“Prefácio” in Testamento Vital – O que é? Como elaborá-lo?,
Laura Ferreira Santos, pp. 11-2, Sextante (2010)
Escrever um prefácio não é fazer a interpretação do livro prefaciado. Tão pouco será fazer a apologia das ideias aí defendidas, nem, muito menos, fazer a crítica do seu conteúdo. Um prefácio deve ser, na minha opinião, uma breve apresentação do livro e de quem o escreveu, apontando, perante os seus potenciais leitores, razões para uma leitura atenta.
Esta obra aparece no tempo certo na medida em que está aberto um debate, de âmbito nacional, sobre o “Testamento Vital” e sobre a forma como a legislação deve ser redigida. É tempo de esse debate se alargar e de nele entrarem contributos oriundos de áreas diversificadas. O assunto é demasiado importante para ser deixado aos médicos, aos juristas ou aos eticistas do costume.
Um debate que se queira produtivo implica que o cidadão comum disponha de meios para formar a sua opinião individual e para que a opinião coletiva se vá consolidando de modo racional. Debater assuntos desta índole e sensibilidade com base em preconceitos, estreiteza de vistas ou ignorância, só pode acabar mal.
O livro adota um formato pedagógico com linguagem acessível e fundamenta-se em informações sólidas e bibliografia exaustiva. É isso a pedagogia – ciência que trata da educação dos jovens! Só alguém vindo das ciências da educação, com domínio das ferramentas académicas, com provas dadas na reflexão sobre questões da vida e da morte, poderia proporcionar-nos uma obra tão completa (e ao mesmo tempo tão concentrada) como a que temos agora ao nosso dispor.
A professora Laura Ferreira Santos consegue colocar-nos a pensar sobre este tema, não escondendo dos leitores as opiniões diversas das suas, defendendo os seus pontos de vista com clareza e com honestidade intelectual notáveis.
A futura legislação sobre o respeito pela vontade de uma pessoa (expressa de modo inequívoco e relativa a factos que podem vir a passar-se se essa pessoa ficar incapaz) será, certamente, mais justa e equilibrada se todos quantos contribuírem para a sua formulação final tiverem lido esta obra.
O respeito pela autonomia da pessoa – princípio bioético dominante, embora não absoluto – há de ser tanto maior quanto mais consciente estiverem todos os intervenientes no processo de decisão. A consciencialização destes intervenientes começa por uma atitude de abertura à compreensão do problema e pela capacidade de aceitar as consequências das suas decisões. Não são só os médicos (alguns, muitos) que necessitam de mudar o paradigma do seu exercício profissional no que se refere ao respeito pela autodeterminação dos “seus” doentes. Não basta que os juristas traduzam em lei o que os médicos discutem já que, por vezes, se limitam a tentar prevenir confrontos judiciais ou disciplinares.
É verdade que os problemas legais e os dilemas éticos relacionados com os cuidados do fim de vida não se resolvem todos, milagrosamente, com a redação, assinatura, registo e publicitação de umas Diretivas Antecipadas de Tratamento, por mais completas e bem pensadas que estas sejam (*). Todavia, com Diretivas completas e bem pensadas, havendo sustentação legal, alguns problemas encontram solução e alguns dilemas dissolvem-se.
Porto, 26 de junho de 2010
* Veja-se, por exemplo, sobre a questão da autonomia precedente, as posições contrapostas de Ronald Dworkin (in “Life Past Reason”) e de Rebecca Dresser (in “Dworkin on Dementia: Elegant Theory, Questionable Policy”), transcritas em “Bioethics, An Anthology, Edited by Helga Kuhse and Peter Singer, Blackwell Philosophy Anthologies, Second Edition, 2006”. Págs 262, 357, 365.