Amigas e Amigos,
(*)
Há coisa de um
ano, pensei em organizar este encontro para comemorar esta data redonda – não é
todos os dias que se completam 70 anos – uma idade que, quando era jovem e via
as pessoas da geração anterior alcançá-la, parecia ser muito … muito …
especial.
E afinal não
custa nada!
Contudo, os 70
anos continuam a ser o momento em que um tipo é atingido [PIM!] pelo limite de idade! Há
quem se mantenha no seu posto até ser atingido [PAM!]. Outros, como eu, anteciparam a aposentação profissional
e mudaram de vida antes de serem atingidos [PUM!].
Recordo-me de
ter preparado um currículo para uma das provas da carreira hospitalar – tinha
35 anos – e de ter escrito que me considerava no meio da minha vida.
Cumprida agora a
segunda metade, eis um bom motivo para comemorar, beber um copo de vinho do
Porto (ou um sumo de laranja) com amigos e amigas – pessoas com quem me cruzei
ao longo da minha vida.
Comemorar é,
nesta altura, fazer um breve balanço e também refletir sobre o sentido da vida.
Gostava, se me
permitem, de dirigir as minhas palavras às minhas adoradas netas, em especial à
primeira delas – por ser a que, nos seus já maduros 13 anos, pode perceber
melhor as coisas e a que tem talvez mais possibilidade de manter por mais tempo
a memória deste dia.
Pois é, o teu
avô está hoje muito feliz por ter aqui todos estes amigos que acharam bem vir
felicitá-lo.
Estou feliz e
agradecido.
Sabes, o sentido
da vida, ou dito de outra forma, a vida só tem sentido quando nos sentimos
felizes e vemos que os nossos amigos nos reconhecem como amigos. Mas, quando
falo de vida feliz, falo de uma felicidade que ultrapassa a mera satisfação
pessoal e uma desejada realização profissional, familiar ou social. E, repara
bem, o sentido da vida que vale a pena ter é o que está ligado à felicidade (própria
e do outro) e não ao dinheiro, ao poder ou à fama. E se falo em felicidade não
digo que o caminho não tem dificuldades e ansiedades – pelo contrário.
Estão hoje aqui
amigos do tempo em que andava no liceu de Braga e um pouco mais tarde no liceu
da Póvoa. Continuam a ser grandes amigos desde mais ou menos a tua idade.
Estão aqui
amigos do tempo da faculdade e outros com quem privei na carreira médica – na
neurologia e na eletroencefalografia.
Não convidei
pessoas a quem servi durante tantos anos como médico – doentes ou seus familiares
– porque lhes perdi o rasto quando deixei a clínica (sem dor mas com saudade)
há cerca de 12 anos mas também porque talvez não me ficasse bem fazê-lo…
Na vida fui
muitas vezes escolhido para representar os meus colegas e dediquei a essas
funções muito tempo – fui delegado do curso quase todos os anos da Faculdade,
participei na fundação do Sindicato dos Médicos do Norte (ainda sou o sócio n.º
1), pertenci à direção regional da Ordem dos Médicos (estive uns seis anos a
acompanhar a construção desde o princípio deste edifício da Casa do Médico –
estão aqui amigos com quem partilhei esses tempos e essas funções).
E como me
orgulho disso!
Sabes, fui
também médico militar – participei na guerra colonial. Estão hoje aqui amigos
feitos na tropa em Angola, nesse difícil percurso que não fui capaz de recusar.
Enquanto
adolescente pertenci à Juventude Escolar Católica. Como jovem adulto militei no
Partido Comunista. Em ambos os casos perdi a fé ou, como dizem alguns, perdi as
féses… e não mais as voltei a
encontrar.
Também estou
agradecido a quem me acompanhou noutras atividades que tive – na Liga
Portuguesa contra a Epilepsia e na EPI, a associação de amigos, familiares e
pessoas com epilepsia, na APASD (da universidade Fernando Pessoa) e na Fundação
SNS: foi onde percebi melhor o significado da solidariedade.
