princípios e perspetiva da Associação Mundial de Dadores de Medula Óssea
Tradução parcial do texto
Considerações
éticas
A
questão da remuneração da doação suscita certas preocupações éticas. O ato
essencial em questão é a decisão por parte de uma pessoa não relacionada de se
submeter a um procedimento médico em benefício de outra pessoa. Há um conjunto
significativo de trabalhos em torno das questões éticas envolvidas nesse
intercâmbio, especialmente no contexto da doação de órgãos sólidos e da
utilização de dadores como sujeitos de investigação.
Três
princípios éticos em particular são frequentemente alvo de escrutínio. O
primeiro é o princípio da dignidade, visto que a transferência de parte de um
corpo humano é diferente da de um produto ou serviço e exige considerações
únicas para não desvalorizar a vida humana através da comercialização de
órgãos, tecidos e sangue. O segundo princípio é que o dador não deve estar
sujeito a danos desnecessários ou irrazoáveis. Finalmente, qualquer sistema de
distribuição deve ser fundamentalmente justo. Em particular, nenhum segmento da
sociedade deve ter benefícios à custa de outro ou permitir qualquer tipo de
coação no processo de obtenção de células estaminais hematopoiéticas.
Dignidade
O
conceito de dignidade baseia-se na ideia de que o corpo humano deve ser tratado
como tendo um valor intrínseco que está além do valor económico potencial que
pode ser atribuído a órgãos, tecidos ou sangue por alguém necessitado. Esta
noção é fundada tanto em considerações religiosas como filosóficas. Muitas
religiões sustentam que o corpo é uma dádiva sagrada de um ser superior e que
uma pessoa tem o dever de proteger ou conservar essa dádiva. Qualquer dano ao
corpo é uma violação desse dever, exceto se for para proteger a pessoa de
outros danos. Numa perspetiva filosófica, é frequentemente feita referência aos
ensinamentos de Immanuel Kant, cuja formulação de que a sociedade deve “tratar
a humanidade ... sempre como um fim e não apenas como um meio” é frequentemente
citada como a base para concluir que o pagamento por partes do corpo é uma má
utilização de um ser humano, porque vê o dador como uma fonte de suprimento para
a pessoa necessitada e não como um outro ser humano. Ao considerar apenas o
valor económico de um órgão, tecido ou sangue doado, existe a potencial criação
de mercados para partes do corpo. Em tal cenário, a venda de uma parte do corpo
é vista como uma desvalorização da vida humana, implicando que o valor de uma
pessoa se baseia no valor material do corpo e não na condição de ser humano
racional. A doação sem remuneração é geralmente permitida no contexto religioso
como um ato de caridade em benefício de um semelhante humano, enquanto no
contexto filosófico a doação não remunerada é vista como um ato altruísta em
benefício de outrem, não como uma mercantilização de um humano em benefício do
outro.
O
conceito de dignidade deve ser sopesado com o direito de a pessoa tomar
decisões sobre o seu próprio corpo, razoavelmente livre do controlo da
sociedade. Contudo, embora reconhecendo que a pessoa tem o direito de tomar
decisões sobre o seu próprio corpo dentro de um vasto espectro de comportamentos,
a sociedade tem interesse em evitar comportamentos que tenham certas
consequências sociais que incluam a neutralização de pontos de vista ampla e
profundamente reconhecidos quanto ao valor da vida. A preocupação primordial é
que a pessoa seja valorizada como um ser humano distinto.
No contexto da dignidade, é frequentemente avançado um outro argumento a favor da remuneração, uma vez que diz respeito ao acesso das populações economicamente desfavorecidas a cuidados de saúde, onde tendem a existir mais grupos étnicos minoritários. No caso da doação de órgãos, a negação da recompensa com base na dignidade humana pode obstaculizar o acesso das populações minoritárias que beneficiariam da doação de pessoas da mesma etnia. Se esse grupo aceitar a remuneração, argumenta-se, o prejuízo é contrabalançado pelo benefício de pessoas do mesmo grupo étnico. Isto tem alguma repercussão em relação ao transplante de células estaminais hematopoiéticas de dador não relacionado, porque os doentes provavelmente encontrarão um dador dentro do seu próprio grupo étnico e os recenseamentos mais facilmente vão encontrar dadores dentro das populações minoritárias. Para sustentar este ponto de vista, tem de argumentar-se que o valor económico derivado da venda de partes do corpo é mais importante do que a defesa do conceito de dignidade pessoal e social dos seres humanos. Mas é precisamente este compromisso que mina o valor que a sociedade atribui ao ser humano. Pode também levar a uma maior mercantilização de pessoas ou grupos desfavorecidos, abrindo o potencial de remuneração para outras partes do corpo, diminuindo ainda mais o valor da pessoa ou população.
[…]
Recomendação