Tradução espontânea do artigo A Dying Man and Sophie's Choices de John Carney, publicado no blogue do Center for Practical Bioethics em 02.02.2010
Quero
expressar os meus sentimentos a Alicia pela morte do seu pai (*). Gostaria
também de lhe apresentar desculpas a ela e, postumamente, a ele – por terem
sido responsabilizados por decisões que nunca lhes deviam ter sido assacadas.
Morrer é
já duro que chegue para os doentes e suas famílias, não havendo razões que
justifiquem que o façamos mais difícil, colocando obstáculos mecânicos ao seu
caminho. Essa não é a arte da medicina, é o desertar tecnológico. Ele morreu
ligado a máquinas por que assim escolheu, pensa ela.
É isto
realmente verdade? Nós, nos cuidados de saúde, contribuímos para que a sua
morte fosse algo de inimaginável há algumas décadas. Não se trata de um “erro”
apenas, como ela sugere, mas de um erro evitável pois um homem que está a
morrer não tem de fazer as “escolhas de Sofia” (**).
Não
podemos deixar que torturem uma pessoa vulnerável com base numa falsa noção de autodeterminação.
Quando uma intervenção médica não pode servir o objetivo para que foi pensada,
não pode aproximar-se de um padrão aceitável ou atingir uma certa meta
assistencial, não deveríamos forçar a sua aplicação.
Não
temos qualquer obrigação de oferecer, recomendar ou mesmo sugerir uma
intervenção de que os doentes não possam beneficiar e deveríamos evitar pôr os
doentes na “via mecânica para a morte”.
De certo
modo, apoiar esta filha e o seu pai exige que confrontemos a inevitabilidade da
sua morte com eles, de modo piedoso, honesto e ético. Sim, teria sido errado
ela dizer-nos que o pai não queria ser entubado se ele o queria, mas aquela
decisão não deveria condicionar todas as outras.
Cabia-lhe
dizer a verdade quando perguntada acerca dos tratamentos preferidos por seu pai
– especialmente atendendo aos êxitos das intervenções prévias. A nós cabe-nos
assegurar que respeitamos as preferências de modo pensado e razoável.
Estamos
obrigados a oferecer cuidados centrados nos doentes, não cuidados dirigidos
pelo doente. A quem serviu prolongar estes seis meses de agonia? Autonomia sem
tino é tão desrespeitosa do doente como o paternalismo.
Sim,
Alicia, o seu papel era apoiar o seu pai e o nosso era apoiá-la a si. Você pode
ter desempenhado a sua parte, mas infelizmente nós abandonámos ambos,
permitindo que o nosso “apoio” produzisse incómodos impensáveis ao mesmo tempo
que usávamos erradamente recursos valiosos como se fosse aceitável.
Notas do tradutor
(*) Refere-se a «Um Pai Doente, uma Decisão de Vida ou Morte» (An Ill Father, a Life-or-Death Decision, de Alicia von Stamwitz, publicado no New York Times em 25.01.2010, em que a autora relata a situação que viveu ao decidir que os médicos prosseguissem tratamentos invasivos com um mínimo de possibilidade de recuperação de seu pai. Termina o artigo afirmando: «O meu pai nunca mais recuperou. Nunca mais respirou sem ajuda do ventilador mecânico, não saiu mais do hospital, foi colocado em diálise e com alimentação por sonda. Seis meses mais tarde morreu de insuficiência cardíaca. Creio que a sua decisão foi um erro. Mas foi um erro dele, não meu. O meu papel era apoiá-lo, não interessa em quê, e falar verdade por mais difícil que fosse.»
(**) A escolha de Sofia (Sophie's Choice) é um romance de William Styron publicado em 1979. Trata do dilema de "Sofia", uma mãe polaca, filha de pai antissemita, presa num campo de concentração durante a Segunda Guerra e que é forçada por um soldado nazi a escolher um de seus filhos para ser morto. Se ela se recusasse a escolher um, todos os filhos seriam mortos. (Fonte: Wikipédia)