Alguns médicos
defendem que não deviam, por lei, agir como
objetores de consciência nem de recusar serviços como a interrupção
voluntária de gravidez ou a ajuda médica ao suicídio, mesmo quando tais atos
conflituem com os seus valores pessoais.
Julian Savulescu,
Universidade de Oxford, Reino Unido, e Udo Schuklenk, Universidade Queens,
Ontário, Canadá, num artigo (*) da revista Bioethics,
no passado dia 22 de setembro, defendem que isso resulta de o acesso a cuidados
dever ser prioritário e os objetores de consciência poderem dificultar o acesso
de doentes que têm necessidade desses cuidados.
A favor das suas
posições invocam o número crescente de países em todo o mundo que discutem quanta
autonomia deve ser dada aos doentes e aos médicos para tomarem decisões sobre
cuidados do início e final de vida, especialmente numa época em que as novas
tecnologias e a imprensa desafiam os limites das convicções pessoais e das crenças
religiosas.
“Os médicos têm
valores, muitas vezes profundamente arreigados, como toda a gente. No entanto,
diferentemente na maioria das profissões, pode por vezes pedir-se aos médicos
que ajam contra alguns dos seus valores”, disse Savulescu à Reuters Health por correio eletrónico.
“Embora existam
situações em que a objeção de consciência pode ser admissível havendo uma opção
alternativa ampla e prontamente disponível que permita que se preste o serviço,
os médicos não devem ter tal direito legal”, afirmou Savulescu.
Os autores assinalam
que, em alguns países, como a Suécia e a Finlândia, os médicos estão impedidos
de se recusarem a prestar qualquer tipo de assistência médica que seja legal e
podem ser despedidos se o fizerem.
Notam ainda que, noutros
países, como a Austrália, Canadá, Reino Unido e USA, as leis permitem historicamente
a objeção de consciência e os médicos entram na profissão com a expectativa de
que não serão obrigados a prestar cuidados de saúde que colidam com as suas crenças
religiosas ou convicções pessoais.
No caso da
contraceção, os autores defendem que os médicos não devem ter direito legal de se
recusar porque as mulheres não têm outra forma de a conseguirem. Além disso, uma
vez que as mulheres querem o controlo da natalidade, o planeamento familiar é
um bem social porque pode ajudar a evitar o excedente populacional.
O artigo é a
refutação da defesa da objeção de consciência feita por Christopher Cowley do
Colégio Universitário de Dublin publicado na revista Bioethics no ano passado. (**)
No que se refere à
contraceção, Cowley defende no seu artigo que os clínicos gerais, que podem prescrever
o controlo da natalidade como uma parte muito pequena da sua atividade clínica,
devem ter o direito de recusar esse serviço da mesma maneira que são
dispensados se tiverem uma dor de costas que os impeçam de executar
determinadas tarefas.
No caso da contraceção,
como da interrupção da gravidez ou do suicídio medicamente ajudado, um clínico
geral que tenha objeções morais para esse serviço pode encaminhar os doentes
para um prestador que não tenha objeção, refere Cowley. Desta forma, o objetor
de consciência não limita necessariamente o acesso a tais cuidados de saúde.
Contudo, na sua
refutação, os autores do presente artigo defendem que as pessoas que não acham
que os médicos devem prescrever a contraceção não se devem tornar clínicos
gerais. Em vez disso, devem escolher outra especialidade médica ou seguir uma
carreira diferente.
É melhor para os
doentes e para os médicos que as pessoas recebam cuidados de clínicos que atuam
voluntariamente, disse Holly Fernandez Lynch, um investigador em bioética da
Universidade de Harvard, Boston, não envolvido na redação do artigo.
“A profissão médica
tem a responsabilidade de assegurar que existem suficientes profissionais
dispostos a prestar os vários serviços que são exclusivamente seus – isso não
significa necessariamente forçar os objetores de consciência, mas antes incentivar
os profissionais disponíveis”, disse-nos Lynch por correio eletrónico.
Lynch acrescentou
que, sempre que possível, os doentes devem apurar junto dos médicos quais os serviços
que eles não fornecem, e os médicos devem revelar espontaneamente quaisquer objeções
que tenham a tipos específicos de cuidados.
Por vezes, há hospitais
[privados] que têm proibições religiosas contra a prestação de serviços como a interrupção
voluntária da gravidez e que limitam o que os médicos podem fazer, refere
Arthur Caplan, chefe de bioética no Langone
Medical Center da Universidade de Nova Iorque.
Caplan, que também
não é autor de qualquer dos artigos, disse-nos por correio eletrónico: “Por
exemplo, quando se procura uma instituição de cuidados continuados, uma casa de
repouso ou uma assistência domiciliária é crucial tentar conhecer os seus
valores e práticas quanto às questões de fim de vida”. “Em todos os hospitais há
uma comissão de ética e disponibilidade para analisar casos de conflito com um
médico.”
Fonte: Bioethics
2016.
__________
(*) Julian Savulescu, Udo Schuklenk. Doctors Have no Right to Refuse Medical Assistance in Dying, Abortion or Contraception, 22 September 2016,
Resumo
- Num artigo nesta revista, Christopher Cowley argumenta que nós ‘interpretámos
mal a natureza especial da medicina, bem como as motivações dos objetores de
consciência’. Não o fizemos. Foi Cowley quem entendeu mal o papel dos valores
pessoais na profissão médica. Nós defendemos que deve haver uma melhor proteção
dos doentes face aos valores pessoais dos médicos e que deve haver restrições mais
severas ao direito à objeção de consciência, particularmente em relação à morte
ajudada. Defendemos que seja garantido aos doentes, que dele careçam, o acesso
a serviços sujeitos a objeção de consciência, por via: (1) do fim do direito à
objeção de consciência; (2) da seleção de candidatos para as principais especialidades
médicas ou práticas que não têm objeções; (3) da perda da exclusividade de prestação
destes serviços por parte da profissão médica.
(**) Christopher Cowley. A Defence of Conscientious Objection in Medicine: A Reply to Schuklenk and Savulescu, 10 December 2015
Resumo - Num recente editorial da revista Bioethics (2015), Udo Schuklenk
argumenta contra a possibilidade de os médicos canadianos objetarem, por
motivos de consciência, os novos procedimentos relativos à eutanásia aprovados
pelo Parlamento. Nisso está de acordo com o artigo de Julian Savulescu no British Medical
Journal, 2006, em que se defendia a fim da cláusula
de objeção de consciência da Lei do Abortamento britânica de 1967. Ambos os
autores apresentam fortes argumentos baseados na necessidade da uniformidade de
serviços e nas analogias com tipos pouco recomendáveis de isenção pessoal.
Neste artigo, quero defender a objeção de consciência nos sistemas de saúde com
financiamentos públicos (como os do Canadá e Reino Unido), pelo menos nos casos
de interrupção voluntária da gravidez e nos cuidados de fim de vida, sem menosprezar
os importantes debates morais sobre a legitimidade de qualquer deles. A minha
principal alegação é que Schuklenk e Savulescu interpretaram mal a natureza
especial da medicina e as motivações dos objetores de consciência. Embora
reconheça o ponto de Schuklenk sobre o diferente acesso a serviços lícitos em
áreas rurais remotas, defendo que o serviço de saúde deve despender mais meios para
proteger a objeção de consciência se quiser garantir um acesso universal.