31 dezembro 2011
Comissão de Ética para a Saúde da ARSN (2009-2011)
30 dezembro 2011
Crónicas de Epilepsia
10 Episódios in Jornal de Notícias (1996)
8 Cartas para um doente
(1999-2005) e
10 Epístolas (2006-2010)
in Notícias da Epilepsia
Livro de distribuição
gratuita
Liga Portuguesa com a
Epilepsia, 2011
Ver AQUI
01 novembro 2011
Carta aberta a um jovem investigador clínico
Não sei se já se apercebeu disso mas julgo que muitos
médicos de família já se deram conta de que, nos tempos que correm, é cada vez
mais frequente a realização de estudos de investigação clínica nas unidades de
saúde da área dos cuidados primários.
Quase todos esses estudos são de tipo observacional, quantitativos,
transversais. São questionários que se aplicam a utentes, familiares e
cuidadores ou a profissionais de saúde. A grande maioria insere-se no contexto de
graduações académicas – mestrados ou doutoramentos.
A realização destes estudos depende naturalmente da
autorização dos dirigentes das unidades onde se concretizam, cabendo aos
Conselhos Clínicos do ACES especiais competências na matéria.1 Em
algumas ARS foram criadas Comissões de Ética para Saúde (CES) tendo em vista
emitirem pareceres que ajudem os dirigentes nas suas decisões.
Há quem pense que os estudos observacionais ou, por
outras palavras, aqueles em que não há intervenção sobre os participantes não
carecem de parecer ético. Todavia, esta opinião assenta em alguns equívocos que
importa resolver.
Em primeiro lugar, convém clarificar que os pareceres das
CES não são vinculativos nem obrigatórios – os dirigentes são livres de deferir
ou indeferir os pedidos de autorização qualquer que seja o sentido dos
pareceres da CES e, por outro lado, podem decidir sem pedir parecer. Por sua
vez, aos investigadores também interessa terem um parecer de uma CES pois
algumas revistas, como esta, o exigem.
Em segundo lugar, o papel das CES é zelar pelos direitos e
interesses dos participantes. Deste modo as comissões apreciam os projetos,
verificam os conteúdos dos inquéritos e as metodologias (nomeadamente quanto à
forma como os participantes são convidados e recrutados), confirmam os
compromissos de confidencialidade e anonimato, reconhecem a pertinência e
relevância dos objetivos. Ora, estas finalidades da apreciação de projetos são
independentes do tipo de estudo e são manifestamente importantes, sejam os
estudos observacionais, experimentais ou outros.2
Também corre a opinião de que em estudos observacionais não há necessidade
de obter, por assinatura de documento, o consentimento informado dos
participantes. Aparentemente este outro equívoco resulta de um entendimento
desfocado do que é o consentimento informado – é afinal olhar só para a palavra
«consentimento » e menorizar a palavra «informado».
A utilização para fins de investigação de dados pessoais e de depoimentos
dos participantes, sejam utentes ou profissionais de saúde, implica que os
investigadores se comprometam a não os utilizar para outros fins, garantam não
identificar os participantes na publicação dos resultados, expliquem em que
consiste o estudo, não escondam os eventuais incómodos causados pelo estudo,
etc. É por isso que um documento formal para dar informações e obter
consentimento se torna necessário. Ele representa uma forma de «contrato »
entre investigador e participante, feito em duplicado, em que cada parte fica
com uma via assinada por ambos – o primeiro «outorgante» guarda-o para provar
que pediu e obteve consentimento perante eventuais auditorias; o segundo
«outorgante» guarda-o para reler, revogar se assim o entender ou reclamar se
verificar eventual incumprimento do garantido. É óbvio que a linguagem deverá
ser tão simples quanto possível, livre de termos técnicos (exceto quando os participantes
forem profissionais de saúde) e globalmente adequada à literacia dos
participantes a recrutar.3
Existe um outro ponto que dá origem a mal-entendidos – trata-se do
anonimato dos dados tratados neste tipo de estudos.
