Ouvimos a telefonia sem fios e percebemos que ser discreto e prudente não está na moda.
Os fotografados
mostram sinais do tempo que passou mas a propaganda não é deles – é do hospital
onde trabalham. Certamente que o uso das suas imagens só é possível porque os
fotografados consentiram. Mas alguém está a esquecer que o Código Deontológico da Ordem dos Médicos, que a todos obriga, estabelece que na divulgação da sua atividade o médico
deve abster-se de propaganda e autopromoção e proíbe a divulgação de «informação
suscetível de ser considerada como garantia de resultados ou que possa ser
considerada publicidade enganosa».
Podemos,
é verdade, presumir que tal quantidade traduz igual qualidade e até é possível que
essa correspondência seja real na maioria dos casos. Quando uma pessoa sente necessidade
de recorrer a cuidados de saúde é natural que procure saber o melhor serviço
que está ao seu alcance. No momento de aceitar a realização de uma intervenção,
ser-lhe-á pedido que comprove, com a sua assinatura, que consente o ato na condição
de ser devidamente esclarecido sobre o que esse ato significa: riscos que corre
e resultados que pode legitimamente esperar. É nesse momento que é justo que
lhe sejam facultadas estatísticas do desempenho – quantos atos feitos, quantos
tiveram êxito e quantos falharam. Não há, é certo, essa tradição entre nós mas,
é sabido, as tradições começam em qualquer altura.
2. De
qualquer modo, o referido código de conduta dos médicos portugueses alude que uma
"publicação de anúncios (…) tem de revestir forma discreta e prudente".
Ouvimos
a telefonia sem fios e percebemos que ser discreto e prudente não está na moda.
Alerta cancro! É uma rubrica radiodifundida que nos diz que há tratamentos
novos que são entusiasmantes. Parece ser uma boa notícia! A imunoterapia oncológica,
dizem-nos todas as ondas das manhãs, é muito melhor do que a quimioterapia e talvez
seja verdade. Também dizem que ainda decorrem ensaios clínicos que comprovem as
vantagens mas que doentes e médicos estão entusiasmados. Note-se que, por um
lado, os médicos anunciam os resultados dos ensaios clínicos em curso antes do
seu termo e sublinham saber que, com o novo tratamento, a sobrevida das pessoas
com cancro do pulmão aumenta alguns meses e, por outro lado, alertam para os
custos desses novos tratamentos. Ouve-se, em paralelo, um doente afirmar que
está muito grato por estar a participar no ensaio clínico pois está a sentir-se
melhor (disse também que tinha interrompido, por uns dias, o tratamento por ter
tido uma “pequena” pneumonia) sem mostrar que tivesse sido informado sobre a
dimensão da sobrevida. Seria, aliás, importante saber quais as diferenças de
sobrevida e de qualidade de vida em três grupos: com a “velha” quimioterapia,
com a “nova” imunoterapia e sem qualquer terapia.
Seja
como for, os ensaios clínicos com novos tratamentos devem, em princípio,
comparar grupos de doentes sob tratamentos supostamente eficazes e não deixar
doentes sem tratamento. O desenho e execução destes ensaios são (devem ser) controlados
por uma autoridade reguladora (INFARMED) e sujeitos a apreciação por uma
comissão de ética, nacional, única, independente da autoridade, dos
investigadores e dos promotores (CEIC). Ora, o anúncio público de resultados,
com a colaboração dos investigadores e dos promotores, antes do final dos
ensaios, tem de ser liminarmente condenado ou, em alternativa, tem de levar à
interrupção do ensaio e à publicação imediata dos achados.
3.
Pode ser verdade mas parece cedo. Se e quando se demonstrar a eficácia de um novo
tratamento, então, importa que seja anunciada e se autorize a sua comercialização
e se definam os preços. Antes do final das investigações, porque precisamos de
saber se a eficácia se refere à sobrevida adicional, aos efeitos secundários ou
à cura, configura um caso de publicidade perigosa e imprudente ou uma manobra
comercial de contornos duvidosos.
Criar expectativas é perverso ainda que elas venham a confirmar-se, sobretudo se não são declarados potenciais conflitos de interesses. Não é, manifestamente, um caso de liberdade de informação – é uma questão de seriedade. Ambos os casos mostram quanto ser discreto é ser ético!