A mediação bioética é uma forma de atenuar desencontros. E, felizmente, esse caminho está a fazer-se.
Corro o risco de me meter onde não sou chamado e de
falar do que não sei. Certamente não serei o primeiro nem o último. Mas
deixem-me chamar a atenção para uma outra forma de tratar certos casos que
frequentemente surgem da imprensa relativos à Saúde.
Há um doente com cancro cuja progressão escapa às
intervenções realizadas e que, depois de submetido a uma operação de
emergência, se complica a ponto de necessitar de assistência em unidade de
cuidados intensivos. As unidades estão lotadas e o doente acaba por falecer
antes de conseguir ser admitido ou logo após essa admissão. Naturalmente que o
assunto é notícia e, enquanto uns exigem explicações, outros apressam-se a
lançar averiguações.
No meio de tão desagradáveis e tristes ocorrências, os
telejornais exploram, até à exaustão, a exposição do sofrimento dos familiares.
Os ouvintes, motivados pelo hábito, pelam-se por isso. Nada a fazer. As
televisões não podem escapar à sua natureza – são como os lobos, comem as
ovelhas mas não é por mal, é porque tem de ser. A desgraça alheia “vende”!
Os serviços da Saúde, pelo seu lado, tentam lavar a
imagem e um “rigoroso inquérito”, logo anunciado, serve bem para atirar para
mais tarde os esclarecimentos, os quais, afinal, raramente aparecem, já que a
imprensa estará então mais interessada noutro facto, noutro escândalo, noutra
desgraça. E assim, sucessivamente, sem cessar.
Ora, outra forma de também tratar estas questões pode
ser a ativação, a nível local, de mecanismos de mediação. Talvez não seja fácil
que aconteçam antes do caso chegar às televisões mas, pelo menos, podiam
acontecer ao mesmo tempo. Imagine-se que os familiares do doente eram chamados,
ao hospital, não para lhes explicarem as regras do sistema ou para os
convencerem de que a morte é uma inevitabilidade quando surgem complicações.
Seria possível uma entidade não implicada na assistência ao doente promover uma
reunião entre os profissionais e os familiares, tendo por finalidade chegar a
um ponto em que as partes percebessem melhor o que se passou?
É verdade que muitas incompreensões deixariam de
existir se, antes, as posições dos profissionais de saúde e das instituições
fossem propícias a que, naturalmente, os doentes e os familiares compreendessem
os problemas que vão surgindo no decurso de um caso grave. É certo que alguns
médicos se esquecem de expor e explicar, a tempo, o prognóstico de uma doença.
É conhecido que o mito da imortalidade é alimentado por certos noticiários. É
sabido que a decisão de suspender tratamentos fúteis e dedicar os esforços
“apenas” a cuidados paliativos que controlem o sofrimento terminal é, além de
difícil, frequentemente adiada. Outras vezes é mesmo suprimida pelo
deslumbramento tecnológico – é quase um desafio a que alguns não resistem: até
quando posso adiar a morte, qualquer que seja o custo? Claro que não estou a
falar de custos económicos (antes que alguém me acuse de defender o
racionamento), refiro-me a sofrimentos como a dor e a angústia.
Contudo, mesmo com boa prevenção, nunca deixará de haver situações em que as partes necessitam de parar para pensar e tentar a mútua compreensão. É a hora de as comissões de ética locais se dedicarem a esta tarefa, com independência face às administrações. Não chega serem verificadores de conformidades quando se trata de estudos de investigação clínica. Não basta responderem a pedidos de parecer sobre documentos ou normas de atuação. As comissões de ética hão de, certamente, num futuro próximo, disponibilizar oportunidades de mediação bioética. Não se trata de as envolver em processos de averiguação ou apuramento de responsabilidades – para isso já há entidades que cheguem e algumas até são as primeiras a pedir inquéritos a outras. Não se trata de arbitrar decisões. A mediação bioética é uma forma de atenuar desencontros. E, felizmente, esse caminho está a fazer-se, caminhando.