Sexo sem prazo de
validade
Woet L. Gianotten, MD *
Tradução espontânea do artigo
No Expiration Date for Sex publicado na Medscape em 18.05.2023
Para os
profissionais de saúde, a ideia de que os nossos pais e avós não fazem sexo –
ou não faziam – pode ser reconfortante.
A realidade é que, para uma parte
significativa dos nossos pacientes idosos, o sexo não tem prazo de validade. Os
seres humanos são seres sexuais ao longo da vida, mas a cultura escondeu esse
facto.
Segundo Roma, o objetivo do sexo é fazer
filhos. Segundo Hollywood, o sexo é apenas para os jovens, saudáveis e belos.
Para a profissão médica, o sexo consiste principalmente em riscos ou
disfunções.
Quais são os resultados destes preconceitos?
Muitas pessoas de meia-idade têm medo da sua vida sexual futura. E os
profissionais de saúde raramente fazem perguntas sobre a sexualidade. Essa falta
pode ser perniciosa. A sexualidade e a intimidade são elementos essenciais para
a qualidade de vida, com claros benefícios físicos, emocionais e relacionais.
Vejamos os
dados quando os investigadores se atrevem a perguntar aos idosos sobre a sua
sexualidade.
Começamos com um estudo nacional de 2015 sobre a sexualidade no
Reino Unido.
O estudo encontrou uma ligação entre a idade e um declínio em vários aspetos da
atividade sexual – mas não um desaparecimento. Por exemplo, entre os homens com
idades compreendidas entre os 70 e os 79 anos, 59% declararam ter tido relações
sexuais no último ano, sendo que 19% tiveram relações sexuais pelo menos duas
vezes por mês e 18% masturbaram-se pelo menos com essa frequência. Acima dos 80
anos, esses números caíram para 39%, 6% e 5%, respetivamente. Quais as razões
por detrás destes declínios? Uma combinação de tabu, medo de doenças, uso de
medicamentos ou outras intervenções que perturbam a função sexual ou causam
deformações, e um pouco a própria idade.
E quanto às mulheres? Entre as mulheres com
idades compreendidas entre os 70 e os 79 anos, 39% afirmaram ter tido relações
sexuais no último ano, com 6% a terem relações sexuais pelo menos duas vezes
por mês e 5% a masturbarem-se duas ou mais vezes por mês. Acima dos 80 anos,
estes números são de 10%, 4,5% e 1%, respetivamente. Os fatores que
contribuíram para o decréscimo nas mulheres foram os mesmos que para os homens,
mais a triste realidade de que muitas mulheres heterossexuais ficam viúvas
porque os seus parceiros masculinos mais velhos morrem mais cedo.
A diferença entre homens e mulheres também
reflete níveis mais baixos de testosterona nas mulheres. E, como as mulheres
dizem que valorizam mais a intimidade do que o desempenho, temos duas
explicações para a sua menor frequência de masturbação. Afinal de contas, há
muita intimidade que ocorre sem relações sexuais ou masturbação.
Surpreendente e relevante é a quantidade de desconforto – ou antes, a sua
relativa inexistência – que os doentes mais velhos referem devido a problemas
sexuais. Na faixa etária dos 18-44 anos, 11% das mulheres norte-americanas
indicaram desconforto sexual; na faixa etária dos 45-64 anos, o número foi de
15%; e na faixa etária dos 65 anos ou mais, 9%.
Para os clínicos, estes números devem
levar-nos a olhar mais atentamente para as formas alternativas de expressão
sexual – as que não envolvem relações sexuais ou masturbação – nos idosos, uma
área que os médicos normalmente não prestam atenção.
Embora a dispareunia ou os problemas de ereção afetem muitas pessoas em
relações duradouras, nenhuma delas é razão para se abster do prazer sexual. De
facto, em muitos casais, o sexo oral substitui o coito vaginal e, se a incontinência (urinária,
fecal) ou flatulência
se intrometem, os casais renunciam frequentemente ao sexo oral em favor de mais
carícias, beijos, estimulação digital e outras formas de prazer sexual.
