Paul Hyman, MD, Mid Coast-Parkview Health, Brunswick, Maine.
The Disappearance of the Primary Care Physical Examination - Losing Touch
Quanto vale um exame físico? Ao olhar fixamente para uma lista das próximas consultas com doentes da minha clínica de cuidados primários e tentar decidir quem deve entrar no consultório apesar da pandemia da Covid-19, esta questão paralisa-me.
Nos 15 anos que levo como médico, o exame físico sempre
ocupou para mim um espaço precário. Como residente, as resmas de informação que
tinha sobre os doentes antes de entrar no seu quarto fizeram com que fosse
tentador fazer o “exame físico rápido”, como Robert Hirschtick se queixou num
ensaio1 recentemente republicado. Mais
recentemente, a insistência da minha organização de cuidados para aumentar o
nosso número anual de consultas de bem-estar da Medicare, as quais não obrigam
a um exame físico, e as recomendações2 de alguns, contrárias a exames físicos de rotina em
doentes assintomáticos, fizeram-me pensar por que razão examino pessoas idosas
saudáveis.
Dado que a nossa prática de cuidados primários se tem
deslocado para a telessaúde e o exame físico se tem afastado de mim, dou por
mim a refletir sobre qual o valor que este exame tem. É claramente necessário, por
vezes, para fazer um diagnóstico. Mas agora apercebo-me de outras formas como
utilizo o exame para antecipar cuidados e do seu significado para o meu próprio
bem-estar. É um meio através do qual faço uma pausa e me ligo fisicamente aos
doentes, demonstro os meus conhecimentos e autoridade, e é um instrumento que
utilizo para persuadir os doentes e para processar as suas narrativas.
Muitos médicos diriam que alguns diagnósticos não podem
ser feitos sem examinar pessoalmente um doente. Não sei bem como distinguir
vertigens centrais versus periféricas,
diagnosticar otite média ou determinar se alguém tem hipotensão ortostática sem
examinar a pessoa à minha frente. Além disso, muitos de nós têm casos em que
uma descoberta inesperada no exame parece ter salvo a vida de um doente. A
descoberta de uma verruga irregular, uma massa de tecido mole ou um novo sopro –
não me esqueço destes casos e penso que os doentes também não.
O que era menos aparente para mim antes da pandemia era
como um exame físico atento proporciona um grau de objetividade que me pode
ajudar a repensar a narrativa de um doente. Eu trabalho no Maine, onde há uma
boa quantidade de estoicos. Um doente procurou-me recentemente, sentindo-se um
pouco cansado, mas achava que não era nada, provavelmente como resultado de um
trabalho demasiado árduo. O seu exame sugeriu que ele estava em insuficiência
cardíaca. Se eu não tivesse sido capaz de ouvir o seu coração e pulmões e de
examinar a sua veia jugular e extremidades inferiores, poderia ter colocado
demasiado peso na falta de preocupação do doente e ter perdido o diagnóstico.
Quando doentes e eu discordamos sobre um plano, o exame físico não só fornece
dados, como também atua como árbitro. Por exemplo, os doentes sentem por vezes
necessidade de utilizar antibióticos para tratar uma infeção respiratória. Se
eu comunicar que os resultados do seu exame pulmonar são claros e que os seus
níveis de saturação de oxigénio são normais, eles sentem-se muitas vezes mais
tranquilos por não precisarem de medicação.
O exame, porém, é mais do que uma ferramenta que informa
o diagnóstico e o tratamento. Percebo agora o valor que tem para mim. Os
momentos tranquilos em que estou a ouvir os batimentos cardíacos e a respiração
de um doente podem ser centrais, à semelhança daquela parte de uma meditação em
que nos recentramos na própria respiração. Abraham Verghese3 elaborou extensivamente sobre o papel
do exame físico como um ritual e a sua importância para os doentes; também
observou como este ritual acarreta satisfação para os médicos devido à conexão
humana. Só agora reconheço o exame como um ritual restaurador que me traz
tranquilidade e confiança.
Numa admissão da minha própria insegurança, o exame
físico acaba por ser uma das poucas áreas em que mantenho um sentido de
competência profissional e autoridade. Nunca fui um grande procedimentalista. A
base do que ofereço aos doentes é a capacidade de os ouvir, de usar o
pensamento crítico e de oferecer os meus conhecimentos e experiência. Mas essas
capacidades são por vezes desafiadas num mundo onde os doentes pesquisam a sua
própria saúde e desenvolvem as suas próprias narrativas médicas. O exame físico
continua a ser um momento em que ofereço algo de distinto valor e que é
apreciado.
Assim, ao cabo de 15 anos de exercício, o exame físico é
uma das minhas rotinas, adquirida com o surgimento da pandemia. Começando pelos
princípios da escuta ativa, pela recolha de dados e pela criação de algo bem
diferente, tinha-me afastado de praticar a medicina para que me sentia mais bem
preparado. Embora continuasse evoluindo neste processo, não me questionava
todos os dias se um doente precisava de um exame físico. Mas a pandemia
obrigou-me a desconstruir a minha rotina, incluindo o exame físico, de uma
forma que me deixa em terreno incerto. Isto tem sido emocionalmente exaustivo e
inquietante.
Nem tudo está perdido com o surgimento da telessaúde.
Pelo menos nestas fases iniciais, as consultas virtuais parecem permitir-me
estabelecer uma ligação mais frequente e fácil com os doentes. Com a
telessaúde, posso ver doentes nos seus ambientes domésticos, o que muitas vezes
me dá novas informações sobre fatores que influenciam os seus comportamentos de
saúde. As consultas virtuais respeitam o tempo de um doente. E, claro, nesta
pandemia quando o distanciamento social é tão importante, a telessaúde é mais
segura para os doentes. Com o passar dos meses, vou me adaptar e, sem dúvida,
aprendendo novas formas de recolher dados de exames físicos. A tecnologia
utilizável ou a orientação de doentes através de autoexames irá permitir
algumas abordagens criativas para obter ganhos com o tele-exame.
Nos últimos 10 anos, com o aparecimento dos registos de
saúde eletrónicos e dos cuidados baseados em equipas, nós, médicos de cuidados
primários, encontrámo-nos numa base insegura com a nossa identidade e a nossa
forma de praticar, frequentemente deslocados e perturbados. Não tenho dúvidas
de que quando a poeira assentar da pandemia de Covid 19, as coisas voltarão a
mudar, incluindo uma reavaliação do papel do exame físico em consultório.
Este exame, na sua forma atual, pode ser deixado para
trás. Como Michael Rothberg escreve num artigo recente de JAMA4 (p1683), alguns exames
físicos, no nosso ambiente atual de cuidados de saúde, podem ter consequências
não intencionais dispendiosas e arriscadas, levando a “testes invasivos e
potencialmente ameaçadores de vida”. Embora simpatize com esta lógica e
reconheça os benefícios da telessaúde, tenho dificuldade em encontrar equipolência
(equipoise - incerteza ou indeterminação de benefício). Ao tentar manter
os doentes à distância, estou a perder o contacto com uma parte da minha
identidade profissional.
1. Hirschtick RE. The quick physical exam. JAMA.2016; 316(13):1363-1364.
2. Society of General Internal Medicine. Five things physicians and patients should question. Choosing Wisely. September 12, 2013. Updated February 15, 2017. Accessed May 8, 2020.