– É sabido que uma opinião
maioritária não é garantia de ser a mais correta.
– Concordo, mas um órgão
deliberativo tem forçosamente de tomar decisões por maioria dos seus membros –
estou a lembrar-me do Parlamento…
– E do coletivo de um Tribunal. E um órgão consultivo também aprova Pareceres
por maioria.
– Claro. Em qualquer caso, pode
acontecer que as opiniões minoritárias sejam afinal as melhores. É aí que
queres chegar?
– Não. Estava a lembrar-me que
uma opinião maioritária num órgão pode ser minoritária noutro, como se
estivesse certa num lado e errada noutro…
– Talvez seja por isso que há as
declarações de voto de vencido. Estou a lembrar-me de que o projeto de lei para
a despenalização da ajuda médica à morte provocada a pedido do doente gerou uma
maioria parlamentar que o aprovou e teve um Parecer desfavorável do Conselho
Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV).
– Já o Tribunal Constitucional,
chamado a pronunciar-se sobre um ponto específico da Lei, declarou por maioria
que essa formulação precisava de ser corrigida. Ora, li ontem que uma voz do
CNECV, integrada na sua posição maioritária, lamentando que os deputados não
tenham acolhido as recomendações do órgão consultivo, desejou que aproveitassem
a devolução do projeto para o melhorarem.
– Os argumentos do Tribunal
centram-se numa questão pontual de natureza semântica e julgo que é nesse ponto
que o Parlamento vai focar-se. O Parecer votado no CNECV não refere a questão
do sofrimento, embora o relatório que o precede até o considere como
indefinível. Aparentemente, a questão é poder haver interpretações divergentes
da alínea f) do artigo 2 da Lei (define “Sofrimento de grande intensidade” como
“o sofrimento físico, psicológico e espiritual”).
– Afigura-se-me que o legislador
pretendeu considerar o “sofrimento de grande intensidade” como aquele que
congrega as três qualificações referidas, caso contrário, teria de admitir que
se atendesse um pedido de morte medicamente ajudada em situações de depressão ‘pura’,
o que não condiz com o conjunto do texto da Lei.
– Deixa-me, a este propósito, recordar
o que disse na minha declaração de voto minoritário referente ao Parecer do
CNECV. «Todos sabemos que em Saúde e, especialmente, no exercício da Medicina
não é possível desenhar soluções para todos os dilemas e problemas
garantidamente certas e limpas de incertezas, nomeadamente os que têm dimensão
ética. O recurso a algoritmos, com ou sem apoio em técnicas de inteligência
artificial, (ainda) não permite elaborar leis e normas perfeitas e sempre
haverá possibilidade de as melhorar.»
– Compreendo. O que temo é que,
mesmo que o Parlamento faça uma alteração ‘cirúrgica’, apenas centrada na
dúvida do Tribunal, possa a assinatura promulgadora da Lei voltar a ser adiada
por pedido de nova pronúncia pelo Tribunal sobre novas dúvidas. Iremos assistir
a um pingue-pongue interminável, uma estratégia concertada de uma minoria para desconvencer
uma maioria?