31 dezembro 2019

Nunca chegaremos ao horizonte!

 

in «D'Aquém e D'Além do Horizonte - Vinte anos de história», de Ana Macedo Sardinha
ed. APMGF - ass. port. med. geral e familiar, 2019

Quando nos deslocamos em direção ao horizonte outra linha se desenha mais adiante. 
Novos horizontes são afinal o indicador de que a caminhada nunca acaba.

Quando, no final do século XX, alguns imaginaram uma nova forma de cuidar diariamente da saúde dos seus concidadãos, sabia-se que o caminho não teria fim. Mesmo assim, lançaram-se ao trabalho e arriscaram.
Contra ventos e marés, as unidades de saúde familiar provaram ser a melhor forma de organizar a assistência primária às populações, numa base celular com características de proximidade novas no SNS.
Enquanto especialista hospitalar não posso pronunciar-me em detalhe sobre o caminho das USF mas posso testemunhar a diferença sentida no relacionamento com os cuidados primários – os nossos ‘fornecedores’. Enquanto utente aposentado sinto essa diferença na pele e frequentemente me chegam notícias de familiares e amigos referindo quão positiva ela é.
O pioneirismo da USF Horizonte resulta de uma (e resulta numa) postura ética que se consubstancia, sem margem para dúvidas, numa cultura que fez escola. Chegam-nos com frequência ecos da atenção que os seus profissionais prestam às questões delicadas da prática clínica (confidencialidade, privacidade, respeito), assim como não nos escapam notícias do seu profissionalismo (sobriedade, competência, honestidade).
Por ser verdade e me ser pedido, associo-me gostosa e sinceramente às comemorações do vigésimo aniversário da USF Horizonte, merecedora de felicitações calorosas e de votos de que continuem o seu caminho, caminhando.

Porto, primavera de 2019

[neurologista aposentado, eticista amador, parceiro de múltiplas atividades com vários membros da equipa da “Horizonte”]

02 dezembro 2019

O livro que mais me tocou

Depoimento feito não sei porquê, não sei para onde, não sei bem quando.  

Adoro romances! Desde muito novo, aí pelos 16-17 anos, tive várias paixões literárias que me afastavam o sono em compulsivas leituras noturnas, receando que luz do quarto chamasse a atenção dos pais.

Continuo a gostar de romances e, ao longo da vida, alguns tocaram-me muito. Torna-se difícil dizer qual destacaria entre todos até hoje. Seria injusto não referir o MEMORIAL DO CONVENTO, de JOSÉ SARAMAGO [1922], porque me fez quebrar uma promessa solene: nunca mais voltar a Mafra onde sofrera fortemente as humilhações próprias da formatação para uma guerra odiada. Não mais esqueci, também, da CASA GRANDE DE ROMARIGÃES onde percebi a densidade e a beleza da escrita de AQUILINO RIBEIRO [1885-1963]. Ou então, quando, já interessado na política, voltei atrás e me diverti com O CONDE D’ABRANHOS, de EÇA DE QUEIRÓS [1845-1900], uma prosa de que ninguém me tinha falado no liceu do antigamente. Das noitadas de leitura juvenil, retenho os livros de JORGE AMADO [1912-2001] e os best-sellers de IRVING WALLACE [1916-1990] – uma espécie de DAN BROWN [1964] na época.

Mas, já que devo mencionar apenas um, escolho a ENSEADA AMENA. Aliás, escolhendo esse livro, escolho toda a obra de AUGUSTO ABELAIRA [1926-2003] já que, pelo menos assim me parece, todos os seus livros são a continuação uns dos outros. Abelaira, tão injustamente pouco conhecido, consegue nos seus romances uma maravilhosa forma de nos mostrar a vida como ela é, com belíssimos recuos e avanços cinematográficos na caracterização da realidade.

Os romances, para além de muito contribuírem para a formação de quem os lê, são também fonte incontornável do culto da língua pátria. Esse é aliás o gozo e o mérito da literatura ficcional.

Livro médico

Escolho, entre os livros mais marcantes da área profissional, O MÉDICO, O SEU DOENTE E A DOENÇA, de MICHAEL BALINT [1896-1970], que li demasiado tarde na minha vida de médico. Tivera eu conhecido os seus ensinamentos no início da profissão e, certamente, teria sido melhor médico. Muito do que ele ensina (e muito do que se aprende abrindo as portas que ele mostra existirem no relacionamento com os doentes e as doenças) é afinal algo que todos fomos aprendendo, por vezes à custa de tantos erros e frustrações. Independentemente dos méritos dos grupos de autoajuda que seguem a metodologia preconizada por Balint, pretendo com esta escolha realçar a importância, tantas vezes menosprezada, da relação, ela própria, na atitude terapêutica dos médicos.