I Jornadas Comissão de Ética para a Investigação Clínica (Infarmed)
Janeiro de 2010
Comunicação: “Rede Nacional de Comissões de Ética”
As Comissões de Ética para a Saúde (CES), consagradas pelo
DL. 97/95, têm desempenhado um papel relativamente apagado nos hospitais
portugueses, e esse apagamento parece ter-se acentuado a partir da Lei 46/2004
que aprovou o regime jurídico aplicável à realização de ensaios clínicos com
medicamentos de uso humano, e criou a CEIC. Em Novembro de 2008, a DGS concluiu
um estudo estatístico sobre a situação das CES, contendo as respostas de um
questionário a elas dirigido, o qual foi apresentado num encontro realizado no
Hospital de S. João. Deste estudo, publicado no portal da DGS, pode inferir-se
que os membros das CES que exercem funções no respetivo hospital não têm,
maioritariamente, qualquer tempo oficialmente atribuído ao exercício desse
trabalho. Verifica-se que o número de horas por mês dedicado pelos membros a
tarefas da CES é muito variado (por ex.º a média para presidentes é de 10,5 h/mês,
[DP 21,65] e para membros é de 4,3 h/mês [DP 2,47]). Em 2007, as CES
elaboraram, em média, 18 pareceres por comissão, sendo que a maioria (34 em 64)
elaborou menos de 25 pareceres, e apenas 4 ultrapassaram a centena. Os
pareceres visaram sobretudo questões de ética da investigação (90,6%). A grande
maioria (70,3%) das CES não elaborou pareceres por sua iniciativa. São
referidas as dificuldades logísticas e a falta de iniciativas de formação
específica destinadas aos membros das CES. Apenas 18,8% das CES organizaram
ações de formação para profissionais de saúde em 2007. A maioria (87,5%) não
tem realizado reuniões com outras comissões de ética nem partilhado pareceres
com relevância ética. Para além destes dados, subsiste a convicção de que as
CES são, de um modo geral pouco visíveis, os seus membros não são identificados
pela generalidade dos profissionais da instituição e os órgãos diretivos,
frequentemente, ignoram a sua existência ou, pelo menos, desvalorizam a sua
importância. Em Março de 2009, tendo sido recentemente constituída, a CES da
ARSN promoveu uma reunião com os presidentes das CES hospitalares da região, e
daí resultou a realização de um Seminário dedicado ao tema do Consentimento
Informado, destinado exclusivamente a membros das CES, o qual teve lugar em
Setembro de 2009. Está prevista uma nova reunião de presidentes em Janeiro de
2010. A CES da ARSN passou a divulgar todos os seus documentos junto das
congéneres hospitalares. Apesar das competências atribuídas pela Portaria n.º
57/2007, a Comissão Executiva da CEIC não tem conseguido «Promover a
implementação e certificação de um sistema de gestão de qualidade da CEIC e das
CES, bem como monitorizar a sua atividade», assim como não tem sido capaz de
«Promover junto dos membros das CES a formação específica em investigação
clínica». A organização destas Jornadas aponta nesse sentido e urge ponderar as
estratégias para uma consequente busca dessas metas. Mais do que uma
supervisão, ou uma tutela, de onde emanem “ordens vindas de cima”,
potencialmente ignorantes dos circunstancialismos locais, adivinha-se como
curial que haja, em simultâneo, iniciativas que promovam a criação de condições
necessárias ao trabalho que se espera das CES e para o qual foram talhadas. Os
passos para a criação de uma “rede interativa de CES”, de nível nacional,
dificilmente serão dados por geração espontânea. A noção de rede interativa, no
sentido neuronal, implica, desde logo, que haja um núcleo gerador que receba o
mandato de a iniciar e de a manter. Uma “rede de CES”, assente numa plataforma
digital, que pode começar por ser a simples troca de mensagens de correio eletrónico
e eventualmente estender-se a meios mais sofisticados, deve ser encarada como
uma oportunidade para a troca de experiências, o conhecimento mútuo das atividades
e de documentos emitidos. A interatividade deveria significar também a
exploração de potenciais ações de formação virtuais, sem necessidade de
deslocação física. O debate sobre a própria “rede de CES”, envolvendo os seus
membros, é, só por si, o embrião dessa rede mas, duvida-se que possa ser
frutuoso se não forem dados sinais políticos, de nível superior – não
necessariamente legislativos ou regulamentares – que cheguem aos dirigentes
máximos das instituições de saúde com força suficiente para aí provocar uma
necessária alteração do atual paradigma relativo à dimensão ética dos cuidados
de saúde prestados. É que a Ética não está no pensamento dos gestores por não
constituir, habitualmente, causa de despesas ou fonte de receitas. Na verdade,
muitos pensarão que não é preciso fazer nada para que os desempenhos
profissionais ou institucionais tenham o condimento ético que os transforme em
algo de diferente (e melhor). Dir-se-ia que, para que tudo mudasse, importaria
dar às CES o quantum de poder que as tornasse subitamente visíveis, notórias e
imprescindíveis. Sendo certo que muito depende da forma como as CES e os seus
membros são capazes de impor a sua existência, tudo leva a crer que não basta o
voluntarismo para que a situação se modifique de modo sustentado. Não devendo a
Ética ser lida como entrave à ciência, nem potenciadora de burocracias, também
as comissões de ética não devem ser transformadas em órgãos de contrapoder ou
oráculos possuidores da Verdade. O carácter consultivo das CES, ainda que
condição prévia obrigatória para a decisão de quem de direito, não deverá
deixar de se traduzir na manifestação independente, refletida e fundamentada
das questões éticas em presença. A existência de CES ativas, respeitadas,
visíveis, competentes, apoiadas, desburocratizadas, certamente, contribuirá
para que cada profissional pense mais no que “deve” do que no que “pode” fazer,
mais na “pessoa” do que na “técnica”, mais no que é “lícito” do que no que é “útil”.
Os destinatários das suas prestações agradecerão.