10 novembro 2018

Quando e Como Pedir Desculpa aos Doentes


Quando e Como Pedir Desculpa aos Doentes
Roger Sergel
Tradução espontânea do artigo When and How to Say Sorry to Patients

Pedir desculpa não significa perder um processo por negligência – pode até evitá-lo

Parece tão fácil dizer que os profissionais de saúde precisam estar dispostos a pedir desculpa aos seus doentes. Mas não é tão simples assim. Como Ron Harman King, da Vanguard Communications, debate neste número da Wired Practice, há que não ignorar as questões legais.

Tenho algumas boas notícias para lhe dar: se é prestador de cuidados de saúde em Ohio, você não precisa mais de se preocupar em perder uma ação judicial de negligência só porque pediu desculpas a um doente. Um recente acórdão do Supremo Tribunal de Ohio refere que os médicos naquele Estado desfrutam agora de proteção jurídica especial sob o que se chama uma “lei de proteção das desculpas”.

O tribunal estabeleceu que um pedido de desculpas apresentado por um prestador de cuidados a um doente não pode ser admitido como prova num processo civil – mesmo que o pedido de desculpas expresse culpa ou o “reconhecimento de que o cuidado ao doente foi abaixo da norma”. Massachusetts foi o primeiro Estado a aprovar uma lei de proteção das desculpas, em 1986, e, desde então, cerca de três dezenas de outros Estados aprovaram leis similares protegendo “declarações e gestos benevolentes para com os doente e familiares após um resultado inesperado”.

Agora, por favor, note que algumas leis fixam um limite de tempo para a inadmissibilidade de um pedido de desculpas de três a trinta dias. A intenção é incentivar os médicos a comunicarem com os doentes mais cedo e com mais frequência. E a isso eu digo: bravo! Ao lidar com doentes lesados, às vezes, a melhor solução é fazer uma declaração conciliatória razoável.

Mas espera aí. Aguenta. É aqui que as coisas se complicam. Quando e como os prestadores de cuidados de saúde devem, exatamente, pedir desculpa? Esperando responder a esta pergunta, consultei o dicionário Webster e encontrei várias definições para a palavra ‘desculpa’, que pode ter significados vários, uma justificação formal, um lamento, a defesa ou admissão de erro ou grosseria.

Na minha experiência, não me lembro de ver maus resultados de um só erro. A meu ver, resultados clínicos fracos são predominantemente complexos e multifatoriais e, muitas vezes, surpreendentemente, os doentes e suas famílias não procuram realmente uma confissão dos prestadores – procuram apenas palavras de apoio. Vou contar-vos uma história ilustrativa. Há uns anos, um colega meu era presidente do conselho de administração de um grande hospital. Infelizmente, durante o seu mandato, o pessoal do hospital deu uma sanduíche com manteiga de amendoim a uma criança, doente com graves alergias alimentares, que rapidamente morreu. A mãe da criança, de seguida, processou o hospital, e o caso arrastou-se por anos, terminando numa indemnização à família.

Durante todo o processo legal, os advogados do hospital proibiram qualquer pessoa do hospital de contactar com a família. Após a resolução, o presidente do conselho de administração liderou um pequeno grupo de representantes do hospital que visitou a família e apresentou condolências. A reação da mãe deixou todos sem palavras. “Isso é tudo que eu sempre quis”, disse ela, “ouvir alguém – qualquer um – do hospital dizer que lamentava muito a nossa perda. Se eu tivesse ouvido isso depois de o meu filho morrer, nunca teria havido uma ação judicial”.

A lição óbvia é que uma mera palavra de conforto pode mesmo impedir uma tonelada de custas judiciais. Isto é reforçado por estimativa em que 95% dos processos são resolvidos fora do tribunal. Mas a lição menos óbvia é que quem apresenta desculpas pode ser muito seletivo sobre aquilo de pede desculpa. Ou – mais precisamente – uma opção muito eficaz e viável pode não ser apenas pedir desculpas, mas sim oferecer empatia de modo a reforçar o impacto de um pedido de desculpas. Nesse sentido, voltei novamente ao dicionário procurando a palavra certa, mas não conseguiu encontrá-la. Então inventei uma nova palavra: empathology, uma mistura de empathizing e apologizing [poderia ser, em português, “empaticodesculpas”].

No caso da mãe sofredora, cuja história ouvi recontada, os representantes do hospital disseram apenas que lamentavam muito a perda do seu filho. De acordo com o que contou o meu amigo, ninguém disse, “a morte de seu filho foi inteiramente culpa nossa”. Sem saber os detalhes, imagino que os factos do caso eram complexos e que advogados da outra parte lutaram por provar que o hospital fez o que era razoável para lidar com a extrema condição alérgica da criança.

Sem dúvida que a mãe sentiu que o hospital podia fazer mais. Mas ela também se conformou com os riscos que corria o seu filho antes da sua hospitalização. Não obstante, a sua resposta à visita mostrou que queria mais conforto do que vingança. Tivesse sido visitada mais cedo, todos teriam sido poupados a anos de gastos e de tensões próprias de um processo legal.

Lembremo-nos: há um momento para um pedido de desculpas total, sobretudo depois de uma indelicadeza. Participei num exemplo recente. Ao falar com um doente, um profissional referiu-se aos seus longos anos de luta pela saúde como “um pequeno problema”. Vejamos, o profissional estava legitimamente incomodado com um ser humano totalmente irracional que se recusava a aceitar que o agravamento das suas doenças não era devido aos seus tratamentos, mas acontecia apesar deles. Não importava. O equívoco de linguagem bloqueou os ouvidos do doente e apenas alimentava a sua ira. Um breve e calmo pedido de desculpas pelo uso de um adjetivo insensível poderia ter estancado a ira e levado a uma resolução.

Aqueles de nós que andam no campo da gestão de reputação no setor de saúde, conhecem um ditado que diz que não se pode soletrar a palavra ‘prática’ sem o PR [Public Relations]. Muito do trabalho dos profissionais é prestar tanto cuidados físicos como emocionais – e às vezes aconselhamento no luto – quer sejam acompanhados de um pedido de desculpas ou de qualquer outra coisa.

Agora que os médicos obtiveram um adicional de proteção legal para expressarem arrependimento, da próxima vez que você se confrontar com um doente transtornado, considere se pode estar na hora de dizer “desculpe” de modo algo diferente. Talvez seja o momento de mostrar empaticodesculpas.

Click here opens in a new tab or window for the American Medical Association's Code of Medical Ethics, which also covers some of this ground.