E quanto ao prazo de
validade do sexo?
Uma investigação fascinante de Nils
Beckman e colegas descobriu que o desejo sexual persiste mesmo quando as
pessoas (e os homens em particular) atingem os 100 anos. O grupo de Beckman
entrevistou 269 idosos suecos, todos sem demência, aos 97 anos de idade. O
desejo sexual foi afirmado por 27% dos homens e 5% das mulheres no inquérito.
Entre os homens, 32% disseram que ainda tinham pensamentos sexuais, em
comparação com 18% das mulheres. Ao mesmo tempo, 26% dos homens e 15% das
mulheres afirmaram sentir falta de atividade sexual.
O que é que os médicos devem fazer com esta
informação? Em primeiro lugar, podemos começar a falar sobre sexo com os nossos
pacientes mais velhos. De acordo com os suecos de 97 anos, a maioria quer que o
façamos! Mais de 8 em cada 10 homens e mulheres inquiridos expressaram opiniões
positivas sobre questões relacionadas com a sexualidade. E, por favor, não
tenha medo de abordar o assunto com os idosos solteiros. Também eles podem ter
um problema sexual ou de relacionamento e ficam felizes quando abordamos o
assunto. Eles também não têm medo de falar sobre masturbação.
Ao cuidar de pessoas com doenças crónicas ou
cancro, no decurso da reabilitação física e mesmo na última fase da vida, a experiência clínica
indica que os nossos doentes ficam satisfeitos quando abordamos a sexualidade e
a intimidade. Isso pode abrir a porta à admissão de um problema e a uma solução
correspondente, um lubrificante ou um inibidor da PDE5.
Mas, por vezes, a solução é a própria
conversa: cerca de 25% dos doentes sentem ajuda suficiente simplesmente por
falarem sobre sexo. Abordar a importância do prazer sexual é quase sempre útil.
Eis alguns procedimentos
para quebrar o gelo que considero úteis:
·
A
toma deste medicamento alterou aspetos da sexualidade? Em caso afirmativo, isso
incomodou-o?
·
Sabendo
que a intimidade continuada é saudável, importa-se que eu aborde esse assunto?
·
Sabemos
que as questões da sexualidade e da intimidade são saudáveis. Sem um parceiro,
algumas pessoas isolam-se sexualmente. Gostaria de falar sobre isso?
Se falar de sexualidade
traz benefícios, o que dizer do sexo em si?
Estamos gradualmente a aprender mais sobre os
muitos benefícios para a saúde a curto, médio e longo
prazo da atividade sexual a solo e partilhada. Os benefícios a curto prazo
incluem o relaxamento muscular, o alívio da dor (mesmo, talvez ironicamente, das
dores de cabeça) e um sono melhor – tudo muito valioso para os adultos mais
velhos. Exemplos de benefícios a médio prazo incluem o alívio do stresse e a
redução da depressão. Estudos realizados nos Estados Unidos revelaram que o abraço pode reduzir as
concentrações de citocinas pró-inflamatórias e que o beijo influencia
positivamente os níveis de colesterol.
Por último,
embora os benefícios a longo prazo do sexo possam ser menos relevantes para os
idosos, eles existem.
Entre eles, contam-se o atraso no aparecimento de
demência
e a redução substancial dos
problemas cardiovasculares e cerebrovasculares nos homens. A prática de mais sexo
tem sido associada à longevidade, sendo que os homens beneficiam um pouco mais
do que as mulheres se passarem por todo o processo, incluindo um orgasmo,
enquanto as mulheres parecem ganhar com uma vida sexual “satisfatória”, o que
nem sempre passa por um orgasmo.
Não esqueçamos que estes benefícios se aplicam tanto aos doentes como aos médicos. Abordar a intimidade e a sexualidade pode aliviar eventuais preocupações sexuais e potencialmente criar uma relação médico-doente mais forte.
* Emeritus Senior
Lecturer in Medical Sexology, Erasmus University Medical Centre, Rotterdam, the
Netherlands