Quem muito criticou este parecer errou o alvo e que quem muito o elogiou, como algumas autoridades, afinal não o seguiu.
O
Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida propôs, no seu Parecer n.º 64/2012, um modelo de decisão para o financiamento do custo dos medicamentos.
As pessoas lá em casa precisam de perceber que o referido parecer apontava para
a transparência como bem fundamental.
Na
verdade, se os recursos financeiros são limitados, importa que, antes das decisões,
as pessoas lá em casa acreditem que há critérios justos. Ou seja, não é o médico
sozinho perante um doente quem deve decidir se trata com A ou com B. Tem de
haver regras definidas com antecedência, elaboradas por pessoas competentes,
sem interesses comerciais, e que sejam aceites por pessoas de boa-fé. O modelo
do parecer do CNECV propunha que a fase clínica fosse assumida por "médicos,
investigadores das ciências da vida e da saúde da área e comissões de farmácia
e terapêutica em rede. [Onde] todos os envolvidos têm de fazer a respetiva
declaração de conflito de interesses, de forma clara e com acesso público."
Também, entre outras, havia a recomendação de que "em todos os protocolos
ou normas de orientação clínica (…) o direito à exceção, devidamente fundamentada,
deve estar contemplado (tal como a penalização da exceção não fundamentada)".
Defendia-se a abordagem chamada “responsabilidade com razoabilidade” (“accountability for
reasonableness” –
para a multidão de leitores do Público viciada em termos ingleses).
As
pessoas lá em casa precisam de saber que quem muito criticou este parecer errou
o alvo e que quem muito o elogiou, como algumas autoridades, afinal não o
seguiu. Os critérios para admissão ao novo tratamento da hepatite C, que
excluiu alguns doentes, foram fixados pelo Infarmed, mas, viu-se, foi criticado
pelos médicos no terreno. As pessoas lá em casa precisam perceber quem são os
autores dos critérios e quais as suas declarações de interesses e não os
encontram no sítio eletrónico do Infarmed. Assim como era bom saber as declarações
de interesse dos críticos. Se alguns recebem verbas da farmacêutica que
comercializa o antivírus a título de consultoria – o que em si não é pecado –
as pessoas lá em casa precisam de saber.
Os
novos tratamentos e os que ainda hão de aparecer são muitíssimo caros, mas as pessoas
lá em casa precisam de saber que os seus fabricantes podem ser travados na sua ganância…
quando há ganância. Por exemplo, a legislação europeia prevê a declaração de
invalidade da patente de um produto quando haja motivos de saúde pública e impasse
nas negociações. Infelizmente não se criaram as condições para que o CNECV, apesar
de instado oficialmente em dezembro, se pronunciasse sobre a sustentabilidade ética
do acionar desse mecanismo. As pessoas lá em casa precisavam de perceber por que
razão isso aconteceu, pois, embora o mandato deste órgão consultivo
independente tenha terminado em julho passado, enquanto outro não tomar posse,
deveria ter ocorrido uma convocatória extraordinária.
Declaração de interesses: o autor foi neurologista e está aposentado, sem atividade clínica desde 2005; não tem qualquer relação com qualquer firma da indústria farmacêutica; é membro cessante do CNECV e foi correlator, com a professora Ana Sofia Carvalho, do Parecer n.º 64/2012.