30 novembro 2012

Futilidade, o que é

 
Manter os doentes vivos durante mais algumas semanas: será isso um cuidado fútil?

Arthur L. Caplan, PhD

Tradução espontânea do texto 

Keeping Patients Alive a Few Weeks More: Is It Futile Care?

[ver também Futilidade terapêutica]

Futilidade. Em que pensam mesmo os médicos quando fazem algo que acham ser fútil? Futilidade”, para mim, é considerar que um tratamento ou uma intervenção não produzem qualquer benefício.

A Medscape acaba de realizar um estudo junto de 24000 médicos e apenas 25% disseram que não promoveriam intervenções fúteis. Uma percentagem muito significativa, mais de 30%, disseram que o fariam. Os restantes inquiridos disseram que poderiam fazer, dependendo das circunstâncias. Estamos perante achados impressionantes porque entendemos a futilidade como um “não-benefício”, tanto do ponto de vista da ética como da prática médica. Então por que se fazem coisas que não são benéficas para o doente?

Uma das razões para a diversidade das respostas resulta do que alguns médicos dizem: “Bem, poderá haver um pequeno benefício. Talvez se possa manter alguém connosco por algumas semanas ou meses.Percebo e não considero que seja fútil. É uma decisão para proporcionar um benefício marginal.

Considerar um benefício significativo ou marginal é algo que, em parte, depende do doente. Numa unidade de cuidados intensivos, ouvimos doentes dizer: “Quero viver até ao casamento do meu filho” ou “Quero viver até ao meu aniversário”. Ouvi doentes a dizer: Quero ver a final da Taça”. Cada um tem o seu sistema de valores sobre o que algumas semanas mais ou mesmo alguns dias mais de vida significam para si. Mas acho que isso não é futilidade pura. Por isso compreendo bem quando ouço os que dizem: “Bem, talvez eu faça coisas com um benefício marginal. Tenho de conversar com o doente, mostrar-lhe que apenas será uma pequena ajuda mais um dia, mais uma semana ou mais um mês”.

Contudo, se se está a pensar seguir essa estratégia, o doente precisa de compreender que a situação continua a ser preocupante, que ainda que se faça a dita intervenção (uma pequena cirurgia, a administração de certa medicação para o cancro, etc.) isso não será feito na expectativa de que, de algum modo, irá ficar melhor ou recuperar. Quando conversamos sobre uma questão de futilidade, precisamos de mostrar, claramente, ao doente que estamos a falar de controlar a sua morte, procurando adiá-la por um curto período de tempo, sem que isso seja uma reapreciação do prognóstico.

Algumas pessoas responderam, no inquérito, que providenciavam tratamentos fúteis porque há sempre a possibilidade de um milagre. Há sempre a possibilidade de que algo possa acontecer. É uma forma inquietante de encarar o tema da futilidade. É verdade que podem acontecer milagres mas, em pessoas que sabemos ter formas terminais de cancro pulmonar, doença hepática ou cancro do pâncreas, tais milagres não acontecem. Não nos faltam provas de que sabemos o prognóstico nestas situações.

Portanto, embora compreenda o desejo de dar esperança às pessoas e dar-lhes apoio emocional, não estaremos a ajudar se dissermos: “Sabe, os milagres acontecem, as coisas acontecem quando menos se espera”. Talvez seja o que o capelão queira dizer, mas é algo que os médicos não deveriam dizer.

Uma abordagem melhor, ou uma alternativa, é dar às pessoas alguma esperança dizendo qualquer coisa como: Que tal se nós lhe dissermos que amanhã vai poder estar com a sua família? Não acha que isso pode ser um bom motivo para continuar? Podemos, assim, aos poucos, juntos, ir somando pequenos pedaços de esperança. Deste modo vai poder, em cada dia, falar com os amigos e familiares, dizer-lhes como se sente e como gosta deles”.

As grandes esperanças milagres, curas milagrosas chamam-se milagres porque seriam sobrenaturais se acontecessem. Oferecer pequenas esperanças em vez de promover tratamentos fúteis é um modo mais humano de lidar com a realidade da morte pequenos passos, pequenas esperanças. E os doentes compreendem. Normalmente sabem quando estão numa situação desesperada, e o mesmo acontece com as famílias. Têm direito à esperança mas é nosso dever dar-lhes metas razoáveis de curto prazo e não continuar a dar-lhes esperanças que sabemos ser absolutamente fúteis nesta fase dos seus tratamentos.

Haver ainda tantos médicos que prestam cuidados fúteis está, provavelmente, relacionado com outra realidade que se traduz no medo da lei. As pessoas receiam que “se alguém os processa e não fizeram isto ou aquilo, então ficam no lado errado de um processo por má prática”.

Nunca vi tal coisa e já fui testemunha pericial. Nunca se perdem tais casos. Se se diz, em consciência, como médico ou como perito, que não se fazem certas coisas porque se considera que são fúteis e que se falou sobre isso com o doente qualquer pessoa pode ser, em qualquer altura, processado por qualquer coisa daí não resulta que se perca o processo, desde que se cumpram os padrões estabelecidos para os cuidados e se atue de acordo com o que acreditamos, enquanto especialistas.

Praticar cuidados fúteis para contornar ou evitar processos por má prática ou litigâncias judiciais nunca é bom para o doente e o que é preciso é fazer, nestes casos, o que for melhor para o doente. Prolongar sofrimentos, causar mais danos ao doente se é esse o significado de futilidade, para ter uma falsa sensação de segurança em tribunal não é o caminho.

A futilidade é, seguramente, uma coisa complexa mas não a confundamos com tratamentos ou intervenções de benefício marginal. Este é um assunto diferente e percebemos muito bem por que alguns se inclinam a negociar com o doente no sentido de entender o que quer. Pessoas diferentes hão de responder de modo diferente. Não nos enganemos a nós próprios. Nós queremos dar ânimo.

Mas não o façamos desligados da realidade, não usemos a futilidade como maneira de evitar processo judiciais. Não resulta. Se formos desafiados, ficaremos em melhor posição se não proporcionarmos cuidados, e explicarmos, claramente, que não fazem sentido, que sobrecarregam o doente e que, provavelmente, lhe causam mais dano e sofrimento.

O meu nome é Art Caplan da Divisão de Ética Médica, Centro Médico Langone, Universidade de

Nova Iorque. Obrigado por me ouvirem.