10 novembro 2015

A Morte da Carta do Médico

 

A Morte da Carta do Médico

Melissa Walton-Shirley

Tradução espontânea do texto 

The Death of thePhysician Letter

"O maior problema da Comunicação é a ilusão de que ela ocupa espaço." - William H. Whyte [*]

Depois de perguntar à doente porque tinha vindo, percorri seis quadros com alíneas e subalíneas, sem que nenhum de nós percebesse por que razão ela me fora encaminhada. Relidas as seis páginas daquela informação, apercebi-me de que a doente não se sentia ameaçada nem fora agredida em casa, tinha feito o teste cutâneo da tuberculose há pouco tempo e tinha sido aconselhada a fazer a vacina da pneumonia. Da lista de medicamentos presumi pelo menos algumas das suas doenças, o que, no final da consulta, confirmou que eu conservava intactas as minhas capacidades de telepatia médica. Impressionou-me que ela tivesse uma carta feita há 2 semanas, mas não percebi porquê. Deve ter durado uns 15 a 30 minutos a fazer e não mostra nada a não ser que o seu autor é um fantástico escriba.

Embora haja montes de artigos sobre as falhas de comunicação entre médicos e doentes e entre médicos e médicos em ambiente hospitalar, há poucos dados objetivos sobre o impacto dessa falha de comunicação no caso das consultas externas. Os doentes internados representam uma fração da população geral de doentes; todavia, não tenho dúvidas de que as falhas de comunicação representam custos de milhões em exames desnecessários, faltas ao trabalho e diagnósticos errados. Um dos objetivos primários do Affordable Care Act [Obamacare] era melhorar a partilha de informações, mas em vez disso criou-se uma enorme “fadiga de informação” que enche os processos clínicos de tralha inútil. Provocou a maior perturbação na comunicação entre médicos que o mundo das consultas alguma vez teve.

Antigamente (e no tempo das boas comunicações antes do Registos Clínicos Eletrónicos), eu recebia cartas como esta:

Cara Melissa,
Acompanho a D. Carlinda há 15 anos e a sua diabetes tipo 2 está finalmente sob controlo. Preocupa-me a história da sua mãe que teve um ataque cardíaco aos 65 anos. Carlinda já passou essa idade e de facto não tem novas queixas, nem dores no peito, e dá os seus passeios diários, mas devido ao seu perfil, envio-a para uma avaliação de riscos.
A propósito, envio junto um perfil lipídico que pedi para que o veja. Também tenho evitado o uso de betabloqueadores pois sofre de asma moderada. Por favor, ligue-me se precisar de mais informações.
Espero que estas sejam úteis,
Cordialmente,
RD, MD

Hoje, não há tempo para ser expressivo e há pouca motivação para ser informativo. Só quando pensamos que acabamos a grande tarefa de preencher os dados (ignorando a ridícula quantidade de tempo que isso roubou ao doente), é que nós carregamos na tecla de submissão transformando o último calhamaço do dia num complicado quebra-cabeças de informação inútil como os que os decifradores tanto gostam. Os tipos do Canal de Vendas por Cabo devem estar invejosos ao verem o tempo que gastamos a dizer a sempre mesma coisa sobre a mesma coisa.

Os clínicos são empurrados para milhões de direções diferentes. Como profissionais estamos desencorajados e desgastados, mas temos de lutar arduamente para não nos tornarmos naquilo que o nosso governo quer. Soubemos o suficiente para entrar na faculdade, sobrevivemos à dureza dos internatos, conseguimos um lugar e sabemos o que fazer para ultrapassar obstáculos que há entre nós e os cuidados aos doentes.

O modo mais eficaz de afastar a nuvem negra que cobre as comunicações entre médicos é ressuscitar a carta do médico. Não temos de escrever como o Padre António Vieira ou produzir prosas elegantes. Bastam umas linhas que contenham o essencial das nossas preocupações/dúvidas e alguns factos relevantes da história do doente. Demora pouco mais de dois minutos para que o nosso destinatário, o nosso consultor ou os nossos doentes percebam que não alinhamos nas falhas da moderna comunicação. Estes constrangimentos caíram em cima de nós sem que o permitíssemos. Com melhor comunicação podemos fazer a nossa profissão regressar aos tempos em que importava haver coordenação de pensamentos, ideias e factos e os doentes sentiam que eram, eles também, importantes.

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[*] Whyte WH. "Is anybody listening?" Fortune 1950; 42:77-83.