Quando os investigadores contactam diretamente com os participantes, não podem
ignorar a identidade destes, mas o que se lhes pede é que mantenham o anonimato
(nunca revelem a sua identidade). Esta garantia não se deve confundir com a
anonimização de dados de saúde que consiste na entrega, por parte das
instituições, normalmente a partir de fontes informáticas, de dados expurgados
de elementos de identificação. Outra situação diferente será a dos inquéritos de
autopreenchimento voluntário e anónimo com devolução indireta (por exemplo,
devolução por correio ou introdução em caixa fechada), pois neste caso não há
lugar a assinatura de documento de consentimento.
Assim, note-se que a utilização de dados de saúde para
fins de investigação, no respeito pela lei e pelos princípios da
confidencialidade e privacidade, só é possível quando os respetivos titulares
informada e expressamente o consintam ou quando os dados são fornecidos aos
investigadores de modo anonimizado. Na impossibilidade de se conseguir qualquer
das condições aqui referidas, um estudo pode ainda ser autorizado, se for
efetuado por profissionais da própria instituição (com natural e habitual
acesso aos dados), quando se revista de excecional interesse público e receba parecer
favorável da Comissão de Ética local.4
Já quando os estudos são realizados por médicos do internato
(colocados em fase de formação nas unidades de saúde onde decorram os estudos)
e consistem em revisões casuísticas amplas, desde que garantam, nos respetivos
protocolos de estudo, preservar o anonimato dos titulares e não pretendam criar
uma base de dados com elementos de identificação pessoal dos utentes, cremos
que poderão ser autorizados pelos Conselhos Clínicos, mediante o parecer dos
respetivos Orientadores de Formação (a quem aliás cabe também a supervisão do
estudo e da sua integridade ética).
Espero bem que estas linhas o possam ajudar caso esteja a
pensar em realizar alguma investigação. Elas representam as opções que têm sido
seguidas pela Comissão de Ética da ARS Norte nos três anos de funcionamento desde
que foi criada. O número de processos cresce todos os anos (em 2010 e 2011
dobrámos e triplicámos os números de 2009). Penso que poderá encontrar informações
úteis nas páginas da CES do portal https://www.arsnorte.min-saude.pt/comissao-de-etica/,
embora não esteja aí patente a parte do nosso trabalho que consistiu em
«negociar« com os investigadores alterações aos projetos que os tornaram mais
interessantes.5 Tem sido intelectualmente muito gratificante ver
esse trabalho reconhecido por muitos dos próprios investigadores. Desejo-lhe as
maiores felicidades profissionais e pessoais.
1. Art.º 26.º do Decreto-lei n.º 28/2008, de 28 de fevereiro.
30 setembro 2011
Futilidade terapêutica (documento-guia)
Este texto foi debatido no “SEMINÁRIO
SOBRE A FUTILIDADE TERAPÊUTICA E O PAPEL DAS COMISSÕES DE ÉTICA PARA A SAÚDE” organizado
em 21/09/2011 pelas Comissões de Ética para a Saúde da região norte e
destina‐se a ser um documento de orientação, sem carácter vinculativo.
CONCEITOS
Considera‐se,
neste texto, que a futilidade (1) é uma característica que pode ser atribuída a
um acto terapêutico por quem tem o poder de o prescrever ou executar ou por
quem é o seu destinatário, assim como pelos seus familiares ou cuidadores
informais.
A noção
casuística de futilidade, por parte dos médicos, baseia‐se na experiência
pessoal ou partilhada com colegas, bem como em dados empíricos publicados,
quando possam concluir que determinado acto foi, em número suficientemente
elevado, inútil. Todavia, não deve ser confundida com raridade, probabilidade
excepcional ou falta de esperança, estando ligada à falta de benefício e não à
falta de efeito do acto em apreço (2).
Cabem no
conceito de futilidade terapêutica todas as prescrições do quotidiano que são
feitas sem fundamento, inseridas por vezes em protocolos aplicados sem
adaptação ao caso concreto, assim como todos os gestos que apenas geram
consumos sem justificação, induzem sequências de exames desligadas do
verdadeiro interesse da pessoa ou perseguem novidades sem reconhecimento científico
seguro. Futilidade e erro estão, por conseguinte, fortemente associados, embora
a primeira seja muitas vezes evocada como justificação da indesejável “medicina
defensiva”. Sem prejuízo da importância destas modalidades de futilidade, este
documento está focado nas questões da futilidade relacionadas com situações de
prognóstico fatal.