Fiz de técnico
de eletroencefalografia, quando os não havia e depois participei no processo de
criação formal da neurofisiografia enquanto profissão: foi onde descobri a
interdependência e a autonomia própria das diversas carreiras da saúde.
Fiz amigos como
funcionário público, quando arrumei as batas e estive na coordenação do
gabinete do cidadão da ARS Norte: foi onde descobri os direitos dos doentes e o
valor do serviço social na Saúde.
Depois da
aposentação, se calhar ainda te lembras de ouvir falar lá em casa, dediquei uma
boa parte do tempo a várias comissões de ética: foi onde descobri os deveres
dos profissionais e a importância das virtudes.
Estão aqui
amigos que fizeram o mesmo percurso e que tanto prezo por me terem ajudado a
fazer o que devia.
Muitas vezes
atrevi-me a fazer pequenas palestras e a dar umas aulas, convidado por amigos.
Estão aqui alguns destinatários dessa atividade docente sempre avulsa, nunca
uma vocação.
Estão também aqui
estudantes, meus colegas hoje, da Faculdade de Letras onde nos últimos 2 anos e
meio tenho assistido assiduamente às aulas da licenciatura em Filosofia e
faltado sistematicamente aos exames. São os meus mais recentes amigos (alguns
com menos 50 anos do que eu).
Ainda bem que me
dispus a estudar filosofia, embora não tenha sabido aprender a filosofar –
defeito meu ou da escola? – ainda assim, adquiri, tarde e más horas, umas boas
bases para perceber melhor a vida e o seu sentido. Assim como percebi como são
muitas as dúvidas que tenho e continuarei a ter.
Outros dos
presentes são amigos feitos nos interstícios desta vida – professores,
vizinhos, colaboradores, antigos “fornecedores”, leitores, outros.
A todos, todos
estou grato.
Grato por
estarem aqui. Alguns outros não puderam vir e alguns responderam ao convite com
palavras tão bonitas e exageradas que não as posso revelar.
Queridas netas,
Queria dizer-vos
que o percurso deste vosso avô não é um exemplo que tenha de ser seguido – foi
uma das possibilidades e oxalá vocês no futuro possam escolher livremente
percursos que vos façam felizes.
A minha vida foi
sempre um bocado atípica – não foi programada nem prevista. Pode mesmo dizer-se
que foi original e por isso diferente das dos meus amigos aqui presentes. É sabido
que não há duas vidas verdadeiramente iguais. Falta saber se a vida de cada um
é uma livre escolha ou está determinada por certas condicionantes a que não
escapamos…
Nos últimos anos
deu-me para intervir publicamente – escrever textos para serem publicados,
participar em mesas redondas de vário tipo, fazer traduções espontâneas de
textos lidos, manifestar-me aqui ou ali – e tentar influenciar os que me leem
para concordarem com as minhas posições. Tenho enviado muitos mails para a RedÉtica (perto de 400
membros de comissões de ética) e para uma lista de cerca de 1700 destinatários…
Sinto que muitos
concordam com o que digo e fazem-me saber disso – outros nem por isso.
Não me arrependo
do que tenho feito. A meu ver, no final, o saldo é positivo.
Talvez por achar
preferível parar enquanto o saldo parece positivo, ou porque receio que um dia
destes me apareça alguém a perguntar “por
que não te calas?”, meteu-se-me na cabeça que chegou a hora de pôr um ponto
final nas minhas intervenções opinativas públicas.
Vou assim aproveitar
o dia dos 70 anos para sair completamente de cena e dedicar-me somente a coisas
da minha esfera muito pessoal. Porque não concretizar o velho sonho de fazer um
e-dicionário toponímico ilustrado da cidade do Porto? Acho que vou tentar.
Já arrumei e
cataloguei os 2780 livros lá de casa e há muitos ainda por ler – como os
suscitados pelas aulas de Filosofia ou os acumulados sobre a portocidade (a qualidade de ser Porto).
