O presente texto é uma adaptação/actualização do que o autor publicou em 2000 no “Papel do Médico”, efémero jornal eletrónico, e é aqui apresentado a título de contribuição pessoal para uma reforma do nosso velho Código Deontológico, de onde foram extraídas as frases a azul.
O sigilo médico é condição essencial ao
relacionamento médico-doente, assenta no interesse moral, social e
profissional, pressupõe e permite uma base de verdade e de mútua confiança.
O médico deve guardar segredo de todos os
factos de que tenha conhecimento em resultado do exercício do seu mister, ou
por causa dele, e deve zelar para que os seus colaboradores
e colegas se conformem com as regras do segredo profissional,
cabendo-lhe esclarecer os membros da equipa de saúde quanto ao caráter
confidencial das informações clínicas.
O segredo profissional compreende,
especialmente, os factos revelados diretamente pela pessoa, por
outrem a seu pedido ou por terceiros com quem tenha contactado
durante a prestação de cuidados ou por causa dela; abrange também os
factos apercebidos pelo médico, provenientes ou não da observação clínica ou de
terceiros e, ainda, os factos comunicados por outro profissional
obrigado, quanto aos mesmos, a segredo profissional.
A obrigação de segredo existe, quer o serviço
solicitado tenha ou não sido prestado, quer seja ou não remunerado, e é extensiva
a todas as categorias de doentes, qualquer que seja o estatuto do local ou da
entidade onde ocorre a relação médico-doente.
Excluem o dever de segredo profissional – para
além do consentimento do doente ou, em caso de impedimento, do seu
representante legal (desde que a revelação não prejudique
terceiras pessoas com direito de manutenção do segredo) – o que
for absolutamente necessário à defesa da dignidade, da honra e dos legítimos
interesses do médico, não podendo, no entanto, o médico revelar mais do
que o necessário e sem prévia consulta ao Presidente da Ordem.
A verdade como base da relação médico-doente
O prognóstico e o diagnóstico devem, por
regra, ser sempre revelados ao doente, salvo se, por motivos
que, em sua consciência, julgue ponderosos, o médico entender não o dever fazer. Um prognóstico
fatal só pode ser revelado ao doente com as precauções aconselhadas pelo exato
conhecimento do seu temperamento, das suas condições específicas e da sua
índole moral.
Quando, por motivos que, em sua consciência, julgue ponderosos, o médico entender ocultar ao doente diagnóstico ou prognóstico fatais, é permitida, a título excecional, a sua revelação a familiar ou pessoa intimamente relacionada com o doente. No entanto, se tiver havido proibição expressa por parte do doente, o médico deve dar conhecimento desse facto à Comissão de Ética da instituição onde trabalhe ou, em alternativa, ao Conselho Nacional de Ética e Deontologia da Ordem dos Médicos.
A natureza essencial do sigilo
não é um valor absoluto
A obrigação do segredo profissional não impede
que o médico tome as precauções necessárias e promova ou participe em medidas
de defesa sanitária, indispensáveis à salvaguarda da vida e saúde de pessoas que
possam contactar com o doente, nomeadamente dos membros da sua família ou
outros conviventes. Depois de esgotados todos os esforços para obter o
consentimento do doente, é dever do médico proceder desse modo, mesmo que daí
resulte quebra de segredo médico. No entanto, a eventual quebra de segredo, em
caso de oposição expressa do doente, obriga a que o médico dê conhecimento do
facto à Comissão de Ética da instituição onde trabalhe ou, em alternativa, ao
Conselho Nacional de Ética e Deontologia da Ordem dos Médicos.
A participação a uma Comissão de Ética de qualquer quebra de segredo profissional deve ser feita antes da sua ocorrência ou, o mais tardar, nas 24 horas seguintes. Ao decidir revelar matéria de segredo profissional o médico deve estar preparado para explicar e justificar essa decisão.
O direito de acesso à
informação e o sigilo
O segredo médico deve igualmente ser
respeitado quando o médico tem de enviar doentes para entidades não vinculadas a
segredo profissional ou quando da cobrança (judicial ou extrajudicial)
de honorários.
No caso das entidades coletivas
prestadoras de serviços de saúde, públicas ou privadas, os diretores
médicos, os chefes de serviço e os médicos assistentes dos doentes
estão obrigados, singular e coletivamente, a guardar segredo profissional
quanto às informações clínicas que, constituindo objeto de segredo
profissional, constem do respetivo processo individual do doente ou
integrem bases de dados, seja qual for o suporte da informação, competindo-lhes
a identificação dos elementos dos respetivos processos clínicos que, não
estando abrangidos pelo segredo profissional, podem ser comunicados a
entidades, mesmo hierárquicas ou estranhas à instituição médica, que os tenham
solicitado.
Quando há um pedido de informações clínicas
feito por entidade que condiciona a concessão de benefícios ao conhecimento
daquelas, o médico deve, por sua vez, condicionar essa revelação ao consentimento
por parte do doente.
O médico que, nessa qualidade, seja
devidamente intimado como testemunha ou perito deverá comparecer no tribunal,
mas não poderá prestar declarações ou produzir depoimento sobre matéria de
segredo profissional.
Quando um médico alegue segredo profissional para não prestar esclarecimentos pedidos por entidade pública, deve solicitar à Ordem dos Médicos declaração que ateste a natureza inviolável do segredo em causa.
Atestados
Os atestados médicos, certificados,
relatórios ou declarações são documentos particulares de caráter pericial,
destinados a fazer fé perante terceiros, são assinados pelo seu autor de forma reconhecível,
só são emitidos a pedido do interessado, ou do seu representante legal, deles
devendo constar a menção desse pedido. No caso de atestados de doença, além da
correta identificação do interessado, devem afirmar, sendo verdade, a
existência de doença, a data do seu início, os impedimentos resultantes
e o tempo provável de incapacidade que determine; não devem
especificar o mal de que o doente sofre, salvo por solicitação expressa deste
e, nesse caso, o médico deve referir esse condicionalismo. Para
prorrogação do prazo de incapacidade deve proceder-se à emissão de novo
atestado. Constitui falta deontológica o facto de o médico emitir atestados de
complacência ou relatórios tendenciosos sobre o estado de saúde de qualquer pessoa.
É dever do médico relatar, por iniciativa
própria, sobre o internamento e sobre outros atos médicos major de que seja responsável,
informando o doente e fornecendo dados clínicos que assegurem a continuidade de
cuidados.