É de todos conhecido que o Conselho Nacional Executivo da Ordem «decidiu solicitar a abertura de um processo de averiguação aos Médicos que assinaram o parecer do CNECV» por alegadas ofensas ao Código Deontológico. Entretanto foi dito publicamente que o processo provavelmente levará muito tempo a concluir-se, pelo que se pode esperar apenas uma de duas situações, ambas intoleráveis: uma condenação presumida arrastada por meses em lume brando ou um arquivamento silencioso sem direito a defesa.
Dispenso-me de fazer aqui a explicação detalhada do Parecer n.º 64/CNECV/2012 por entender que ele se explica por si mesmo. Lido com seriedade, seguramente se verifica ser um marco importante da forma como as autoridades devem exercer o seu múnus, ou seja, com «a integridade, a transparência, a publicidade, a consistência e a minúcia (…) que deverão estar na base (…) [d]as decisões políticas», como nele se pode ler. No entanto, reconheço que não posso tentar convencer quem não quer ser convencido, quem intencionalmente distorce e quem tem outros objetivos em mente.
Todos os conselheiros, médicos ou não, manifestaram a sua concordância com o teor do Parecer e a sua maioria contribuiu para o aperfeiçoamento da versão final. Tendo sido um dos seus relatores, estou no centro das investidas dos dirigentes da Ordem e, assim, justifico a necessidade de me pronunciar a título individual deste modo e neste local – recusei e tenciono continuar a recusar prestar declarações perante órgãos de comunicação social.
Longe de negar o direito a qualquer pessoa de discordar do Parecer, move-me a necessidade de afirmar veementemente o inalienável direito a continuar, até ao final do mandato, a ser conselheiro nacional sem qualquer tipo de constrangimentos e o, igualmente inalienável, direito ao meu bom nome.
A censura pública que representa a instauração deste processo é repugnante e não pode passar sem algumas explicações básicas destinadas aos dirigentes da Ordem que assim demonstraram delas precisarem.
O CNECV é um «órgão consultivo independente que funciona junto da Assembleia da República» e é composto por personalidades designadas por diversas entidades (Academia das Ciências de Lisboa, Assembleia da República, Conselho de Ministros, Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, Instituto Nacional de Medicina Legal, Fundação para a Ciência e Tecnologia, Ordens dos Advogados, dos Biólogos, dos Enfermeiros e dos Médicos). No exercício das suas funções, os conselheiros não têm que prestar contas às entidades que os indicaram, o que lhes concede o estatuto de total independência e o direito a livremente se pronunciarem.
Ainda que, por absurdo, um conselheiro médico defendesse posições contrárias ao Código Deontológico, qualquer ação que o impedisse ou pretendesse punir seria sempre um atentado à liberdade de expressão, tanto mais que participar num Conselho Nacional nunca pode ser considerado como o exercício da profissão de médico.
Repudio, por isso, tanto a legitimidade desta iniciativa disciplinar como a suspeita, levantada pelos dirigentes que a aprovaram, de que tenhamos de algum modo contrariado os princípios deontológicos ao defender que «existe fundamento ético para que o Serviço Nacional de Saúde promova medidas para conter custos com medicamentos. Tais medidas devem basear-se num modelo como o […] indicado, para que se assegure a mais justa e equilibrada distribuição dos recursos existentes», assim como ao recomendar que «nas decisões sobre racionalização de custos, esteja patente que as opções fundamentais serão entre os “mais baratos dos melhores” (fármacos de comprovada efetividade) e não sobre os “melhores dos mais baratos”.»
A afirmação de que o Parecer foi «encomendado pelo Ministério da Saúde» é ofensiva e distancia-se ridiculamente da realidade. Entre as competências do CNECV conta-se, por Lei, textualmente, a de responder aos pedidos de parecer solicitados pelo Presidente da República, a Assembleia da República, os membros do Governo, as demais entidades com direito a designação de membros e ainda os «centros públicos ou privados em que se pratiquem técnicas com implicações de ordem ética nas áreas da biologia, da medicina ou da saúde».
Aguardo com serenidade, embora indignado, pela conclusão do processo que me foi movido mas não deixo de considerar que, infelizmente, qualquer que seja o desenvolvimento que venha a ter, está causado um grave dano de consequências difíceis de calcular na credibilidade da Ordem dos Médicos e do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida. E isso é mau, mesmo muito mau!
Porto, 3 de outubro de 2012