A prática
de actos terapêuticos fúteis, muitas vezes designada como obstinação (ou
encarniçamento) terapêutico, colide com princípios éticos e está condenada
deontologicamente quando se trata de decisões de fim de vida (3), além de ser,
por natureza, errada mesmo fora desse contexto (4).
A
persistência de medidas terapêuticas fúteis, que mais não fazem do que
acrescentar sofrimento ao sofrimento, ofende o valor fundamental da própria
Constituição da República – a dignidade da pessoa humana (5). Note‐se que este
valor é igualmente referência primeira de importantes textos internacionalmente
aceites (6).
A prestação
de cuidados paliativos (onde sobressai o princípio da beneficência) – em
serviços específicos, em unidades de internamento clássicas ou em assistência
domiciliária – e a abstenção de cuidados fúteis (apelando ao princípio da
não‐maleficência) são globalmente consideradas boas práticas e devem ser
incentivadas em quaisquer contextos (cuidados hospitalares, cuidados primários,
cuidados continuados), na justa medida em que contribuem para uma qualidade de
vida digna em qualquer fase do ciclo de vida humana.
Tendo em
conta que os cuidados de saúde não podem ser prestados em compartimentos
estanques, devendo a cooperação entre serviços e instituições ser a regra,
torna‐se evidente que as questões relacionadas com terapêuticas fúteis são
transversais e a todos interessam. Saliente‐se, por tais razões, que, embora
aqui se aborde a futilidade de medidas terapêuticas, importa enquadrá‐las
sempre no âmbito de planos de cuidados abrangentes – entendendo‐se por planos
de cuidados algo mais do que tratamentos.
A decisão
de suspender ou de não iniciar um tratamento considerado fútil é distinta de
qualquer forma de eutanásia (7) e não pode (não deve) fundamentar‐se em razões
económicas ou de racionamento de custos (8).
NÃO
INICIAR E INTERROMPER MEDIDAS TERAPÊUTICAS FÚTEIS
A decisão
de não iniciar um tratamento fútil é mais frequentemente assumida de modo
unilateral enquanto a decisão de suspender uma terapêutica em curso implica
quase sempre uma informação justificativa junto do doente ou, a mais das vezes,
junto dos familiares (9). No entanto, ambas são decisões moralmente
perturbadoras para prestadores, doentes e famílias (10) e conduzem a problemas
éticos similares.
Mais do
que se fundamentar em critérios meramente clínicos muito baseados em
julgamentos de valor, mais do que procurar o apoio de normas de orientação ou a
opinião de profissionais mais experientes, a classificação, caso a caso, de
futilidade terapêutica e a decisão consequente de suspender ou não iniciar
tratamentos, ganharão em clareza e mesmo em tranquilidade quanto mais
transparente for a informação, mais eficaz a comunicação entre as partes e mais
exercitado o processo comunicacional (11).
HIDRATAÇÃO
E ALIMENTAÇÃO ARTIFICIAIS
Não existe
entendimento unânime sobre se a hidratação e a alimentação administradas por
meio de instrumentos, sem a participação da própria pessoa, devem ser sempre
consideradas como tratamentos ou como cuidados básicos (equivalentes aos
cuidados de higiene e conforto). Por exemplo, não há acordo em considerar como
artificial a alimentação que é feita por mera sonda nasogástrica quando
comparada com o recurso à gastrostomia. Também a classificação de “meios
extraordinários” padece da mesma dificuldade quando se trata de apreciações
éticas. Deste modo, embora a cessação de hidratação e alimentação artificiais
por vontade do doente possa ser considerada uma manifestação respeitável da sua
autonomia, a suspensão da alimentação e da hidratação artificiais por decisão
fundada na sua futilidade e no seu carácter extraordinário enfrenta a oposição
regulamentar do Código Deontológico da Ordem dos Médicos. Manda a virtude da Prudência
que a não‐administração de “meios extraordinários de manutenção de vida” deva
ser cuidadosamente ponderada e envolva toda a equipa de profissionais de saúde,
assim como a família próxima e/ou pessoa da confiança do paciente (12,13).
