Se pensa que Liz Truss teve uma primeira semana difícil como primeira-ministra do Reino Unido, pense na Dr.ª Sarah Clarke, a nova Presidente do Royal College of Physicians (RCP) de Inglaterra. Ela assume o seu cargo quando os médicos internos ponderam a possibilidade de tomar medidas laborais quanto aos salários. Clarke deu uma entrevista ao jornal The Times no mês passado, na qual, quando questionada sobre a ameaça da ação sindical, afirmou: “Não concordo que a greve seja o caminho certo a seguir porque se está a falar de doentes e se está a falar de impacto nos cuidados aos doentes”. Os internos, incluindo os próprios colegas e membros do Colégio, explodiram de raiva. Clarke estava “surda” às “dificuldades económicas” dos colegas mais novos. “Não se importa, não há empatia”. “Não és a minha Presidente”. “Faz as malas e vai-te embora”. A Associação Médica Britânica (BMA) publicou uma carta muito crítica, exigindo-lhe que pedisse desculpa e que se juntasse aos colegas “que tomam posição contra a contínua erosão do SNS, da sua força de trabalho e do seu salário e condições”. Clarke emitiu uma declaração em que deixou claro que apoiava o direito dos médicos à greve – “o facto de a segurança dos doentes já estar comprometida pelos níveis de pessoal pode ser uma razão para tomar medidas a seu favor”, disse ela. Mais tarde, apresentou “um sincero pedido de desculpas” pelas suas observações anteriores. Embora Clarke tenha sugerido que tinha sido deturpada no artigo do Times, admitiu que a sua entrevista “não foi o começo que teria desejado para a minha presidência”.
É altamente
provável acontecer uma ação sindical dos médicos internos em Inglaterra. O seu
argumento central é que o rendimento de um interno é agora 26% inferior em
termos reais ao que era em 2008. Liz Truss e a sua nova Secretária de Estado da
Saúde e Assistência Social, Thérèse Coffey, não responderam a um apelo do BMA
no sentido de se comprometerem com a restauração inte-gral dos salários. Haverá
uma votação dos internos em janeiro de 2023. O BMA criou um fundo de greve. Mas
a ação coletiva está repleta de perigos. Os internos entraram em greve pela
última vez em 2016. Os cuidados de saúde foram significativamente perturbados.
O Governo do Reino Unido não cedeu. E, enquanto a maioria do público apoiava
inicialmente a ação sindical, o apoio caiu à medida que as greves prosseguiam.
Foram necessários mais 3 anos de prolongadas negociações até que a disputa
fosse finalmente resolvida. As condições para o sucesso hoje em dia são ainda
menos propícias. A economia britânica continua fraca. O Serviço Nacional de Saúde
(NHS) enfrenta uma crise de recrutamento e retenção de mão-de-obra. Uma
perigosa estratégia de crescimento económico a ser implementada pelo atual
governo deixará escassos recursos para os salários dos internos. Se houver uma
ação sindical, é certo que haverá um confronto perigoso entre o governo e os
médicos. A estratégia para os internos deve, portanto, ser a de manter os
profissionais unidos. A divisão só irá reforçar a resistência dos ministros. O
fosso entre o BMA e o RCP tem de ser rapidamente sanado. Apesar da entrevista
de Clarke ao Times, ela é uma forte apoiante dos internos, escrevendo em
outubro no Comentary do RCP que se certificará de que o Colégio, “no seu
trabalho de influência, compreende e trata das questões que lhes interessam.
Eles são o futuro da medicina e estou ansiosa por trabalhar com eles”. O papel
dos Colégios será fundamental para o sucesso de qualquer greve. Não será
suficiente que os presidentes digam que apoiam uma remuneração justa para os
internos. Têm de apoiar explicitamente a greve. Ao Governo do Reino Unido não
deve ser dado espaço para mal-entendidos quanto à seriedade da vontade da
profissão.
Os ministros devem também compreender que esta disputa só em
parte é sobre dinheiro. Trata-se também, e mais importante, de valorizar a
contribuição que os internos dão aos cuidados dos doentes. Não existe
atualmente outra profissão em que os recém-formados sejam tratados tão mal como
os médicos. Os internos são vistos como meras peças na engrenagem do SNS. Os
seus sentimentos de desilusão, até mesmo de desespero, são reais. O governo
pode alegar que o dever de um médico de cuidar dos doentes se sobrepõe ao seu
direito legal de greve. A aplicação de tal argumento seria um grave erro
político. A ação sindical por parte dos médicos é rara. Como me disse um líder
médico sénior: “quando os médicos fazem greve, isso deve ser visto como um
aviso crítico de falhanço do sistema”. O NHS não pode prosperar quando os
internos estão exaustos, desmotivados e subestimados. A ameaça de ação sindical
deve ser vista como um sinal de um serviço de saúde sob um stresse intolerável.
Os ministros têm uma oportunidade de evitar uma calamidade evitável. Devem
aproveitá-la.