A Morte da Carta do Médico
Melissa
Walton-Shirley
Tradução espontânea do texto
The Death of thePhysician Letter
"O maior problema da Comunicação é a ilusão de que ela ocupa espaço." - William H. Whyte [*]
Depois de perguntar à doente
porque tinha vindo, percorri seis quadros com alíneas e subalíneas, sem que
nenhum de nós percebesse por que razão ela me fora encaminhada. Relidas as seis
páginas daquela informação, apercebi-me de que a doente não se sentia ameaçada
nem fora agredida em casa, tinha feito o teste cutâneo da tuberculose há pouco
tempo e tinha sido aconselhada a fazer a vacina da pneumonia. Da lista de
medicamentos presumi pelo menos algumas das suas doenças, o que, no final da
consulta, confirmou que eu conservava intactas as minhas capacidades de
telepatia médica. Impressionou-me que ela tivesse uma carta feita há 2 semanas,
mas não percebi porquê. Deve ter durado uns 15 a 30 minutos a fazer e não
mostra nada a não ser que o seu autor é um fantástico escriba.
Embora haja montes de artigos
sobre as falhas de comunicação entre médicos e doentes e entre médicos e
médicos em ambiente hospitalar, há poucos dados objetivos sobre o impacto dessa
falha de comunicação no caso das consultas externas. Os doentes internados
representam uma fração da população geral de doentes; todavia, não tenho
dúvidas de que as falhas de comunicação representam custos de milhões em exames
desnecessários, faltas ao trabalho e diagnósticos errados. Um dos objetivos
primários do Affordable Care Act [Obamacare] era melhorar a
partilha de informações, mas em vez disso criou-se uma enorme “fadiga de
informação” que enche os processos clínicos de tralha inútil. Provocou a maior
perturbação na comunicação entre médicos que o mundo das consultas alguma vez
teve.
Antigamente (e no tempo das
boas comunicações antes do Registos Clínicos Eletrónicos), eu recebia cartas
como esta:
Acompanho a D. Carlinda há 15 anos e a sua diabetes tipo 2 está finalmente sob controlo. Preocupa-me a história da sua mãe que teve um ataque cardíaco aos 65 anos. Carlinda já passou essa idade e de facto não tem novas queixas, nem dores no peito, e dá os seus passeios diários, mas devido ao seu perfil, envio-a para uma avaliação de riscos.
A propósito, envio junto um perfil lipídico que pedi para que o veja. Também tenho evitado o uso de betabloqueadores pois sofre de asma moderada. Por favor, ligue-me se precisar de mais informações.
Espero que estas sejam úteis,
Cordialmente,
RD, MD
Hoje, não há tempo para ser
expressivo e há pouca motivação para ser informativo. Só quando pensamos que
acabamos a grande tarefa de preencher os dados (ignorando a ridícula quantidade
de tempo que isso roubou ao doente), é que nós carregamos na tecla de submissão
transformando o último calhamaço do dia num complicado quebra-cabeças de informação
inútil como os que os decifradores tanto gostam. Os tipos do Canal de Vendas
por Cabo devem estar invejosos ao verem o tempo que gastamos a dizer a sempre
mesma coisa sobre a mesma coisa.
Os clínicos são empurrados para
milhões de direções diferentes. Como profissionais estamos desencorajados e
desgastados, mas temos de lutar arduamente para não nos tornarmos naquilo que o
nosso governo quer. Soubemos o suficiente para entrar na faculdade,
sobrevivemos à dureza dos internatos, conseguimos um lugar e sabemos o que
fazer para ultrapassar obstáculos que há entre nós e os cuidados aos doentes.
O modo mais eficaz de afastar a
nuvem negra que cobre as comunicações entre médicos é ressuscitar a carta do
médico. Não temos de escrever como o Padre António Vieira ou produzir prosas
elegantes. Bastam umas linhas que contenham o essencial das nossas preocupações/dúvidas
e alguns factos relevantes da história do doente. Demora pouco mais de dois
minutos para que o nosso destinatário, o nosso consultor ou os nossos doentes
percebam que não alinhamos nas falhas da moderna comunicação. Estes
constrangimentos caíram em cima de nós sem que o permitíssemos. Com melhor
comunicação podemos fazer a nossa profissão regressar aos tempos em que
importava haver coordenação de pensamentos, ideias e factos e os doentes
sentiam que eram, eles também, importantes.
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[*] Whyte WH. "Is anybody listening?" Fortune 1950; 42:77-83.