Igualmente é de ter em conta que alguns procedimentos teoricamente considerados
fúteis em situações terminais (exemplos: cirurgia de obstrução intestinal ou
transfusão sanguínea em anemia sintomática) podem e devem ser promovidos desde
que incluídos numa estratégia de controlo de sintomas.
“ORDENS
DE NÃO REANIMAR” E NÃO ADMINISTRAÇÃO DE SUPORTE AVANÇADO DE VIDA
A decisão
clínica de declarar em processo clínico (declaração clara e devidamente
fundamentada, periodicamente revalidada, permanentemente susceptível de
suspensão ou revogação, inserida numa política institucional definida e aceite
consensualmente) que um determinado doente não deve ser alvo de medidas de
reanimação, caso se verifique paragem cardiorrespiratória (traduzindo um caso
especial de futilidade terapêutica), deve ser assumida pelo médico responsável
pela assistência ao doente, depois de obtido o consenso no seio da equipa de
saúde. Do mesmo modo é exigível, na impossibilidade de envolver o próprio
paciente ou na falta de declaração antecipada válida, que a equipa, sem
prescindir das suas responsabilidades próprias, preceda qualquer decisão de uma
negociação compassiva com os familiares próximos (14).
QUANDO
O DOENTE OU OS FAMILIARES PEDEM PARA PARAR OU PARA CONTINUAR TRATAMENTOS
É
conhecida a tradicional (ou cultural) propensão de muitos (na condição de
doentes ou de familiares) para confiarem nas decisões dos médicos. Esta
afirmação tende, na actualidade, a atenuar‐se tendo em vista a transformação
crescente do paradigma assistencial – uma relação médico/doente cada vez mais
ultrapassada por uma relação equi‐pa/doente, um profissionalismo cada vez mais
despersonalizado. Assim, por maioria de razão, os profissionais de saúde devem
evitar posições de paternalismo arbitrário e, activamente, ter em conta os
valores e as percepções sentidos por doentes e suas famílias. Consequentemente,
as equipas e os seus líderes naturais não podem deixar de promover a
participação de todos nos processos de decisão e a adequada explicação das suas
opções técnicas e éticas. Por tais razões, perante eventuais situações de
conflitos, importa encontrar capacidades de arbitragem e de refinamento
comunicacional.
Muitos
conflitos ou impasses podem ser evitados se os profissionais de saúde tiverem
formação sobre temas como as decisões de fim de vida, bem como reflectirem
sobre documentos orientadores publicados por entidades idóneas (15). Em
especial os médicos que tratam doentes em situação clínica terminal devem
debater os casos com colegas, perceber quanto o doente quer saber, prever
cuidados paliativos precocemente, adoptar posicionamento honesto evitando
eufemismos, escrever tudo no processo, colocar questões e dar tempo para as
respostas, dar grande atenção ao controlo de sintomas e treinar a capacidade de
argumentação em temas de fim de vida (16).
Nos casos
de doentes incapazes de manifestarem a sua vontade, sobressai a importância de,
na falta de declarações antecipadas válidas, saber (perceber) qual seria a sua
vontade, expressamente transmitida ou deduzida pelo conhecimento dos seus
valores e narrativa biográfica (17). Todavia, os limites das boas práticas
devem prevalecer quando tais vontades consistam em pedidos que os excedam (18).
O PROCESSO
DA DECISÃO
No
acompanhamento de pessoas afectadas por doenças em estádio terminal todas as
medidas do plano de cuidados devem ser equacionadas como fazendo parte de um
processo interactivo, partilhado, responsável e consciente.
Neste
processo, o reconhecimento de tecnologias cada vez mais poderosas não deve ser
tido como elemento único do alargamento do clássico “Triângulo Hipocrático” – o
doente, a doença, o médico – já que é preciso contar também com a evolução da
ética médica, os novos parceiros da clínica, a sociologia e outras
condicionantes dos nossos dias (19).
A procura
de uma “Boa‐Morte” (20) não pode ser deixada a voluntarismos ou à boa intenção
de posicionamentos intuitivos. Tão‐pouco deve ser contaminada pelo
deslumbramento técnico. Os profissionais necessitam de ler, estudar, debater,
treinar e reflectir mas as instituições também têm o dever de promover formação
nestas matérias.
