defendemos e pedimos melhor educação dos
profissionais de saúde para que cumpram as suas obrigações de modo competente e
tratem a dor e o sofrimento dos seus doentes. Também defendemos melhor educação
pública de modo a que as pessoas com dor crónica compreendam que isso é uma
doença e que não aceitem ilusões.
4. Defendemos e pedimos melhores soluções
políticas que proporcionem programas de tratamento da dor sustentáveis,
centrados nos doentes e dirigidos realmente às necessidades dos doentes e dos
seus cuidadores.
5. Finalmente, precisamos da colaboração
efetiva numa agenda partilhada entre especialistas em dor e especialistas em
dependências para exigir cuidados abrangentes, centrados na reabilitação,
dedicados à dor crónica e maior
acesso a tratamentos de dependência de substâncias para as pessoas que têm o
diagnóstico duplo de dor crónica e dependência.
É o que
penso. O que pensas tu?