Manifesto-me firmemente contra a ideia de que se faça um referendo sobre a legalização da eutanásia.
Esta opinião deriva de não me
parecer possível reduzir a questão a ser-se a favor ou contra a legalização de
algo que contém, em si mesmo, diversos significados. Vou, aliás, evitar o uso
dessa palavra até ao final deste texto para melhor me fazer entender.
Se se perguntar, ao comum dos
mortais, se é legítimo praticar atos que tornem a morte digna, todos
responderão: Sim. Mas, neste caso, estaremos a falar em cuidados paliativos.
Esta expressão, recordo, tem sido muito usada significando apenas cuidados
terminais. Na verdade, os cuidados paliativos incluem ações de vários tipos
que devem iniciar-se a partir do momento em que se estabelece um prognóstico
fatal, ainda que distante.
Se, por exemplo, estivermos
perante uma pessoa que, no meio do seu sofrimento extremo, pede: “deixem-me
morrer em paz!”, todos aceitarão que o médico suspenda intervenções fúteis
e atos que apenas prologam esse sofrimento, mantendo toda a atenção na
aplicação de medidas que o atenuem. Estaremos, nesta situação, a falar de
evitar a distanásia (cujo significado é morte dolorosa, agonia lenta). Este é
um posicionamento ético já previsto no Código Deontológico dos médicos portugueses
e não carece de legitimação especial.
Se, por outro lado, um médico
entender que um seu doente está a sofrer de mais e decide pôr-lhe termo à vida,
antecipando uma morte esperada, ainda que certa, este médico estará a assumir poderes
que não lhe foram conferidos. Estaremos, neste caso, a meu ver, perante um
homicídio. Daí que entenda que a resposta sobre a legalização de um tal ato,
independente da vontade do doente, deva ser, naturalmente, um Não, embora não
julgue que seja isso que se pretende perguntar em referendo.
Se, finalmente, o doente pede: “matem-me,
não posso sofrer mais!”, muitos aceitarão que, em certas condições, se
admita como lícito o suicídio medicamente assistido. A antecipação activa da morte
(de pessoa que, conscientemente e sem margem para dúvidas, a peça) difere assim
da suspensão ou não aplicação de medidas que prologuem inutilmente a vida.
Aceito que se fosse feito um
referendo especificamente sobre a legalização do suicídio medicamente
assistido, com a necessária informação associada, muitos, como eu, votariam no
Sim, apesar de algumas reservas, mas não me sinto capaz de antecipar a quem
caberia a maioria.
Na minha vida profissional, em
mais de três décadas de prática clínica, nunca ouvi o pedido: “matem-me”
mas, muitas vezes, ouvi ou pensei ter ouvido a segunda parte: “não posso
sofrer mais”. Acredito pois que, se os médicos tiverem os ouvidos, ou a
mente, em alerta, saberão encontrar as formas adequadas de atenuar esse
sofrimento e de administrar as expectativas com sensatez, em cooperação activa
com a família, de modo a que aquele grito não chegue a aparecer.
Restarão, no final das contas,
situações em que outra não possa ser a saída senão a satisfação de um desejo
profundamente amadurecido, autonomamente determinado, não influenciado por interesses
alheios e livre de qualquer suspeita.
É por isso que me declaro pelo
Não ao referendo e pelo Sim à aprovação de uma lei que contemple a
possibilidade de a Eutanásia Voluntária (por parte do doente) e Activa (por
parte do médico) não ser considerada crime e deixe de ser eticamente condenada,
desde que salvaguardadas tantas condições, quantas as necessárias, para a
tornar uma verdadeira excepção na prática clínica quotidiana.