Para além
da partilha com profissionais mais experientes, em situações em que se impõe
considerar como fúteis as medidas em curso, ou as possíveis medidas a tomar, o
pedido de opinião ou intervenção facilitadora à Comissão de Ética local pode
ser uma forma adequada, conquanto haja tempo, para a busca de uma decisão justa
(21).
Pela sua
parte, as Comissões de Ética têm o dever de participar proactivamente no
esforço formativo dos profissionais e, naturalmente, dos seus próprios membros.
Nesse sentido, justificar‐se‐á, igualmente, a necessidade de uma reflexão
alargada sobre o sentido peculiar da evolução da tecnologia e da nossa relação
com ela. A diluição progressiva das fronteiras entre o natural e o artificial
sugere uma proximidade com o objecto técnico que seduz, criando desafios éticos
inesperados, sobretudo, no campo da biomedicina. <
_________________________
(1)
Infopédia, Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora. Fútil / adjectivo
uniforme / 1. que tem pouco ou nenhum valor; insignificante; vão / 2. que dá
muita importância a coisa inúteis, superficiais ou sem valor; leviano; frívolo;
pouco profundo.
(2) Schneiderman LJ, Jecker NS, Jonsen AR. Medical futility: its meaning and ethical implications.
Ann
Intern Med.
1990 Jun 15;112(12):949‐54
(3)
Código Deontológico, Ordem dos Médicos, Regulamento n.º 14/2009, Diário da
República, 2.ª série ‐ N.º 8 ‐ 13 de Janeiro de 2009, Artigo 58.º (Cuidados
paliativos) «1 ‐ Nas situações de doenças avançadas e progressivas cujos
tratamentos não permitem reverter a sua evolução natural, o médico deve dirigir
a sua acção para o bem‐estar dos doentes, evitando utilizar meios fúteis de
diagnóstico e terapêutica que podem, por si próprios, induzir mais sofrimento,
sem que daí advenha qualquer benefício. 2 ‐ Os cuidados paliativos, com o
objectivo de minimizar o sofrimento e melhorar, tanto quanto possível, a
qualidade de vida dos doentes, constituem o padrão do tratamento nestas
situações e a forma mais condizente com a dignidade do ser humano.»
(4)
Código Deontológico, idem, idem, Artigo 5.º (Princípio geral) «3 ‐
São condenáveis todas as práticas não justificadas pelo interesse do doente ou
que pressuponham ou criem falsas necessidades de consumo.»
(5)
Constituição da República Portuguesa. Artigo 1.º (República Portuguesa) «Portugal
é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade
popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.»
e Artigo 25.º (Direito à integridade pessoal) «1. A integridade moral e
física das pessoas é inviolável. 2. Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a
tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos.»
(6)
Declaração Universal dos Direitos Humanos, Pacto Internacional sobre Direitos
Civis e Políticos, Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Convenção para a
Protecção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano Face às Aplicações
da Biologia e da Medicina: Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina,
Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
(7)
Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida – Parecer n.º 59/CNECV/2010
– Parecer sobre os projetos de lei relativos às declarações antecipadas de
vontade. «3. [O CNECV] relembra que não é necessária uma declaração
antecipada como aquela agora em discussão para que deva ser considerada boa
prática médica e ética a recusa da obstinação terapêutica, isto é, a não
realização de tratamento fútil ou obstinado; relembra também o CNECV que é
legítimo direito de a pessoa recusar tratamento, e que um caso e outro não são
procedimentos assimiláveis a actos de eutanásia.»
(8) Jecker NS, Schneiderman LJ. Futility and rationing.
Am J Med. 1992 Feb;92(2):189‐96
(9) Gedge E, Giacomini M, Cook D. Withholding and
withdrawing life support in critical care settings: ethical issues concerning
con‐sent. J Med Ethics. 2007 Apr;33(4):215‐8
(10) Reynolds S, Cooper AB, McKneally M. Withdrawing
life‐sustaining treatment: ethical considerations. Surg Clin North Am.
