Este armazém foi criado para guardar e partilhar textos (e contextos) que tenho escrito ou traduzido, quase todos ao longo da “terceira” metade da minha vida, mas também antes. Até aos 35 anos formei-me e cresci, até aos 70 exerci e aprendi, agora deu-me para isto... 😊
10 março 2007
01 março 2007
Objeção de consciência – o direito e os deveres relacionados
O nosso Código
Deontológico (CD), aliás como a Constituição da República e a Associação Médica
Mundial, prevê que o Médico possa invocar objeção de consciência para se
recusar a praticar um ato que se lhe pede ou que se espere que ele pratique.
O direito de recusa de
assistência necessita, contudo, de regulamentação já que importa prever que nem
tudo o que se pode fazer, se deve fazer. Essa é, aliás, uma das dimensões
éticas da nossa profissão – o dever é mais importante do que o poder, como o
lícito é mais importante que o útil e a pessoa mais importante que a técnica.
O nosso velho Código
Deontológico no seu Artigo 30.º (Objeção de consciência) deveria, a meu ver,
ter a seguinte redação: «O Médico tem o direito de recusar a prática de ato
da sua profissão quando tal prática entre em conflito com a sua consciência,
ofendendo os seus princípios morais, religiosos, culturais ou filosóficos, ou
quando haja manifesta contradição com este Código», já que os Médicos não
têm várias consciências.
Por outro lado, o direito enunciado
deve ter limites e, por isso, o CD deveria prever um parágrafo que os indique.
Por exemplo: «Comete falta deontológica grave o Médico que, declarando-se objetor
de consciência para um determinado ato, o pratique sem curar de anular a sua
situação de objetor ou de apresentar clara justificação ética em caso de exceção.»
No entanto, todos sabemos que,
para além da objeção de consciência (aquela em que invocamos os nossos princípios),
há outras situações em que queremos ter o direito de recusar um ato que nos é
imposto pelas chefias ou por normas de orientação (guidelines ou protocolos).
Torna-se assim necessário criar
um novo artigo denominado “Objeção técnica” que poderia ter o seguinte texto:
«A recusa de subordinação a ordens técnicas oriundas de hierarquias
institucionais, legal ou contratualmente estabelecidas, ou a normas de
orientação adotadas
institucionalmente, só pode ser usada quando o Médico se sentir constrangido a praticar
ou deixar de praticar atos médicos contra a sua opinião técnica, devendo
justificar-se de forma clara.» O CD atual
dedica vários artigos a situações de recusa de assistência. Note-se que o
código devia enumerar os deveres pois, neste particular, mais parece uma carta
de direitos ao enumerar, de acordo com os artigos 36.º a 38.º, vários casos em
que os Médicos podem invocar esse direito.
Ora, a meu ver, esses artigos deveriam
ter uma formulação algo diferente e, além disso, englobar o caso da greve que o
CD acolhe noutro capítulo. Assim, impõe-se que aqueles artigos tenham uma redação
clara e transparente, definindo os deveres dos Médicos quando entendam recusar
assistência. A saber:
1. O Médico só pode
recusar a assistência ou a continuidade de assistência a um doente desde que
desse facto não resulte prejuízo para o doente e desde que haja outro Médico de
qualificação equivalente a quem o doente possa recorrer.
2. O Médico que invoque
objeção, técnica ou de consciência, para não executar um ato ou opte pela
recusa de assistência tem o dever de fornecer todos os esclarecimentos
necessários para a continuidade da assistência e de advertir o doente ou a
família com a devida antecedência.
3. Quando a recusa de
assistência resulte de adesão a greve legal, o Médico deve, sejam quais forem
as circunstâncias, assegurar-se da continuidade dos cuidados terapêuticos
necessários aos seus doentes, bem como da assistência a doentes urgentes e
graves.
4. Quando a recusa de
assistência resulte da discordância, por parte do doente, da família ou do
representante legal, sobre os exames ou tratamentos indicados pelo Médico, este
deve, previamente, assegurar-se de que esgotou todas as formas de
esclarecimento acerca dos atos que pretendia promover e de que respeitou, na
medida do possível e de acordo com a sua capacidade de discernimento, as opções
do doente.
Estas propostas, como outras que
tencionamos apresentar sobre outras áreas de Deontologia Médica, são um
contributo para um debate que se pretende alargado e resulte num CD em que
todos os Médicos se possam rever.