07 setembro 2019

As duas vítimas do plágio


As duas vítimas do plágio
Jonathan Bailey

Tradução espontânea do artigo 
publicado em agosto de 2019

A narrativa em torno do plágio é muitas vezes extremamente simplificada: há um plagiador e há uma vítima.

É uma narrativa simples e convincente. Há uma pessoa má que roubou ou subtraiu de uma pessoa boa utilizando o seu trabalho, sem a decência de pelo menos lhe dar o devido crédito.

É um tipo de roubo pessoal e de carácter visceral, que muitas vezes se assemelha mais ao roubo de identidade do que à violação de direitos de autor (que é a consequência jurídica mais comum, quando existe). As vítimas de plágio têm todo o direito de estar zangadas e incomodadas, e a sociedade tem razão em apoiá-las.

Contudo, as narrativas simples raramente contam a história completa, especialmente com um assunto tão complicado e matizado como o plágio. Centrando-se tão fortemente no plágio, a vítima direta não só compreende mal a natureza do plágio, como corre o risco de dar livre-trânsito a certos tipos de plágio "sem vítimas".

A verdade é que não há apenas uma vítima na maioria dos plágios, há duas e é tempo de essa segunda vítima se levantar e ser ouvida. Afinal, ambas estão a ser mais diretamente enganadas e podem até não perceber que estão a ser enganadas.

A Segunda Vítima do Plágio

O plágio, no seu nível mais fundamental, é uma mentira. É a recolha de obras ou ideias de outros e a sua transmissão, direta ou indireta, como suas. O próprio delito está na mentira, o "eu criei isto", quando se sabe que não é verdade.

No entanto, essa mentira não está a ser contada à vítima original. É uma mentira sobre a vítima, afirmando que não esta a criar ou que as suas contribuições não importam, mas não é uma mentira dirigida à vítima. Na realidade, é uma mentira dirigida ao público, que é a segunda vítima e o verdadeiro alvo do delito.

Um plagiador não espera enganar a sua fonte. Ele sabe que a fonte reconhecerá o seu trabalho e os plagiadores farão muitas vezes um grande esforço para esconder as suas falsidades daqueles que roubaram.

Em vez disso, tentam enganar o público. Estão a tentar enganar qualquer que seja o seu público-alvo, seja apenas um professor numa sala de aula ou o mundo em geral. Dizem a esse público "Eu criei isto" e esperam que o público confie neles e acredite nisso, mesmo que seja falso.

No entanto, embora a audiência seja a parte a quem se mente, não é frequente pensarmos qual o impacto dessa mentira. Em vez disso, o foco é fortemente colocado na fonte original. Por exemplo, quando um jornalista copia de outros jornais, como aconteceu com Jayson Blair, torna-se um pária. No entanto, o plágio dos comunicados de imprensa é comum e muitas vezes muito tolerado sob a crença errada de que não há vítima.

Para a audiência, este delito é o mesmo. O repórter apresenta o seu artigo como um trabalho da sua autoria mas, pelo contrário, usa o trabalho de outras pessoas. No caso de plágio de comunicados de imprensa, é o conteúdo de uma fonte inequivocamente parcial que está a ser apresentado como uma reportagem e análise supostamente independente.

No entanto, não é apenas no jornalismo que este problema é relevante. Em qualquer lugar onde se possa encontrar uma vítima de plágio voluntário, pode-se encontrar um debate sobre se se trata ou não de plágio.

Fábricas de Ensaios, Escritores-Fantasma e Mais

Há dois problemas em colocar tanta ênfase na vítima original do plágio quando se discute o assunto:

1.      Ignora a intenção de plágio. Os plagiadores não pretendem roubar o outro, mas sim enganar uma audiência. Querem criar algo sem terem o trabalho. Nunca esteve em causa a vítima.

