01 fevereiro 2014

O exemplo da Consulta de Ética

 
O exemplo da Consulta de Ética
Judith Andre / University of North Carolina Press / 2002
Tradução espontânea de um extrato do livro Bioethics as Practice acedido AQUI

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Muitas comissões de ética hospitalares disponibilizam hoje o serviço de Consulta de Ética – e a escolha da palavra “serviço” é deliberada. As “comissões de ética hospitalares” não são corpos disciplinares. Em vez disso, os seus objetivos são ajudar os hospitais a compreender e cumprir padrões éticos atualizados. O serviço da Consulta de Ética destina-se a tratar de incertezas ou desacordos em casos especiais. Quem faz consultas participa naqueles objetivos; na verdade, todos falamos uns com os outros, escrevemos uns aos outros, assistimos às mesmas conferências, e assim por diante. Este consenso foi recentemente articulado por um grupo de trabalho da Sociedade Americana de Bioética e Humanidades (ASBH), a maior organização profissional da área. As suas orientações incluem uma secção intitulada “Natureza e finalidades da Consulta de Ética”. Procuro usar uma formulação diferente, abaixo descrita, a qual ajudei a escrever, por coincidência, pela mesma altura, num grupo de trabalho do Hospital Sparrow, em Lansing, Michigan, e mais tarde foi publicada no Journal of Clinical Ethics6. As semelhanças entre versões nacionais e locais demonstram um consenso sobre o tema.

Finalidade 1. “Oferecer uma solução ética para o caso concreto.” Este primeiro objetivo diz respeito às perguntas imediatas, aquelas que motivaram a consulta: No caso da D. Bactri, alcançar uma solução ética significou encorajar o médico a respeitar a sua recusa. Avançar para este tipo de solução exige análise moral, para a qual os filósofos estão vocacionados, mas também muito daquilo que Haavi Morreim chama “trabalho de detetive”, para o que nós não estamos treinados. “Trabalho de detetive” significa descobrir o que realmente se está a passar. Neste exemplo, um psiquiatra sénior dissera que a senhora estava incapaz para tomar as suas decisões. Como se viu depois, ela estava demasiado sonolenta quando o psiquiatra a observou. Ou seja, não se pronunciou sobre as suas capacidades quando ela estava desperta, as quais se verificou depois serem normais. Um detetive precisa conhecer o consenso nacional sobre estes temas e o estado da arte em termos legais. Nem o consenso nem a lei são decisivos, mas uma das nossas responsabilidades oficiais é disponibilizar ambos.

Em geral, o objetivo é menos teórico do que parece. Quando o nosso grupo de trabalho esclareceu o que, na prática, o seu significado, deu as seguintes orientações:

- Confirme se o doente pode falar por si.

- Se o doente estiver capaz disso, fale com ele.

- Incite o doente ou o seu representante a informar-se completamente sobre as diferentes possibilidades e sobre as prováveis consequências de cada uma.

- Ajude o doente e os familiares a classificar a importância relativa das implicações práticas e éticas das suas escolhas.

- Procure um padrão das opções de vida do doente.

- Descubra se o doente escolheu um procurador de cuidados de saúde formal.

Finalidade 2. “Criar condições para uma comunicação respeitosa e aceitável entre as partes envolvidas”. Este segundo objetivo reconhece que decisões subsequentes podem ter de ser adiadas. Os seres humanos são agentes morais, responsáveis por decidir, depois de pensar, as suas ações segundo os seus princípios. Também encarnam várias necessidades emocionais e limitações. Além disso, os casos ocorrem como sendo parte de relacionamentos dinâmicos e não como acontecimentos isolados. Por todas essas razões, uma consulta bem-sucedida ajudará quem for capaz de se ajustar ao desenrolar das histórias. Quando conhecemos Catherine Bactri tentámos olhar para o futuro. A sua mãe provavelmente tinha uma pneumonia de aspiração – será que quereria que fosse tratada com antibióticos? Contudo, não podíamos antecipar todas as possibilidades. Idealmente deveríamos tratar de algumas das tensões entre o médico, a doente e a família, de modo que pudessem, mais tarde, lidar melhor com as decisões a tomar. Não tenho a certeza de o termos conseguido. E nada havia na minha formação que me ajudasse.

Finalidade 3. “Ajudar as pessoas implicadas a aprender a superar incertezas e discordâncias éticas por si mesmas”.

Aqui temos de olhar para lá do caso concreto, antecipar situações que envolvam o mesmo tipo de assuntos. Este objetivo explora o meu treino em filosofia, pois exige que eu elabore uma argumentação clara para as recomendações. No entanto, é também verdade que muitas pessoas sem treino em filosofia o fazem e bem. Por outro lado, algumas das perguntas que precisam ser respondidas nada têm a ver com filosofia. (Nomeadamente: qual a melhor maneira de formar os profissionais de saúde envolvidos? Podem estar ávidos de teoria ou isso pouco lhes interessar; podem querer pensar com profundidade no tema ou simplesmente obter algo que os proteja legalmente).

Finalidade 4. “Ajudar a instituição a reconhecer os padrões éticos que necessitam de atenção”. Tais padrões podem ser individuais (um médico que nunca se encontrou com a família), de âmbito local (uma unidade de cuidados intensivos onde aos doentes nunca é permitida a recusa de tratamentos) ou de âmbito hospitalar (uma política institucional obscura sobre “Decisões de Não Reanimar”). Atingir este objetivo requer um bom discernimento prático, assim como uma consciência das origens do problema (psicologia individual, uma gestão de risco intrusiva, treino inadequado do pessoal).

Não é somente nas Consultas de Ética que a Bioética exige competências fora do âmbito da filosofia. Não se pode trabalhar bem em Bioética sem se saber bem como funciona o mundo, quer isso signifique saber como se expressa o genoma, conhecer as realidades financeiras das companhias farmacêuticas ou perceber o prognóstico de recém-nascidos com baixo peso. (Muitas vezes parece suficiente conhecer estas coisas pelo menos superficialmente, uma questão a que voltarei no capítulo 10, dedicado ao trabalho interdisciplinar.) Outro exemplo é o da necessidade de compreender e saber lidar com o assunto que se quer regular quando da formulação de códigos de conduta, regulamentos e políticas institucionais.

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