2007 Aug;87(4):919‐36, viii
(11) Burns JP, Truog RD. Futility: a concept in
evolution. Chest. 2007
Dec;132(6):1987‐93
(12)
Código Deontológico, idem, idem, Artigo 59.º (Morte) «3 ‐ O uso de
meios extraordinários de manutenção de vida deve ser interrompido nos casos
irrecuperáveis de prognóstico seguramente fatal e próximo, quando da
continuação de tais terapêuticas não resulte benefício para o doente. 4 ‐ O uso
de meios extraordinários de manutenção da vida não deve ser iniciado ou
continuado contra a vontade do
doente. 5 ‐ Não se consideram meios extraordinários de manutenção da vida,
mesmo que administrados por via artificial, a hidratação e a alimentação; nem a
administração por meios simples de pequenos débitos de oxigénio suplementar.»
(13)
Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida – Parecer n.º 45/CNECV/2005
– Parecer sobre o Estado Vegetativo Persistente ‐ «O CNECV é de parecer que:
[…] 2. a pessoa em Estado Vegetativo Persistente tem direito a cuidados
básicos, que incluem a alimentação e hidratação artificiais; 3. toda a decisão
sobre o início ou a suspensão de cuidados básicos da pessoa em Estado Vegetativo
Persistente deve respeitar a vontade do próprio; […]»
(14) Symposium on decision making process regarding
medical treatment in end of life situations. Conference organised by the
Steering Committee on Bioethics (CDBI) of the Council of Europe 30 November – 1
December 2010. Palais de l’Europe, Strasbourg, France
(15) Guidelines for indications for the use of
extracorporeal life support in refractory cardiac arrest. Annales Françaises d’Anesthésie et de Réanimation 28 (2009) 187–190
(16) Khatcheressian J, Harrington SB, Lyckholm LJ, Smith
TJ. “Futile care”: What to Do When Your Patient Insists on
Chemotherapy That Likely Won’t Help. Oncology (Williston Park). 2008
Jul;22(8):881‐8; discussion 893, 896, 898
(17)
Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida – Parecer n.º 45/CNECV/2005
(«O CNECV é de parecer que: […] 4. a vontade pode ser expressa ou
presumida ou manifestada por pessoa de confiança previamente designada por quem
se encontra em Estado Vegetativo Persistente. 5. todo o processo de tratamento
da pessoa em Estado Vegetativo Persistente deverá envolver toda a equi‐pa
médica assim como a família mais próxima e/ou a pessoa de confiança
anteriormente indicada e pressupor a disponibilização da informação conveniente
a todo o processo decisório, tendo em consideração a vontade reconhecível da
pessoa em Estado Vegetativo Persistente nos limites da boa prática médica, e
tendo em conta a proporcionalidade dos meios que melhor se adeqúem ao caso
concreto.») e Parecer n.º 59/CNECV/2010 («4. O CNECV considera as
declarações antecipadas de vontade como uma manifestação legítima da vontade da
pessoa que as subscreve e considera que são um elemento de relevância máxima
para o apuramento da vontade real da pessoa (mais que para leitura do sentido
literal do documento) por parte das equipas de saúde em situações de grande
complexidade. Neste mesmo sentido, e admitindo‐se que declarações antecipadas
de vontade imprecisas ou ambíguas possam dar origem a dúvidas interpretativas,
pode igualmente revelar‐se da maior utilidade a recolha da história de valores
dessa pessoa.»).
(18)
Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida – Parecer n.º 59/CNECV/2010
(«7. O CNECV recomenda que, atendendo a que uma declaração antecipada de
vontade pode conter disposições de recusa e disposições onde se fazem pedidos
concretos, a legislação encare, de forma explícita e distinta, essas variantes
declarativas, nomeadamente quanto à respectiva força vinculativa, uma vez que,
considerando o princípio da autonomia e outros factores igualmente relevantes
do ponto de vista ético: 7.1. no caso de recusas de intervenções ou
terapêuticas, estas recusas terão carácter vinculativo desde que observados os
requisitos de garantia da genuinidade da declaração adiante indicados; 7.2. no
caso de pedidos de intervenções ou terapêuticas, o seu respeito deverá ser
ponderado com a necessidade de observância e respeito das leis em vigor, das
boas práticas clínicas e da independência técnica dos profissionais envolvidos,
assim como com a própria exequibilidade do pedido.»)
