Médico aposentado sem atividade clínica, autoexcluído de intervenções públicas, septuagenário saudável, não resisto a vir a terreiro como subscritor único de um manifesto que julgo pode merecer a concordância de muitos profissionais de saúde no ativo.
Não
esqueço, ao fazê-lo, que fui cofundador de um sindicato dependente dos médicos
nos anos 80, de que ainda sou o seu associado número 1. Sem filiação partidária
há mais de 20 anos, não escondo a minha preferência pelo lado esquerdo da
política. Posto isto, dou corpo ao manifesto.
Considerando
que os profissionais da saúde têm uma responsabilidade social específica e
elevada, a qual implica repercussões na vida das pessoas a que assistem;
Considerando
que o recurso à greve é (ou deve ser) a última instância para obter justiça
(salarial ou outra) nas relações com a entidade patronal;
Considerando
que qualquer greve tem por objetivo obrigar a entidade patronal a preferir
ceder (ainda que parcialmente) em vez de sofrer os prejuízos causados pela sua
realização;
Considerando
que, no caso do Serviço Nacional de Saúde, os potenciais prejuízos de uma greve
recaem sempre na saúde e na vida dos seus utilizadores;
Considerando
que as instituições de saúde e, em especial, o Ministério da Saúde frequentemente
invertem o ónus dos prejuízos para os sindicatos;
Considerando
que é eticamente insustentável submeter pessoas terceiras a potenciais danos
como forma de luta sindical;
Proponho que os
profissionais de saúde, através dos seus representantes sindicais, (1) anunciem
uma moratória do recurso à greve; (2) afirmem prescindir desse direito, ao qual
não deixarão de recorrer em situação extrema de óbvia e continuada
intransigência da contraparte; (3) inventem campanhas expeditas e novas de
transmitir aos utilizadores dos serviços de saúde as suas razões (distribuição
de folhetos nas consultas, exames e tratamentos, carimbar receitas e relatórios
com frases-choque, demonstrar publicamente a viabilidade e a justeza das
reivindicações, envergonhar os gestores incompetentes nos meios de comunicação
social, usar bandas negras nas batas brancas, reafirmar insistentemente que a
greve está suspensa por respeito aos doentes); (4) façam tudo o que é
legitimamente possível para que os políticos prefiram ceder negocialmente a
perder votos.
Estou certo
que, com uma tal “bofetada de luva branca”, se conseguiria obter o apoio generalizado
daqueles que são a razão última do nosso trabalho.
Tenho, ainda, em consideração que não há momento ideal
para um tal anúncio. Acredito, contudo, que nunca surgirá em tempos de paz e
convenço-me que terá grande impacto em dias de conflito.