E vou continuar
a ler romances: afinal nós somos os livros que lemos. Acredito que é na
literatura que aprendemos muito do que não vivemos.
Sabem,
Descobri que
quanto mais estudava as questões filosóficas na Faculdade mais me apercebia de que
sei tão pouco e como me falta competência para aprofundar os assuntos como deve
ser.
É certo que a
minha “esponja” cerebral já não absorve coisas como antes e, por isso, devia
ter-me lembrado de estudar estas matérias mais cedo.
Obviamente, não
vou deixar de refletir sobre o quotidiano, de conversar contigo quando
estiveres para me aturar, de refletir sobre as interpelações dos meus amigos.
Mas o que eu
queria mesmo dizer aos meus amigos é que tenho um imenso prazer em os ter como
amigos.
O sentido da
vida precisa que tenhamos sempre projetos para realizar e causas para abraçar, sendo
que o mais importante é gostar das pessoas e que elas gostem de nós.
Julgo que pouco
mais é preciso.
E, claro, em
primeiro lugar está a felicidade de amar e de ser amado. Desde logo pelos
nossos mais próximos – a família alargada (manos, cunhados, primos, sobrinhos e
sobrinhetos) e, mais que tudo, a família nuclear: a minha amada há 46 anos (+6
de namoro), os nossos queridos “quatro” (2+2) filhos e as nossas deliciosas quatro
netas.
Estou, assim,
disposto a atirar-me, calado e feliz, à “terceira metade” da minha vida …
E, se não for antes, gostava
que nos encontrássemos de novo daqui a 10 anos para celebrar os meus 80 anos (ou
talvez os do Duque de Bragança e do Xanana Gusmão, do Donald Trump e do Bill
Clinton, do Silvester Stalone e da Diane Keaton), mas também e sobretudo os 80
anos do meu herói de estimação, Lucky Luke, o cowboy solitário, mais rápido do que a própria sombra – afinal
somos todos da colheita de 1946, como alguns dos presentes.
Bem hajam!
Obrigado! … e Felicidades!
(*) solilóquio de Rosalvo
Almeida, era para ser lido na Casa do Médico, no dia 27.11.2016.
«Aqueles que sempre serão felizes:
Aqueles que, em qualquer época, buscam novas formas de existência, exploram
alternativas e anseiam por novas experiências de vida, não se submetendo às
formas institucionais de existência.» Miguel Real, Nova Teoria da Felicidade, p. 165, D. Quixote, 2013
Queridas Amigas e Queridos Amigos,
Antes de lerem esta mensagem prometam que não vão
responder.
A sério! Não me façam sentir obrigado a comentar o
que me digam… J
Há coisas que ou se fazem quando se pensou ser o
momento de as fazer ou deixa de haver justificação para serem feitas noutra
ocasião.
O encontro que planeei para hoje era, como todos
viram, para ser feito numa data redonda (70 anos de vida) e implicava um estado
de felicidade que queria partilhar convosco.
A felicidade, como todos sabem, não se dá bem com a
doença mas, felizmente, a minha mulher já está em casa depois de quase uma
semana com problemas circulatórios multissistémicos e recuperada de uma
hemiplegia transitória coincidente com um cateterismo coronário. Esperamos que
tão cedo não voltem as preocupações que tivemos agora e não posso deixar de vos
agradecer do coração as mensagens (expressas ou silenciosas) que recebi de
todos vós nestes dias.
Tinha planeado, no meio do “Porto com sentido” de
hoje, botar faladura e referir-me à felicidade e ao sentido da vida. A
felicidade ficou muito abalada. As reflexões sobre a vida que vivi mantêm-se.
Por isso, transcrevo em baixo o que tinha já escrito para dizer aos presentes e
enviar aos ausentes.
Serve esta mensagem também para confirmar a minha
determinação em sair de cena.
Saudações, Rosalvo Almeida