(19)
Melo J, Decisões Médicas em Fim de Vida, Questões Éticas para a Medicina nas
Sociedades Ocidentais. Revista Portuguesa de Filosofia, 2010, Vol. 66 – Fasc. 2
(20)
Ferraz Gonçalves J, A Boa‐Morte, Ética no Fim da Vida, Lisboa, Coisas de Ler
Edições, 2009
(21) Swetz KM, Crowley ME, Hook C, Mueller PS. Report
of 255 clinical ethics consultations and review of the literature. Mayo Clin Proc. 2007
Jun;82(6):686‐91
01 setembro 2011
O Valor Absoluto
Foi recentemente anunciada uma campanha que pretende a realização de um referendo para que os portugueses digam, sim ou não, se acham que a vida é um valor absoluto.
Trata-se de uma forma ardilosa de levar a maioria dos votantes a responder
afirmativamente e de, com isso, conseguir modificar certas leis, assim como
promover o aparecimento de outras.
Sejamos claros, o objetivo óbvio é rever a lei que despenaliza a
interrupção voluntária da gravidez nas primeiras semanas e impedir a discussão
da eutanásia voluntária ativa (também conhecida por morte medicamente assistida
a pedido do próprio).
A pergunta referendária é aparentemente simples na sua formulação e a
resposta induzida é o Sim: a vida é um valor absoluto que se sobrepõe aos
outros valores. O “diabo está nos detalhes”!
O óvulo que todos os meses as mulheres libertam é vida? Os milhares de
espermatozoides que saltam para o desconhecido numa ejaculação são vida?
É vida um grupo de células resultante da fusão entre um óvulo e um
espermatozoide que ocorreu involuntariamente há menos de 3 meses e que se
desprende do útero por ação de uma medicação tomada voluntariamente?
Prolongar obsessivamente a vida de um doente, instituindo medicações
inúteis que apenas acrescentam sofrimento à doença terminal, é desrespeitar o
valor “absoluto” da via?
Qualquer um de nós pode decidir livremente não ser operado, ou não iniciar
um qualquer tratamento, se lhe diagnosticarem um cancro ou outra doença fatal,
esperando contudo que não deixem de controlar ativamente os sintomas de
sofrimento que vai ter antes de morrer – deve o valor da autonomia ou
autodeterminação ser subjugado ao valor “absoluto” da vida?
Sim, é justa uma campanha que combata a tendência crescente que alguns
sentem de exercerem justiça pelas suas próprias mãos, disparando contra quem os
assalta ou os ofende. Sim, é justa a condenação social de quem mata inocentes
quando conduz um automóvel sob o efeito do álcool ou de quem manda jovens,
algures numa guerra, matar inimigos reais ou fictícios da “civilização
ocidental”. Mas um referendo sobre o valor da vida vai ter algum efeito nisso?
Considero que há um grande risco de esta iniciativa referendária ter
acolhimento em certas camadas mais conservadoras da nossa sociedade e julgo que
é urgente que se comece já a equacionar a forma de a enfrentar, se iniciem
debates sobre o assunto e se prepare uma agenda inteligente contra os
absolutismos, sejam eles quais forem. Receio mesmo que possa constituir um
rastilho para o surgimento de “fundamentalismos cristãos” (o que quer que isso seja)
até agora adormecidos.
Não sei como se faz isso, não sei qual a melhor altura para sair à liça,
mas manifesto-me pronto a integrar um movimento cívico de ampla base social que
tenha por objetivo desmontar a ideia de um referendo absolutista em Portugal e,
havendo-o, trabalhar para a derrota dos seus intentos.
07 janeiro 2011
Remuneração dos dadores de células estaminais hematopoiéticas
princípios e perspetiva da Associação Mundial de Dadores de Medula Óssea
Tradução parcial do texto
Considerações
éticas
A
questão da remuneração da doação suscita certas preocupações éticas. O ato
essencial em questão é a decisão por parte de uma pessoa não relacionada de se
submeter a um procedimento médico em benefício de outra pessoa. Há um conjunto
significativo de trabalhos em torno das questões éticas envolvidas nesse
intercâmbio, especialmente no contexto da doação de órgãos sólidos e da
utilização de dadores como sujeitos de investigação.
