Aproxima-se a data do referendo e conhece-se
já a pergunta que vai ser colocada para que cada português responda Sim ou Não.
Os médicos, enquanto cidadãos, vão igualmente
responder na discrição das cabines de voto mas o debate está lançado no campo
profissional.
O debate ganha foros de polémica pelas
implicações que o resultado do referendo terá no Código Deontológico dos
médicos. E, quando há polémica, é lógico e lícito que alguns manifestem em voz
alta as suas próprias convicções. Entendo, por isso, que o devo fazer aqui,
datando esta declaração de 03Nov2006 e enviando-a para publicação na Revista da
Ordem dos Médicos.
Voto Sim à lei porque essa é uma parte
importante do combate ao aborto sujo e escondido, feito com exploração da
ignorância de algumas mulheres. Voto Sim à lei porque acho que, mesmo com a
máxima informação sobre métodos anticoncetivos, haverá sempre gravidezes
indesejadas e indesejáveis que podem ser evitadas na fase em que um pequeno
agrupamento de células vivas ainda não é um verdadeiro ser vivo. Voto Sim à lei
porque permite fazer sair da sombra um enorme número de interrupções, ainda que
isso possa parecer um aumento de geral dos abortos. Voto Sim porque a lei deve
manter um limite para além do qual deve manter-se a proibição do recurso livre
à interrupção da gravidez.
O debate sobre as relações entre o legal e o
ético é antigo e nunca acabado. Concordo com José Roberto Goldim quando este chama a atenção para o
facto de que as regras da Moral – “assumidas pela pessoa, como uma forma de
garantir o seu bem-viver” – e as do Direito – “valem apenas para aquela
área geográfica onde uma determinada população ou seus delegados vivem” –
nem sempre coincidem, justificando-se as situações de desobediência civil ou,
acrescento eu, de objeção de consciência. Já quanto à Ética – “estudo geral
do que é bom ou mau” – ela não estabelece regras, embora ajude a
compreender as do Direito e da Moral.
O Código Deontológico é uma forma particular
de Direito autorregulador da profissão e tem, indubitavelmente, de estar de
acordo com o Direito geral. Decorre deste facto que a Ordem não poderá deixar
de adaptar o seu Código Deontológico, enquanto corpo de regras que balizam os
deveres próprios da profissão médica em Portugal.
A proposta de rever o Código, prevendo como
sanção a "repreensão ética e pública dos médicos que intervierem na
prática de abortos sem indicação [clínica]", apresentada recentemente
(in jornal Público de 2006-11-02), é, em minha opinião, quase tão errada como a
afirmada pelo Bastonário: “um código resultante de uma ética não é
modificável por alterações legais que derivam da vontade da sociedade” (in
revista Sábado de 2006-11-01). Se esta afirmação é insustentável, aquela
mostra-se incongruente.
Se a Lei permitir algo que a Moral me impede, a única
saída é a objeção de consciência. Se a minha consciência ética não reprova os
meus atos e os meus atos são legais, não admito que outros – pretensos
detentores da Ética Oficial – me apontem o dedo acusatório e me condenem
publicamente, mesmo que só com uma reprimenda.