06 junho 2023

Sexo sem prazo de validade

 

Sexo sem prazo de validade

Woet L. Gianotten, MD *

Tradução espontânea do artigo

No Expiration Date for Sex publicado na Medscape em 18.05.2023

Para os profissionais de saúde, a ideia de que os nossos pais e avós não fazem sexo – ou não faziam – pode ser reconfortante.

  A realidade é que, para uma parte significativa dos nossos pacientes idosos, o sexo não tem prazo de validade. Os seres humanos são seres sexuais ao longo da vida, mas a cultura escondeu esse facto.

  Segundo Roma, o objetivo do sexo é fazer filhos. Segundo Hollywood, o sexo é apenas para os jovens, saudáveis e belos. Para a profissão médica, o sexo consiste principalmente em riscos ou disfunções.

  Quais são os resultados destes preconceitos? Muitas pessoas de meia-idade têm medo da sua vida sexual futura. E os profissionais de saúde raramente fazem perguntas sobre a sexualidade. Essa falta pode ser perniciosa. A sexualidade e a intimidade são elementos essenciais para a qualidade de vida, com claros benefícios físicos, emocionais e relacionais.

Vejamos os dados quando os investigadores se atrevem a perguntar aos idosos sobre a sua sexualidade.

  Começamos com um estudo nacional de 2015 sobre a sexualidade no Reino Unido. O estudo encontrou uma ligação entre a idade e um declínio em vários aspetos da atividade sexual – mas não um desaparecimento. Por exemplo, entre os homens com idades compreendidas entre os 70 e os 79 anos, 59% declararam ter tido relações sexuais no último ano, sendo que 19% tiveram relações sexuais pelo menos duas vezes por mês e 18% masturbaram-se pelo menos com essa frequência. Acima dos 80 anos, esses números caíram para 39%, 6% e 5%, respetivamente. Quais as razões por detrás destes declínios? Uma combinação de tabu, medo de doenças, uso de medicamentos ou outras in­tervenções que perturbam a função sexual ou causam deformações, e um pouco a própria idade.

  E quanto às mulheres? Entre as mulheres com idades compreendidas entre os 70 e os 79 anos, 39% afirmaram ter tido relações sexuais no último ano, com 6% a terem relações sexuais pelo menos duas vezes por mês e 5% a masturbarem-se duas ou mais vezes por mês. Acima dos 80 anos, estes números são de 10%, 4,5% e 1%, respetivamente. Os fatores que contribuíram para o decréscimo nas mulheres foram os mesmos que para os homens, mais a triste realidade de que muitas mulheres heterossexuais ficam viúvas porque os seus parceiros masculinos mais velhos morrem mais cedo.

  A diferença entre homens e mulheres também reflete níveis mais baixos de testosterona nas mulheres. E, como as mulheres dizem que valorizam mais a intimidade do que o desempenho, temos duas explicações para a sua menor frequência de masturbação. Afinal de contas, há muita intimidade que ocorre sem relações sexuais ou masturbação.

  Surpreendente e relevante é a quantidade de desconforto – ou antes, a sua relativa inexistência – que os doentes mais velhos referem devido a problemas sexuais. Na faixa etária dos 18-44 anos, 11% das mulheres norte-americanas indicaram desconforto sexual; na faixa etária dos 45-64 anos, o número foi de 15%; e na faixa etária dos 65 anos ou mais, 9%.

  Para os clínicos, estes números devem levar-nos a olhar mais atentamente para as formas alternativas de expressão sexual – as que não envolvem relações sexuais ou masturbação – nos idosos, uma área que os médicos normalmente não prestam atenção.

  Embora a dispareunia ou os problemas de ereção afetem muitas pessoas em relações duradouras, nenhuma delas é razão para se abster do prazer sexual. De facto, em muitos casais, o sexo oral substitui o coito vaginal e, se a incontinência (urinária, fecal) ou flatulência se intrometem, os casais renunciam frequentemente ao sexo oral em favor de mais carícias, beijos, estimulação digital e outras formas de prazer sexual.

