30 dezembro 2006

Carlos Ribeiro - Discrição e Serenidade

Discrição e Serenidade” in A Vida Modo de Conhecer, pp. 127-8

Sociedade Portuguesa de Cardiologia (2006). 

O Professor Carlos Ribeiro é, para mim, o meu Bastonário.

Na condição de vogal do Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos no mandato de 1996-1998 venho dar testemunho sobre o meu Bastonário. Não o conhecia quando aceitei participar nessa larga equipa que se apresentou sem opositores à direção da nossa associação profissional nacional, dando sequência à vivência do mandato Santana Maia.

Recordo que, quando nos unimos à volta do Professor Carlos Ribeiro, o seu nome foi o elemento fulcral para a coesão e para uma aceitação generalizada e limpa de preconceitos politico-partidários ou sindicais.

O meu Bastonário demonstrou ser, no exercício das suas funções, o mentor da discrição e da serenidade que o lugar exige. Soube ser firme nas negociações que teve com o poder político. Coordenou com especial habilidade os diversos órgãos da complexa organização que é a Ordem. Era um Senhor (a palavra Gentleman parece mais demonstrativa do que quero significar) na forma como lidava com qualquer de um de nós.

Pessoalmente devo-lhe uma palavra especial de apreço pela forma como apoiava as nossas propostas relacionadas com o programa de edificação e organização da Casa do Médico e a ideias que desenhámos sobre o Fundo de Solidariedade.

O Professor representa o modelo do que eu então preconizava para a Ordem dos Médicos – uma organização profissional com três pilares: (i) um conjunto de colégios de especialidades com funções de garantia da qualidade técnica do exercício profissional, (ii) uma associação de defesa dos interesses corporativos com finalidades supletivas, por exemplo no apoio dos seus elementos na doença e velhice e (iii) uma estrutura disciplinar capaz de garantir o respeito pelos deveres profissionais e o castigo dos que não merecem o título que usam.

Infelizmente, não conseguimos levar por diante um tal desiderato. Mas a culpa não foi nossa nem dos que nos sucederam. A principal razão, vejo-a cada vez com mais clareza, é que é impossível. Juntar num mesmo organismo estas três vertentes essenciais à boa prática da Medicina, para mais numa associação de inscrição obrigatória em que as equipas dirigentes não conseguem deixar de ter horizontes condicionados pelos resultados eleitorais, é inviável. Para dificultar este “triângulo das Bermudas” há ainda a emergência pública de certo tipo de figuras de cariz populista que, pelo seu perfil e carácter, só nos podem levar a, ainda mais, admirar a figura do meu Bastonário.

Foi com orgulho que, sem ter sido seu aluno e mau conhecedor do seu perfil de docente, assisti à sua “Última Lição” na Faculdade de Medicina de Lisboa em 1996. Sabia – e reconheço-o agora melhor – que nem era a última nem era a melhor.

Obrigado, meu Bastonário.