Três
princípios éticos em particular são frequentemente alvo de escrutínio. O
primeiro é o princípio da dignidade, visto que a transferência de parte de um
corpo humano é diferente da de um produto ou serviço e exige considerações
únicas para não desvalorizar a vida humana através da comercialização de
órgãos, tecidos e sangue. O segundo princípio é que o dador não deve estar
sujeito a danos desnecessários ou irrazoáveis. Finalmente, qualquer sistema de
distribuição deve ser fundamentalmente justo. Em particular, nenhum segmento da
sociedade deve ter benefícios à custa de outro ou permitir qualquer tipo de
coação no processo de obtenção de células estaminais hematopoiéticas.
Dignidade
O
conceito de dignidade baseia-se na ideia de que o corpo humano deve ser tratado
como tendo um valor intrínseco que está além do valor económico potencial que
pode ser atribuído a órgãos, tecidos ou sangue por alguém necessitado. Esta
noção é fundada tanto em considerações religiosas como filosóficas. Muitas
religiões sustentam que o corpo é uma dádiva sagrada de um ser superior e que
uma pessoa tem o dever de proteger ou conservar essa dádiva. Qualquer dano ao
corpo é uma violação desse dever, exceto se for para proteger a pessoa de
outros danos. Numa perspetiva filosófica, é frequentemente feita referência aos
ensinamentos de Immanuel Kant, cuja formulação de que a sociedade deve “tratar
a humanidade ... sempre como um fim e não apenas como um meio” é frequentemente
citada como a base para concluir que o pagamento por partes do corpo é uma má
utilização de um ser humano, porque vê o dador como uma fonte de suprimento para
a pessoa necessitada e não como um outro ser humano. Ao considerar apenas o
valor económico de um órgão, tecido ou sangue doado, existe a potencial criação
de mercados para partes do corpo. Em tal cenário, a venda de uma parte do corpo
é vista como uma desvalorização da vida humana, implicando que o valor de uma
pessoa se baseia no valor material do corpo e não na condição de ser humano
racional. A doação sem remuneração é geralmente permitida no contexto religioso
como um ato de caridade em benefício de um semelhante humano, enquanto no
contexto filosófico a doação não remunerada é vista como um ato altruísta em
benefício de outrem, não como uma mercantilização de um humano em benefício do
outro.
O
conceito de dignidade deve ser sopesado com o direito de a pessoa tomar
decisões sobre o seu próprio corpo, razoavelmente livre do controlo da
sociedade. Contudo, embora reconhecendo que a pessoa tem o direito de tomar
decisões sobre o seu próprio corpo dentro de um vasto espectro de comportamentos,
a sociedade tem interesse em evitar comportamentos que tenham certas
consequências sociais que incluam a neutralização de pontos de vista ampla e
profundamente reconhecidos quanto ao valor da vida. A preocupação primordial é
que a pessoa seja valorizada como um ser humano distinto.
No contexto da dignidade, é frequentemente avançado um outro argumento a favor da remuneração, uma vez que diz respeito ao acesso das populações economicamente desfavorecidas a cuidados de saúde, onde tendem a existir mais grupos étnicos minoritários. No caso da doação de órgãos, a negação da recompensa com base na dignidade humana pode obstaculizar o acesso das populações minoritárias que beneficiariam da doação de pessoas da mesma etnia. Se esse grupo aceitar a remuneração, argumenta-se, o prejuízo é contrabalançado pelo benefício de pessoas do mesmo grupo étnico. Isto tem alguma repercussão em relação ao transplante de células estaminais hematopoiéticas de dador não relacionado, porque os doentes provavelmente encontrarão um dador dentro do seu próprio grupo étnico e os recenseamentos mais facilmente vão encontrar dadores dentro das populações minoritárias. Para sustentar este ponto de vista, tem de argumentar-se que o valor económico derivado da venda de partes do corpo é mais importante do que a defesa do conceito de dignidade pessoal e social dos seres humanos. Mas é precisamente este compromisso que mina o valor que a sociedade atribui ao ser humano. Pode também levar a uma maior mercantilização de pessoas ou grupos desfavorecidos, abrindo o potencial de remuneração para outras partes do corpo, diminuindo ainda mais o valor da pessoa ou população.
[…]
Recomendação