2.      Desculpa uma grande variedade de plágios, mesmo que o logro seja exatamente o mesmo ou ainda pior.

Um bom exemplo é o da fábrica de ensaios. Se um estudante compra um trabalho e o submete, o engano é exatamente o mesmo que tivesse copiado o trabalho da Wikipedia. A única diferença é que o plagiador se esforçou muito mais para obter o trabalho e esconder o seu delito. O plágio já não é impulsivo e estúpido, é frio e calculista.

No entanto, muitos ignoram isto ou chamam-lhe qualquer coisa que não um plágio. O estudante continua a apresentar o trabalho de outra pessoa como sendo seu. Não importa se o autor original dá a sua aprovação, a mentira fundamental mantém-se inalterada e continua a haver uma vítima muito real.

A escrita-fantasma produz muitas destas mesmas questões, mas com mais complexidades. Muitas vezes, a escrita-fantasma é perfeitamente aceitável, uma vez que o público não tem expectativas de originalidade. Todos sabemos que os políticos não escrevem os seus próprios discursos e que as celebridades raramente escrevem os seus próprios livros. A autoria nesses casos é mais uma "meia-palavra" do que uma verdadeira declaração de originalidade.

Compare-se, por exemplo, com o escândalo do plágio de Cristiane Serruya (Copy Paste Cris). Aí, uma prolífica escritora romântica foi apanhada a plagiar partes significativas no seu livro e, quando confrontada, culpou os seus escritores-fantasma.

No entanto, em vez de aplacar a audiência, a admissão do uso de escritores-fantasma deixou-a realmente mais revoltada. Com a literatura romântica, a expectativa da audiência é que o autor seja a pessoa que escreveu o livro ou um pseudónimo da pessoa que o fez. A ideia de utilizar escritores-fantasma foi absolutamente ofensiva para essa audiência.

Embora a expectativa do público possa ser difícil de prever, ao longo do tempo formaram-se normas sociais e intelectuais. Não nos surpreendeu saber que Terry Bradshaw ou Leslie Nielsen usaram um escritor-fantasma para os seus livros, mas se fosse revelado que JK Rowling ou Stephen King tinham feito o mesmo, seria um choque e causaria uma grande agitação.

A diferença está em saber se o público foi induzido em erro. Se o público conhece a verdade e a aceita, não há plágio, pois não há engano e não há vítima. Se a audiência for enganada, é um plágio, mesmo que o autor original estivesse de acordo em não ser creditado.

Resumindo

Como uma pessoa que se iniciou no plágio e nos direitos de autor porque foi uma vítima repetida de plágio, também eu tenho lutado para ver o outro lado da moeda. Quando se está furioso por ter encontrado dez anos de trabalho publicado online com o nome de outra pessoa, é difícil preocuparmo-nos com o que o público pensa.

Contudo, todos nós já vivemos situações em que alguém que acompanhámos, conhecíamos ou em quem confiávamos não era quem diziam ser. Todos nós já sentimos esse tipo de traição. Pode não ser a traição pessoal e visceral de ter o seu trabalho plagiado, mas é uma traição sentida por muito mais pessoas.

Para piorar a situação, a forma como confortamos aqueles que são plagiados amplifica o problema. Expressões como "o plágio é a forma mais sincera de elogio" não só banaliza o ato em si, como omite o facto de, dependendo da natureza do plágio, muitas outras pessoas terem sido provavelmente enganadas e confundidas.

Além disso, é também uma mentira. Os plagiadores procuram o caminho mais fácil e obras que sejam adequadas ao seu propósito, não necessariamente as melhores. As obras são escolhidas mais pela sua acessibilidade e utilidade do que pela sua qualidade.

É uma triste verdade, mas o plágio prejudica toda a gente no que não é o plagiador e, ao ignorarmos esse facto, estamos a desculpar um comportamento detestável e a não compreender realmente o que é o plágio.

Afinal, um plagiador não é alguém que quer roubar os seus valores, mas alguém que quer enganar o mundo. Está na hora de vermos isso como é.