Senhor Doutor Gentil Martins,
Não quero responder ao seu questionário 1
e acho que não devo sequer fazê-lo. Gostaria apenas, se me for permitido,
lembrar a quem nos lê que o juramento do velho Hipócrates foi substituído pela
Declaração de Genebra. Trata-se de um texto que foi adotado em
1948 pela 2.ª Assembleia Geral da Associação Médica Mundial, de que o Senhor
aliás já foi presidente, e depois sucessivamente melhorado em 1968, 1983, 1994,
2005 e 2006. O mundo não parou! O juramento aí proposto diz que “Ao ser
admitido como membro da profissão médica: JURO
SOLENEMENTE consagrar a minha vida ao serviço da
humanidade; GUARDAREI aos
meus professores o respeito e gratidão que lhes são devidos; PRATICAREI
a
minha profissão com consciência e dignidade; A
SAÚDE DO MEU DOENTE será a minha primeira preocupação; RESPEITAREI
os
segredos que forem confiados, mesmo depois da morte do doente; TUDO FAREI
PARA MANTER a honra e as nobres tradições da profissão
médica; OS MEUS COLEGAS serão minhas irmãs e irmãos;
NÃO
PERMITIREI que considerações de idade, doença ou
deficiência, credo, origem étnica, género, nacionalidade, filiação política,
raça, orientação sexual, condição social ou qualquer outro fator se interponham
entre o meu dever e o meu doente; MANTEREI o
maior respeito pela vida humana; NÃO USAREI os
meus conhecimentos médicos para violar direitos humanos e liberdades civis,
mesmo sob ameaça; FAÇO ESTAS PROMESSAS solenemente,
livremente e sob palavra de honra.”2
Quando iniciei a minha profissão, em 1971, não me foi
dado fazer qualquer juramento público mas não tenho dificuldade em dizer que
usaria sem reservas este texto da Associação Médica Mundial para esse efeito. Contudo
teria mais gosto em usar o que Louis Lasagna redigiu em 1964 e julgo ainda ser usado em muitas escolas médicas americanas: “Juro
cumprir, do melhor modo que possa e saiba, esta declaração: RESPEITAREI
os progressos
científicos arduamente alcançados pelos médicos cujos passos seguirei e
partilharei com gosto tais conhecimentos, como se fossem meus, com os que
vierem depois de mim. USAREI, em prol dos doentes,
todas as medidas que forem necessárias, evitando tanto o tratamento excessivo
como o niilismo terapêutico. RECORDAREI que há
arte na medicina, como na ciência, e que cordialidade, simpatia e compreensão
podem valer mais que o bisturi do cirurgião ou o medicamento da farmácia. NÃO ME
ENVERGONHAREI de dizer “não sei”, nem deixarei de pedir
ajuda aos meus colegas quando outras capacidades sejam necessárias para a
recuperação de um doente. RESPEITAREI a
privacidade dos meus doentes, pois os seus problemas não me são revelados para
que todos os conheçam. Especialmente terei todo o cuidado em matéria de vida e
morte. Se puder salvar uma vida, assim farei. Mas pode acontecer que esteja nas
minhas mãos perder-se uma vida – esta assustadora responsabilidade deve ser
enfrentada com grande humildade e com o sentido da minha fragilidade. Acima de
tudo, não pretenderei ser Deus. LEMBRAR-ME-EI que
não trato um gráfico de temperaturas ou o crescimento de um cancro, mas sim um
ser humano doente cuja doença pode afetar a família dessa pessoa e a sua
estabilidade económica. A minha responsabilidade inclui também estes problemas,
se quiser cuidar adequadamente deste doente. TENTAREI
PREVENIR doenças sempre que puder, já que prevenir é
melhor do que remediar. LEMBRAR-ME-EI que
serei sempre um membro da sociedade com obrigações especiais para com os seres
humanos meus semelhantes, tanto os sãos de corpo e espírito como os enfermos. SE NÃO
VIOLAR ESTE JURAMENTO, poderei desfrutar a vida e a arte,
respeitado enquanto viver e recordado com afeto depois. Possa eu agir sempre de
modo a preservar as mais admiráveis tradições da minha profissão e por muito
tempo sentir a alegria dos que procuram a minha ajuda.”3
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1 Revista da Ordem dos Médicos, ano 27, n.º 127 novembro, 2011, O valor Absoluto, página 67
Li no nº de Setembro da Revista da Ordem dos Médicos um artigo de opinião do Colega Rosalvo de Almeida, com o título “O Valor Absoluto”. Como sou um dos subscritores do documento a que faz referência, não resisto à tentação de lhe fazer algumas perguntas, aguardando com muito interesse as suas respostas. 1) Quando pensa o Dr Rosalvo de Almeida que teve início a sua própria vida ? Não terá sido na junção do que, displicentemente, chama óvulo e espermatozóide, da sua mãe e do seu Pai? 2) Excluindo conceitos religiosos (que anatematiza ), políticos, filosóficos ou quaisquer outros, qual a sua dúvida científica sobre o começo da vida, desde que surgiu a FIV, nascendo depois uma criança como qualquer outra? 3) Acha, ou não, que a vida é um todo continuo (o que nunca vimos, até hoje, biologicamente, ninguém contestar )? 4) Terá reparado, ou não, que as leis de interrupção da gravidez, variam de tempo de País para País, o que demonstra não haver qualquer fundamentação científica nessa decisão? 5) Que significado atribui realmente ao Direito à Vida consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem e na Constituição da República Portuguesa? Não será o seu respeito, desde o início até á morte natural? 5) Entende o direito á autonomia e autodeterminação como superior ao direito e valor da vida ? Concorda então com o suicídio? 6) Porque confunde a autonomia que permite recusar uma terapêutica, com a reprovável obstinação terapêutica? 7) Concorda ou não com a Eutanásia? 8) Concorda ou não com a pena de morte? 9) Seria interessante saber se o Dr. Rosalvo de Almeida fez ou não o “Juramento de Hipócrites”, no fim do seu Curso de Medicina? Será que acredita nos seus princípios? Pessoalmente acreditamos no valor da vida desde o seu início até á morte natural: por isso tenho interesse em saber, isentamente, sem manipulações ou argumentações capciosas, o que os Portugueses pensam. Para já, como disse, gostaria de conhecer as respostas do Dr. Rosalvo de Almeida, já que se candidata a integrar um movimento cívico que se oponha ao movimento cívico que deseja o Referendo (certamente teremos conceitos diferentes do que é uma verdadeira democracia...) Gentil Martins