E quanto ao prazo de validade do sexo?

  Uma investigação fascinante de Nils Beckman e colegas descobriu que o desejo sexual persiste mesmo quando as pessoas (e os homens em particular) atingem os 100 anos. O grupo de Beckman entrevistou 269 idosos suecos, todos sem demência, aos 97 anos de idade. O desejo sexual foi afirmado por 27% dos homens e 5% das mulheres no inquérito. Entre os homens, 32% disseram que ainda tinham pensamentos sexuais, em comparação com 18% das mulheres. Ao mesmo tempo, 26% dos homens e 15% das mulheres afirmaram sentir falta de atividade sexual.

  O que é que os médicos devem fazer com esta informação? Em primeiro lugar, podemos começar a falar sobre sexo com os nossos pacientes mais velhos. De acordo com os suecos de 97 anos, a maioria quer que o façamos! Mais de 8 em cada 10 homens e mulheres inquiridos expressaram opiniões positivas sobre questões relacionadas com a sexualidade. E, por favor, não tenha medo de abordar o assunto com os idosos solteiros. Também eles podem ter um problema sexual ou de relacionamento e ficam felizes quando abordamos o assunto. Eles também não têm medo de falar sobre masturbação.

  Ao cuidar de pessoas com doenças crónicas ou cancro, no decurso da reabilitação física e mesmo na última fase da vida, a experiência clínica indica que os nossos doentes ficam satisfeitos quando abordamos a sexualidade e a intimidade. Isso pode abrir a porta à admissão de um problema e a uma solução correspondente, um lubrificante ou um inibidor da PDE5.

  Mas, por vezes, a solução é a própria conversa: cerca de 25% dos doentes sentem ajuda suficiente simplesmente por falarem sobre sexo. Abordar a importância do prazer sexual é quase sempre útil.

Eis alguns procedimentos para quebrar o gelo que considero úteis:

·        A toma deste medicamento alterou aspetos da sexualidade? Em caso afirmativo, isso incomodou-o?

·        Sabendo que a intimidade continuada é saudável, importa-se que eu aborde esse assunto?

·        Sabemos que as questões da sexualidade e da intimidade são saudáveis. Sem um parceiro, algumas pessoas isolam-se sexualmente. Gostaria de falar sobre isso?

Se falar de sexualidade traz benefícios, o que dizer do sexo em si?

  Estamos gradualmente a aprender mais sobre os muitos benefícios para a saúde a curto, médio e longo prazo da atividade sexual a solo e partilhada. Os benefícios a curto prazo incluem o relaxamento muscular, o alívio da dor (mesmo, talvez ironicamente, das dores de cabeça) e um sono melhor – tudo muito valioso para os adultos mais velhos. Exemplos de benefícios a médio prazo incluem o alívio do stresse e a redução da depressão. Estudos realizados nos Estados Unidos reve­laram que o abraço pode reduzir as concentrações de citocinas pró-inflamatórias e que o beijo influ­encia positivamente os níveis de colesterol.

Por último, embora os benefícios a longo prazo do sexo possam ser menos relevantes para os idosos, eles existem.

  Entre eles, contam-se o atraso no aparecimento de demência e a redução substancial dos problemas cardiovasculares e cerebrovasculares nos homens. A prática de mais sexo tem sido associada à longevidade, sendo que os homens beneficiam um pouco mais do que as mulheres se passarem por todo o processo, incluindo um orgasmo, enquanto as mulheres parecem ganhar com uma vida sexual “satisfatória”, o que nem sempre passa por um orgasmo.

  Não esqueçamos que estes benefícios se aplicam tanto aos doentes como aos médicos. Abordar a intimidade e a sexualidade pode aliviar eventuais preocupações sexuais e potencialmente criar uma relação médico-doente mais forte.

* Emeritus Senior Lecturer in Medical Sexology, Erasmus University Medical Centre, Rotterdam, the Netherlands