Tradução espontânea do texto
Keeping Patients Alive
a Few Weeks More: Is It Futile Care?
[ver também Futilidade terapêutica]
Futilidade. Em que pensam mesmo os médicos quando fazem algo que acham ser fútil? “Futilidade”, para mim, é considerar que um tratamento ou uma intervenção não produzem qualquer benefício.
A Medscape acaba de realizar um estudo junto
de 24000 médicos e apenas 25% disseram que não promoveriam intervenções fúteis.
Uma percentagem muito significativa, mais de 30%, disseram que o fariam. Os
restantes inquiridos disseram que poderiam fazer, dependendo das
circunstâncias. Estamos perante achados impressionantes porque entendemos a
futilidade como um “não-benefício”, tanto do ponto de vista da ética como da prática médica. Então por que
se fazem coisas que não são benéficas para o doente?
Uma das razões para a diversidade das
respostas resulta do que alguns médicos
dizem: “Bem, poderá haver um pequeno benefício. Talvez se
possa manter alguém connosco por algumas semanas ou meses.” Percebo e não
considero que seja fútil. É uma decisão para proporcionar um benefício
marginal.
Considerar um benefício significativo ou
marginal é algo que, em parte, depende do doente. Numa unidade de cuidados
intensivos, ouvimos doentes dizer: “Quero viver até ao casamento do meu filho” ou “Quero viver até ao meu aniversário”. Ouvi doentes a dizer: “Quero ver a final da Taça”. Cada um tem o seu sistema de valores sobre o que algumas semanas mais – ou mesmo
alguns dias mais – de vida significam para si. Mas acho que isso não é futilidade pura. Por
isso compreendo bem quando ouço os que dizem: “Bem, talvez eu faça coisas com um benefício
marginal. Tenho de conversar com o doente, mostrar-lhe que apenas será uma
pequena ajuda – mais um dia, mais uma semana ou mais um mês”.
Contudo, se se está a pensar seguir essa
estratégia, o doente precisa de compreender que a situação continua a ser
preocupante, que ainda que se faça a dita intervenção (uma pequena cirurgia, a
administração de certa medicação para o cancro, etc.) isso não será feito na
expectativa de que, de algum modo, irá ficar melhor ou recuperar. Quando
conversamos sobre uma questão de futilidade, precisamos de mostrar, claramente,
ao doente que estamos a falar de controlar a sua morte, procurando adiá-la por
um curto período de tempo, sem que isso seja uma reapreciação do prognóstico.
Algumas pessoas responderam, no inquérito,
que providenciavam tratamentos fúteis porque há sempre a possibilidade de um
milagre. Há sempre a possibilidade de que algo possa acontecer. É uma forma
inquietante de encarar o tema da futilidade. É verdade que podem acontecer
milagres mas, em pessoas que sabemos ter formas terminais de cancro pulmonar,
doença hepática ou cancro do pâncreas, tais milagres não acontecem. Não nos
faltam provas de que sabemos o prognóstico nestas situações.
Portanto, embora compreenda o desejo de dar
esperança às pessoas e dar-lhes apoio emocional, não estaremos a ajudar se dissermos: “Sabe, os milagres acontecem, as coisas acontecem quando menos se espera”. Talvez seja o que o
capelão queira dizer, mas é algo que os médicos não deveriam dizer.
Uma abordagem melhor, ou uma alternativa, é
dar às pessoas alguma esperança dizendo qualquer coisa como: “Que tal se nós
lhe dissermos que amanhã vai poder estar com a sua família? Não acha que isso
pode ser um bom motivo para continuar? Podemos, assim, aos poucos, juntos, ir
somando pequenos pedaços de esperança. Deste modo vai poder, em cada dia, falar
com os amigos e familiares, dizer-lhes como se sente e como gosta deles”.
As grandes esperanças – milagres,
curas milagrosas – chamam-se milagres porque seriam sobrenaturais se acontecessem. Oferecer
pequenas esperanças em vez de promover tratamentos fúteis é um modo mais humano
de lidar com a realidade da morte – pequenos passos, pequenas esperanças. E os
doentes compreendem. Normalmente sabem quando estão numa situação desesperada,
e o mesmo acontece com as famílias. Têm direito à esperança mas é nosso dever
dar-lhes metas razoáveis de curto prazo e não continuar a dar-lhes esperanças
que sabemos ser absolutamente fúteis nesta fase dos seus tratamentos.
Haver ainda tantos médicos que prestam
cuidados fúteis está, provavelmente, relacionado com outra realidade que se
traduz no medo da lei. As pessoas receiam que “se alguém os processa e não fizeram
isto ou aquilo, então ficam no lado errado de um processo por má prática”.
Nunca vi tal coisa e já fui testemunha
pericial. Nunca se perdem tais casos. Se se diz, em consciência, como médico ou
como perito, que não se fazem certas coisas porque se considera que são fúteis
e que se falou sobre isso com o doente – qualquer pessoa pode ser, em qualquer altura,
processado por qualquer coisa – daí não resulta que se perca o processo, desde que se cumpram os padrões
estabelecidos para os cuidados e se atue de acordo com o que acreditamos,
enquanto especialistas.
Praticar cuidados fúteis para contornar ou
evitar processos por má prática ou litigâncias judiciais nunca é bom para o
doente e o que é preciso é fazer, nestes casos, o que for melhor para o doente.
Prolongar sofrimentos, causar mais danos ao doente – se é esse o
significado de futilidade, para ter uma falsa sensação de segurança em tribunal
– não é o
caminho.
A futilidade é, seguramente, uma coisa
complexa mas não a confundamos com tratamentos ou intervenções de benefício
marginal. Este é um assunto diferente e percebemos muito bem por que alguns se
inclinam a negociar com o doente no sentido de entender o que quer. Pessoas
diferentes hão de responder de modo diferente. Não nos enganemos a nós
próprios. Nós queremos dar ânimo.
Mas não o façamos desligados da realidade,
não usemos a futilidade como maneira de evitar processo judiciais. Não resulta.
Se formos desafiados, ficaremos em melhor posição se não proporcionarmos
cuidados, e explicarmos, claramente, que não fazem sentido, que sobrecarregam o
doente e que, provavelmente, lhe causam mais dano e sofrimento.
O meu nome é Art Caplan da Divisão de Ética
Médica, Centro Médico Langone, Universidade de
Nova Iorque. Obrigado por me ouvirem.