Foi publicada finalmente a lei que «regula as diretivas antecipadas de vontade, designadamente sob a forma de testamento vital, e a nomeação de procurador de cuidados de saúde e cria o Registo Nacional do Testamento Vital(RENTEV)».
Nos tempos que vão
correndo é caso para saudar esta boa notícia.
Contra ventos e
marés, enfrentando receios infundados, os deputados aprovaram uma legislação
similar à que muitas regiões autonómicas espanholas têm há vários anos. Vai ser
possível agora que as equipas de saúde deixem de se refugiar em posições
pretensamente defensivas, receosas de perseguição judicial, quando “apenas”
respeitem a vontade da pessoa que estão a tratar.
Sim, é certo que a
lei podia ser melhor mas ter sido aprovada por unanimidade na Assembleia da
República é, só por si, motivo para a inscrever no rol das coisas boas.
Sim, é verdade que
ainda falta que o governo regulamente alguns aspetos indispensáveis à aplicação
plena do que foi aprovado – o prazo limite termina em meados de janeiro de
2013.
Sim, há clausulados
mal redigidos que podem ser mal interpretados e até já o foram. Veja-se a “notícia”
que a Lusa produziu no dia da publicação da lei: «Os profissionais que atendam um doente que tenha feito testamento
vital e corra "perigo imediato" não têm de levar em consideração as
Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV) se isso implicar uma demora que agrave
os riscos». Ora o que diz a
lei é, textualmente, que «em caso de
urgência ou de perigo imediato para a vida do paciente, a equipa responsável
pela prestação de cuidados de saúde não tem o dever de ter em consideração as
diretivas antecipadas de vontade, no caso de o acesso às mesmas poder implicar
uma demora que agrave, previsivelmente, os riscos para a vida ou a saúde do outorgante.» Esta redação arrevesada significa, suponho que
sem margem para dúvidas, que o legislador apenas pretendeu recomendar que, não
havendo tempo para consultar eventuais diretivas, os médicos não deixassem de
agir perante casos de risco de vida.
Sim, pode dizer-se
que não está claro, numa primeira leitura da lei, que qualquer pessoa pode
fazer um “testamento vital” e também nomear um procurador de cuidados de saúde.
Assim como pode optar apenas por um desses modos de garantir o respeito pelas
suas vontades, caso fique incapaz de as expressar.
Sim, sempre haverá
médicos que acham, em consciência, que devem ligar aparelhos de suporte
artificial de vida a pessoas inconscientes que declararam formal e precisamente
que recusam tais tratamentos. Mas, em contrapartida, muitos outros há que sabem
os limites das suas funções (não se arvoram em possuidores de poderes divinos)
e compreendem o significado do princípio da autonomia.
Sim, há quem queira
abrir um debate sobre a morte medicamente assistida e defenda que é chegado o
tempo de rever o Código Penal nessa matéria. Mas não é disso que trata este
diploma.
Sim, a Lei n.º 25/2012, de 16 de julho, repete disposições que já estão em vigor e não precisariam constar de um
testamento vital – não é preciso ir ao notário para que uma pessoa tenha
direito a cuidados paliativos e a uma terapêutica sintomática apropriada ao «sofrimento determinado por doença grave ou irreversível,
em fase avançada». Tão pouco parece necessário que alguém precise de escrever, assinar e
registar que deseja «não ser submetido
a tratamento fútil, inútil ou desproporcionado no seu quadro clínico e de
acordo com as boas práticas profissionais, nomeadamente no que concerne às
medidas de suporte básico de vida e às medidas de alimentação e hidratação
artificiais que apenas visem retardar o processo natural de morte». Contudo não se perde nada em que a lei realce
essas e outras redundâncias.
Sim, há quem
considere que a lei era desnecessária, alegando que “hoje” os médicos já não
praticam futilidades terapêuticas e não se encarniçam na defesa absoluta da
vida, mesmo quando a morte é certa. Quem o diz está, certamente, desfasado da
realidade. Pelo contrário, cada vez mais as pessoas sentem necessidade de se
protegerem de deslumbramentos tecnológicos, de profissionais que sabem quase
tudo sobre quase nada, de técnicos desumanizados e anónimos.
É portanto justo felicitar os nossos deputados! E ao fazê-lo felicitamos a nossa sociedade e a nossa profissão.